quinta-feira, 17 de maio de 2007


Desculpas e uma noite de estrambólicos Pesadelos




Para ser sincera, nunca pensei que pudesse vir a ter problemas cada vez mais bizarros, mas agora não me admiro nada se por acaso a Serpente de Fogo decidir que todos devemo-nos andar de pernas para o ar. Também já o fazemos todos os dias…! E, para te aguçar o apetite, fica aqui uma fotografia do meu primo antes de ele ter trocado as SS – aquela organização nazi terrível que exterminava os Judeus! Como é que eles podem ter existido na Dimensão Mágica…?! Nem acredito que o primo foi um deles! – pela Força Aérea, em 1935.


Boing decidiu brincar comigo, e pondo-se atrás de mim, depositando as suas mãos fortes sobre os meus fracos e feminino, sorrindo galantemente, com os olhos a brilhar, fumou o seu cigarro pelo nariz, segurando com o anelar e mindinho, formando um enorme anel sobre o meu pescoço, o que me fez sorrir um pouco.
- Oh, mas que diabo! Será verdade…? Uma rapariga bonita, inteligente e alegre…
Eu ri-me sarcasticamente, afastei-me dele, e ao fechar as portas, sorri cinicamente com as mãos nas ancas. Eu não me diverto nada com os velhos do meu tio e do meu primo. Estou sempre a ser vigiada pelos meus tiranos, o Fritz e o Skánvasse, da madrugada até ao anoitecer, não posso fazer nada sem o dizer aonde é que vou, que intenções tenho, e a que horas chego.
- Ah, ah, que piada! – Comentei eu, chateada. – Para que é que serve o espírito, a que agrada a beleza, as minhas notas altas no liceu são ninharias, comparadas com a chatice que passo todos os dias livres, fechada entre as quatro paredes do Château, que mais parece uma sepultura horrível e silenciosa…
Ele admirado, agarrando-se às grades, debruçado, parecendo entregar-me uma coisa, e exclamou num tom exagerado e sarcástico, rindo-se:
- Uma sepultura?! Ai, ai! Oiça menina: eu quero…
Sem avisar, vimos o meu primo a abrir as portas lá ao longe no fundo do carreirinho, com raiva no olho que via bem, pegando com a arma em punho, e segurando a toalha, saido do banho, meio nú, só vendo o tronco e as pernas peludas a andarem num passo nervoso e acelerado.
Eu, com medo do que o primo estaria a pensar acerca de mim, ao ouvir com as minhas orelhas e olhos a minha perdição, com um ar nervoso, afastei-o com as minhas mãos, fazendo um stop, pois Boing não estava a distinguir o velho bruxo, e queria mesmo salvá-lo do grande sarilho que eu estava prestes a ter com o meu primo alemão, segundo porque era muito incoveniente eu estar com um cyborg. É verdade, nem podemos conversar à vontade, somos inimigos de morte e ponto final.
- Aqui está o senhor desta mansão! Consigo ouvir os seus passos, é mesmo ele! – Avisei num tom sério e preocupado com o jovem de bom coração. – Vá-se embora, não lhe quero prejudiciá-lo, muito menos à sua nobre causa.
O gentil cyborg aceitou o meu conselho, e recuando discretamente para mais longe no nosso pinhal, escondeu-se por detrás do primeiro pinheiro que viu, sorriu e lançou um cortês beijo para mim, feliz por me ter conhecido, e com os fusíveis um pouco perversos e a imaginar coisas muito românticas.
- Como a menina é bondosa. Tinha uma coisa urgente para lhe dizer, mas uma vez que o velho avarento está de olho, mandarei alguém fazê-lo por mim. Em breve terá notícias minhas. – Disse ele num sussuro passageiro como a velocidade do vento, e, dito isto, desapareceu como um fantasma pelo pinhal. Tenho cá a impressão que tenho mais um novo admirador para juntar à minha colecção, mas não posso ser assim tão atiradiça, senão, para o fim do ano lectivo, os Bruxos e os Cyborgs só vão ter olhos para mim, mas que há de se fazer…? Nasce-se perfeita, não se torna! E a perfeição sou eu, eh, eh, eh… Portanto, da próxima vez que encontrar um bruxo de jeito, vou ser eu própria, pois eu tenho a certeza que vou conquistar muitos corações no baile de natal, Ai, ai….
Ao me ver sozinha, e chegando com a pistola carregada, a tremer de frio com a leve brisa do Este que saía do pinhal, lançou-me um olhar de desdenho e, pontapeou o carreiro, segurando na toalha com dificuldade.
- Mas isto são horras de se chegarr ao Château, Jessica Magnetite von Tifon?! São horas de se chegar a algum lado!? – Vocifrou ele, de olhos arregalados e com a cara muito vermelha. – Für Haus, für Haus. Wir gehen, innerhalb! Noch bist du dort? Für Haus schnell!
[1]
Era melhor obedecer ao meu primo, pois quando ele fala em Alemão, normalmente começa a gritar palavrões como se estivéssemos no Bolhão. Está sempre aos gritos, como se a gente fosse toda surda, com o seu vozeirão de tenor de ópera com sotaque alemão, mas ele só faz isto porque é muito velho e um pouco resmungão. Segundo porque só pensa no nosso bem.
Então, dei corda aos meus ténis All Stars, e comecei a andar em direcção às portas principais da mansão com uma velocidade, que ele nem reparou que eu já estava às portas do Château, vigiando o pinhal, para ver se Boing já estaria a salvo, olhei em volta, e não via ninguém escondido por detrás das altas árvores no escuro, fechei um pouco os olhos para certificar-me se não estaria mesmo ninguém, e pelos vistos, o meu pequeno segredo com os Cyborgs também estava igualmente seguro.
Ao dirigir-me para a porta, reparei nos olhos grandes azuis do primo, arregalados como se seu fosse a própria Anne Frank, e, ainda furioso, continuou a falar batendo com as botas no mármore:
- Innerhalb gehen wir, sofort!
[2] A parrtirr de hoje os porrtões serrão vigiados pelo Fritz e pelo Skánvasse porr turrnos, assim seja feito e assim serrá!
Uau! Nunca tinha visto o Primo Coutinho assim tão zangado como naquele dia! Só queria ter uma câmera para te mostrar as cores que a sua careca ficou ao ver o Boing, é claro que sempre que o nosso general preferido está com um mau humor terrível, assobia repetidamente “As Valquírias” de Richard Wagner, andando de um lado para o outro, muito nervoso, bebendo geralmente uma jarra enorme de cerveja para acalmar, e isso dá um medo de pelar ao Nälden, ao Fritz e ao Skánvasse e ao Hans. Ficam com as cabeças a espreitar pela fechadura das portas da biblioteca, mais pálidos do que o costume, e, por probabilidades, o General Willhem von Tifon fica a dar um discurso acerca da disciplina, tradição e ordem alemãs durante três fastidiosas e intermináveis horas!
Quando abriu a porta que dá acesso ao átrio, o meu primo andou de um lado para o outro, e deu-se a sequência “fatal”, como lhe chamam os outros alemães de cá da casa.
E, ao beber um jarro de cerveja, limpou a boca, já mais descansado, mais ainda com a cara rosada, um pouco tonto, atirando-se a um sofá, pondo os braços sobre os botões de couro, e brincando com eles.
Estava-se mesmo a ver que ele conseguia aguentar qualquer bebida, e com o álcool a subir ao cérebro, indicou um lugar no sofá.
- Agorra, minha querrida, de uma vez porr todas poderrei saberr da minha Jessica o que aqui veio aquele cyborg da Resistência fazerr esta noite? – Perguntou ele com um ar desconfiado, no entanto bondoso. – Soube porventura duma das nossas estratégias…
Eu, sem ter por onde escapar, sentei-me no sofá, olhando para o ar de bom do meu primo, é verdade, ele não parece assim tão mau como quando está zangado. Quando o conhecemos, vemos que ele é boa pessoa, e, podes ficar admirada, mas ele é muito alegre, e não dispensa uma festa ou reunião familiar quando é preciso.
Se calhar só queria saber onde é que eu me tinha metido, além disso, não faria mal ao contar-lhe que ando a pesquisar o passado da nossa família, e encontrar o meu padrasto, portanto, decidi conversar com ele.
Arranjando a mini-saia, respondi inocentemente ao encolher os ombros:
- O Major Boing? Não sei.
Ele pôs um olhar interrogatório, envolvendo-me nos seus braços e beijando o meu ombro discretamente, perguntou:
- Falou-te, minha filha?
E, afastando-me, levantei-me, sem aguentar o mimo e protecção do velho, e olhei-o friamente, sem interesse nenhum por ele. Virei-lhe as costas silenciosamente, pondo as mãos lindas cruzadas sobre o peito. Não iria dizer-lhe tudo, só um pouco, e se me quisesse torturar, aguentaria tudo para proteger a minha amizade com Pedro, não tenho medo de Bruxos velhos e atiradiços!
- Falou-me. – Respondi seriamente.
- O que te disse?
Eu, ainda virada para não ver o meu primo, curioso com a minha atitude muito ousada, encolhi novamente os ombros, e, virei-me para ele, sorri sinceramente, e com os olhos a brilhar, sentei-me numa cadeira ao lado do sofá do primo.
- Oh, foi só uma conversa de mexericos. Do estado em que Portugal está, da terrível varicela que assolou a pobre Patrícia, filha do Tenente Capa Preta da Resistência.
O meu primo olhou de lado com uma expressão de sarcasmo, sorrindo falsamente, rindo-se. Ele não acreditava que entre o caminho um cyborg e uma bruxa estivessem a falar de mexericos.
- De verrdade! …E eu aposto…que te trrouxe parra aqui como amigo daquele tal rapazolas morreno com ar latino que passa as tarrdes nas sextas-feiras a girrandarr atrravés das grrades vê se tu estás porr cá. – Comentou ele num ar triunfal.
Eu olhei para ele com uma expressão vazia, fingindo não conhecer tal história e com olhos querido de menina boazinha, fazendo beiço com os lábios finos e sensuais, pois confesso-te que o Pedro passa todas as sexta-feira a ver se cá estou para irmos com os amigos para o cinema. Mas não é nada demais! E ele já estava a pensar outras coisas, é típico dos bruxos: tão desconfiados e ciumentos!
- Qual rapaz? – Perguntei baixando a cabeça.
Ele aproximou-se intencionalmente, sorrindo com uma expressão de que já tinha descoberto tudo no rosto louro, penteando com os dedos o seu bigode farfalhudo.
- Aquele rapaz, aquele janota mulherrengo infantil de que o Nälden tanto me fala ao passearr pelo Palácio das Reuniões, chama-se Pedrro, senão me engano. Não é assim, liebkind ? – Perguntou ele satisfeito. – Tens um melhor amigo, é?
Aí, comecei a ficar tão vermelha como um tomate nas maçãs do rosto, é verdade que posso dizer-te que não consigo chorar, e por isso digo todos os meus males a Pedro, falar com ele é muito melhor do que dizer tudo aos bruxos, pois eles ficam logo com ciúmes, segundo, ele é tão perspicaz que percebe todos os meus problemas, e consigo entender-me com ele. Por isso é que sou amiga dele!
Não quero que se descubra a nossa amizade, por um lado, sou corajosa, e não tenho medo dos outros Bruxos e das Bruxas dizerem mal de mim, por outro, o meu primo teria um ataque ao saber que sou a melhor amiga de Pedro. É por isso que fiquei assim tão envergonhada pelo primo saber até o nome do meu rapaz…do meu amigo.
Se souberem que sou amiga de um cyborg, a minha reputação vai pelo cano abaixo! Não permitirei que isso aconteça! O meu primo, adivinhando os meus pensamentos, acariciando o meu rosto com o seu dedo gordo e cheio de pústulas com ternura, sorrindo com os seus lábios secos e escondidos atrás do bigode dourado branco.
- Estás com medo de confessarr os teus sentimentos? – Disse, julgando que não era um cyborg, mas sim um bruxo e que eu estaria apaixonada por o tal “rapazolas”. Estava mesmo enganado. O Pedro é só meu amigo. – Será que adivinhei! Olha, minha querrida prrima, se quiserres, posso trratarr disso pessoalmente. E de que classe é o felizarrdo?
Não quis dizer mais nada durante o resto do sermão, que durou aproximadamente quatro horas, adicionando a quantidade de loiça que tive de lavar como castigo para me livrar de ficar em casa, ir à escola, não ter net, mp4, livros, cd’s, playstation durante um mês inteiro! Sim, mas como já sabia o que me iria acontecer se não falasse de todo, decidi ir conversando e dando aos poucos o quanto chateada estava pela Serpente de Fogo pôr em prática todas aquelas leis ridículas, e à medida que dissimulava a conversa entre chefe de família e nova bruxa na família, ele ficou convencido que estava a escutar uma culta, bem comportada e bonita menina. Graças a Deus que consegui manipulá-lo, e não foi nada fácil fazê-lo compreender as minhas razões e provas que aquilo era um governo muito injusto e nada bom para uma filha de Eva crescer e tornar-se numa bela e magnifíca donzela que reinaria com imparcialidade, e seria boa para com tudo e todos.
Isto nas palavras do meu primo, e fazendo uma vénia à senhora, retirei-me para o meu quarto como uma verdadeira dama, subindo elegantemente, abanando subtilmente as ancas para que ele reparasse no meu perfeito rabinho…Mal fechei as portas, fartei-me de me rir – admito que a minha risada sinistra nessa altura, e ao ouvir a minha voz fininha, perguntei se a minha mãe tivesse sido assim tão mázinha…Oh! Tinha o feito o melhor para toda a gente não era? – com a minha própria eloquência, e olhando-me no espelho, cantando triunfalmente, passando a escova sobre o meu longo cabelo ruivo, sorri sadicamente.
Realmente aquela tinha sido uma boa vitória, e se aquela velha tola e patética cheia de plásticas falsa pensasse que aquilo era o fim, estava muito enganada. Ainda mal cheguei cá, e já estou a coleccionar inimigos…Ups! Fiz outra vez os “olhos gelados de malvada”, uma alcunha idiota que os colegas mais invejosos me puseram, mas quero lá saber, afinal, sou uma von Tifon, e não é um rumor eastúpido vindo de cyborgs do fundo que vai afectar a minha dignidade. Principalmente quando eu sou radiosa, linda e perfeita como o sol, e pondo creme para as borbulhas, ao limar as unhas, olhei ao meu reflexo, lançando-lhe um olhar provocador.
- Espelhinho meu. Fiel e querido espelhinho meu! Existe alguém mais mauzinho e venenoso do que eu? – Perguntei numa voz de convencida. – “Ninguém, Vossa Majestade Divina e Bela como a mais brilhante de todas as estrelas!”
Depois de tratar da toillete, pôr sobre a minha delicada pele a camisola de noite quentinha, atirei-me ao puff, abrindo os cobertores, cansada, e refastelada no meu luxo bem merecido, com as mãos bem cuidadas de pianista – É verdade, toco piano, e por acaso muito bem! - estendidas sobre a longa cama, soltando o cabelo lavado de caracóis ruivos ondulados que chegava até à cintura, e ao esboçar um sorriso de orelha em orelha, fechei as pestanas tratadas com máscara de maybeline.
Tinha contribuído para o bem-estar dos jovens atlantes e nem fora preciso quebrar o verniz das minhas lindas e longas unhas verdadeiras.
Dormindo o meu sono de beleza, estava tudo escuro, as luzes dos corredores e de todo o Château tinham-se subitamente apagado com uma rajada de vento do Norte, mas não fiquei arrepiada, e ouvi doze badaladas num acorde estranho tocado por um violino dissimulado, acompanhado por um órgão calmo numa melodia atraente e estrambólica, parecida com a música de uma parada ou de um circo, ou feira-popular. Era o anúncio da meia-noite para toda a Atlântida, na capital de Cyborg Town, o dia mal tinha começado, pois era a altas horas que a elite da polícia secreta e de bruxos vinha para a “cidade da noite” divertir-se. O enorme relógio da Cidade dos Deuses apenas batia a estas horas, e proclamava-se o perigo que poderia haver se oncontrássemos demónios, bruxos, cyborgs, em Guerra Civil…Aquilo era um pouco assustador, mas é normal, já me habituei a ouvir a gargalhada sinistra do Assassino do Amor a anunciar a meia-noite. Como se as ruas de asfalto fossem feitas de fendas onde se podia facilmente cair; onde cada sombra e casa fossem um ouvido do exército de informadores da SPV; como se cada rosto pintado de um fantasma japonês fosse os olhos penetrantes azuis de um bruxo; como se as mãos magras metálicas de um cyborg fossem como a temida espada de um Assassino do Amor; ou como se os meus lábios ou a lígua alemã fosse um veneno tóxico que as bruxas produzem para torturar os prisioneiros que são inimigos do Regime. E é verdade o que digo, pois à noite, a nossa querida capital não é assim tão apelativa e atraente como no dia. Tem aquele aspecto estrambólico e assombroso de uma cidade fantasma típica de um filme de terror.
Nos meus sonhos, terríveis criaturas ameaçavam apanhar-me nas suas horríveis garras, demónios com brilhantes olhos ambiciosos e sedentos de carne feminina, a observar-me na calada das ruas obscuras e sombrias, eu flutuava através dos edifícios e arranha-céus, não sabendo em que direcção estava para ir, mas tinha de confiar no meu instinto, entrentanto, homens predatórios aguardavam pacientemente para que as minhas fantásticas qualidades fossem perdidas para que assim me pudessem agarrar com os seus braços maléficos. Durante cinco minutos, pensei que estivesse a enlouquecer, e, aonde quer que fosse, não seria um sítio simpático. Suava com o calor da noite, e, com as pernas a tremer qual uma gelatina de framboesa, por fim, cheguei ao Anel da Serpente, o palácio da mais bruxa de todas as bruxas da Atlântida, mas porque razão o meu sonho me trouxera para aquele lugar…? Que propósitos negros o meu subsconsciente queria dar por terminados e profetizados…?
[1] para casa, para casa. Vamos, dentro! Ainda estás aí? Para casa, depressa!
[2] Dentro, vamos, imediatamente!