domingo, 19 de abril de 2009

O homem da Espada Negra (parte I)


A Lua resplandecia vitoriosa pelo menos na Estação Manuelina, e os candeeiros brilhavam a bonita calçada de pedra por onde dois homens de idades compreendidas entre os vinte e os vinte e cinco anos faziam a sua ronda nocturna, com ares de superioridade, o mais velho andava com uma pistola branca empunhada na luva de cetim da mesma cor, enquanto que o mais novo tinha um chicote negro embainhado no cinto de prata que mostrava duas ondas douradas na fivela, demonstrando – segundo as minhas perspectivas – que era um sargento. As suas passadas largas eram como trovões atordoares aos ouvidos de qualquer um que os ouvisse, e, se por acaso algum demónio, fada ou cyborg decidisse por brincadeira barrar-lhes o caminho, receberia como calorosa saudação duas chicotadas nas costas.
Estavam à procura de uma nova vítima, e os seus olhares confiantes esperavam encontrar desesperadamente alguém para ser deportado para a Fronteira, ou talvez uma boa batalha contra algum cyborg obstinado. Sim, aqueles arrogantes julgavam-se o terror da noite, e estavam definitivamente convencidos que iriam receber uma medalha mesmo antes do fim do mês. Afinal, eles tinham a missão de encontrar um certo “impuro” em particular, e de o levar imediatamente à presença do próprio Rei dos Bruxos em pessoa, pelo menos fora isso que tinham ouvido da boca do seu grande manda-chuva, o indiscreto e vaidoso capitão-mor italiano Edward Goldtheeth, o “grande” líder da SPV.
Mal eles sabiam que iriam ter a batalha das suas vidas, não contra um cyborg, mas com o cyborg dos Cyborgs!
Um vulto sobrenatural escondia-se perante as sombras das ruas estreitas, deslizando suavemente entre as esquinas e ruas que aqueles incompetentes percorriam, e, de súbito, uma pedra rebolou em frente dos dois bruxos incautos.
O do chicote estremeceu um pouco, sacando cuidadosamente da sua arma.
- Terá sido um fantasma, tenente? – Disse ele assustado.
O suposto tenente virou-se para o sargento e olhou-o com diversão, sorrindo.
- Claro que não, os fantasmas não são assim tão estúpidos. – Respondeu a rir-se.
Mas não achou tanta piada quando uma voz eloquente com um leve sotaque inglês soltou uma gargalhada diabólica:
- Sabes, caro rapaz, creio que o teu camarada está certo.
Os agentes sacaram rapidamente das suas armas, e puseram-se em posição de ataque, como que esperando um terrível furacão, apontando furiosamente o seu ameaçador arsenal contra os candeeiros amarelos.
Mas não havia ninguém, teria sido apenas uma mera partida pregada pelos demónios....?
O sargento deitou o chicote ao chão, um pouco frustrado, depois de ter olhado durante dois minutos para um simples nada, enquanto que o tenente estava com a mão bem firme na pistola, quase para premir o gatilho nervosamente, qual animal selvagem com um instinto que lhe dizia que talvez poderiam estar em apuros.
- Só espero que não seja mais um dos teus truques de magia negra que querias mostrar a Sua Excelência! – Rugiu o tenente na sua voz grossa com sotaque árabe. – Caso contrário, terás de te haver comigo, Sargento Govas.
Govas olhou o outro bruxo com os seus olhos castanhos a brilharem num vazio estúpido e ingénuo.
- Juro que não tenho nada a ver com esta....Este feitiço dos infernos! – Respondeu num tom confuso.
Mal o sargento acabou de falar, a terceira voz interrompeu a conversa dum modo trocista: Para tua
- Devias tratar melhor o Sargento Govas, Almenir. É esse o teu verdadeiro nome, ou se calhar enganei-me quando li a tua Ficha Azul?
O queixo fraco do bruxo português caiu de tal forma que tentou logo apanhar o chicote, virando-se para o seu companheiro árabe, muito atónito, com as mãos a suar, agarrando-se a Almenir como se fosse uma menina.
- Ele tem as nossas Fichas Azuis! – Exclamou cobardemente. – O que fazemos agora?
Por outro lado, o tenente soltou uma risada sarcástica, soltando-se valentemente do seu amigo, e olhando para todos os lados de nariz empinado, fingindo ser uma mulher muito convencida, brincando comicamente com a pistola como se ela fosse um estojo de maquilhagem. Ele nunca seria enganado por uma mera ilusão que a sua cansada mente lhe provocava. Talvez fosse apenas o vento, e, afinal, ele tinha sido condecorado com a honrosa Túlipa Rubi de segunda classe por coragem sobre fogo. Não seria um diabrete qualquer que o iria amedrontar.
Riu-se que nem um perdido, e depois, brincou animadamente com o seu novo e pequeno troféu na sua gabardina.
- Claro, e eu sou a Serpente de Fogo! – Disse, rindo numa voz fininha. – Por Ali, António Govas! É impossível ele (seja quem for) ter os nossos documentos, relatórios e fracassos relatados nos ficheiros mais secretos e bem guardados da SPV!
Passados uns dois minutos depois de ele ter proferido aquelas mesmas palavras, uma faca venenosa vinda do nada, qual grande e rápida flecha, passou de raspão pela gravata preta do tenente, vindo acertar no chicote de Govas, provocando um enorme corte na mão do bruxo menor, que, chocado pela faca ter cortado o cabedal, olhava com desgosto para o anelar separado dos outros dedos, a esguichar sangue pelo granito todo da calçada.
Quem quer que fosse, aquela pessoa não estava com meias medidas para acabar com a tirania da SPV sobre os mais fracos!
A voz soltou uma suave risada sádica que arrepiou os dois agentes.
- Tem sorte por não ter sido a sua cabeça, meu caro Sr. Yillem. – Avisou perversamente a voz invisível. – Mais uns centímetros e a sua carreira como supervisor das deportações dos impuros neste bairro acabava literalmente.
O português debruçou-se às botas do seu superior, tremendo como varas verdes e tentando em vão juntar o seu anelar com o resto da mão direita, com os olhos vermelhos com o sangue humano.
- Acho que ele não está a brincar, Tenente Yillem. – Choramingou Govas.
O bruxo árabe, não satisfeito com o que tinha visto, atirou contra o céu estrelado de Outono, e, cepticamente, olhou para o seu subordinado durante cinco minutos.
Passados mais dois minutos, contemplou silenciosamente o céu com um brilho positivo nos seus olhos escuros, viu o seu relógio de pulso e soltou um audível “Ah!”.
- Vês, António? – Exclamou confiante. – Não há qualquer cyborg ou criatura imunda que me consiga assustar. Quem é que se está a rir agora?
Subitamente, ouviu-se uma gargalhada suave e elegante de um homem que gelou os dois corações de ambos, e, numa rajada de Inverno, surgiu diante dos pobres coitados, trazendo escondido no fumo um homem vestido como um bruxo: enormes garras de sangue; chapéu bicudo púrpura, cobrindo por total os olhos esmeralda por debaixo da máscara de porcelana; alto e esbelto como um acrobata experiente; e capa preta de pele de urso com interior forrado de veludo vermelho, com um cinto negro que prendia um florete embainhado em cristais afiadíssimos e a brincar com três adagas nas mãos habilidosas, com um sorriso escarninho e sem expressão na máscara de porcelana.
Os dois abraçaram-se um ao outro, aterrorizado e paralisados como estátuas para o assassino que lhes tinha caído na rifa.
Passados alguns minutos, gritaram, muito assustados, com todos os pulmões:
- O CONDE JAMES DARK SWORD, O TERROR QUE VIGIA CYBORG TOWN!
E desataram a correrem como se tivessem sete pés, tão pálidos quanto duas larvas de bichos-da-seda, utilizando a energia do vento para tentarem voar daquele sítio o mais rápido que pudessem com os seus tridentes. Mas, infelizmente para aqueles dois, a pontaria de Dark Sword com as suas adagas era suficientemente boa.
Ele sorriu, segurando com destreza a capa de forma que tapasse o rosto e só se visse os seus dois olhos a brilhar de tão convencido que era.
- Parece que a minha reputação persegue-me. – Comentou a voz. – Tal e qual como as adagas da justiça que serão cravadas nos peitos da corrupção e da tirania!
Não podia falhar, os seus olhos esmeralda penetrantes concentraram-se mecanicamente no seu alvo com o barulhinho dos seus bits de disco rígido a funcionarem em conjunto com o seu cérebro, um terço de minuto para calcular a direcção, outro terço para a distância, e outro para ser lançado.
O complexo processamento fez o seu frio trabalho, ordenando à mão de metal esquerda para atirar a adaga para acertar exactamente em cheio no calcanhar direito do tenente quebrando um osso vital do pé! Isto deixou-o letalmente ferido e sentindo um ardor como nunca tinha sentido antes, tropeçou numa pedra demasiado rígida para as suas botas aguentarem e caiu estatelado no chão qual um velho cavalo com uma perna partida. Enquanto isso, o seu companheiro já estava a voar no seu tridente, muitos km’s de distância daquele lugar horrível.
O misterioso justiceiro ao chegar ao pé do miserável, observando que o último se esperneava e contorcia de agonia do seu pé direito, soltou uma risada sádica, beijando docemente a sua adaga.
- O pé direito entrou em acção, não foi, meu caro Almenir? – Exclamou num tom sarcástico.
Mas logo mudou para um tom ameaçador e frio quando, ao estalar os dedos, a garganta do coitado começou a fechar-se, como se estivessem a esganá-lo fortemente, pondo-o entre a vida e a morte! O implacável conde levitou-o com a força da sua mente, e sorriu de forma trocista, olhando com aqueles olhos arrepiantes verdes.
- Promete que nunca mais, mas nunca mais, voltas a procurar o “eleito leitor”! – Disse ele em voz alta e de homem. – A partir desta noite, nada de SPV; vais esquecer-te que trabalhas para eles...!
Estranhamente, o oficial da polícia secreta acenou com a cabeça lentamente, muito fraco e indefeso, como um cachorro obediente. Os seus olhos castanhos tomaram uma coloração meio esverdeada, e a sua boca aberta qual um peixe morto, deitava um pouco de baba no chão, a flutuar, parecia que estava no meio dum...transe. Que espécie de nova magia seria aquela...?
- Sim...Nunca mais vou trabalhar para eles... – Respondeu, meio sonolento.
O meio bruxo, meio cyborg repetiu o gesto, desta vez com o dedo direito, e, ao fazê-lo, o agente caiu redondo no chão, sem uma única cicatriz, como se não tivesse acontecido absolutamente nada naquela estranha noite. Já tinha ouvido falar do hipnotismo, pois estava a estudá-lo nessa altura para o liceu no PR, mas nunca pensei que houvessem feiticeiros que conseguissem executar um feitiço de hipnose e manipulação completamente sem a ajuda de um objecto ou arma que contenha energia mágica.
O perverso conde pôs, com a ajuda das suas mãos e da sua magia negra, o SPV hipnotizado a andar, rindo-se com a mão direita a indicar para a Estação Manuelina, sorrindo de uma forma trocista como conseguira livrar-se facilmente daqueles dois empecilhos.
- Lindo menino, agora....Vai comprar imediatamente um bilhete para o próximo avião que sair da Atlântida para o Iraque. – Continuou o conde na sua voz fria. – Quando ouvires a palavra “guerra”, já estarás muito longe da tua querida víbora, e será demasiado tarde para escapares à morte certa no teu país natal!
Almenir obedeceu cegamente às ordens que Dark Sword lhe tinha dado, e, num segundo, já tinha pegado no seu tridente, pregado a fundo no primeiro bico do seu utensílio gigante de cozinha qual uma vassoura, e indo a voar até à Estação Manuelina.