domingo, 20 de abril de 2008

Relógios e Pegadas do meu Padrasto (Parte II de II)

Subitamente, apanhei um cheiro esquisito e doce para além do fortíssimo perfume. Uma fragrância magnifíca que me fazia lembrar a romântica canção “Papoila de Verão”.
Brevemente, sentia já a elevar-me inconsciente até a um paraíso de papoilas e de hortelã-pimenta, de cores turvas e tranquilidade...Sem saber o que estava a fazer, fechei-me num coche amarelo feito das pétalas daquela planta maravilhosa.
Queria ficar ali, a flutuar suavemente sob aquele mar de folhas de hortelã-pimenta, para sempre, naquele delicioso sonho vegetal.
Depois, surgiu um homem de aspecto deveras sinistro, um atlético bruxo alto cujo rosto e voz ouvia-se à distância, como um eco suave e lento:
- Fräulein Jessica...Presumo...
Acenei a cabeça, como que encantada e silenciosa.
- Óptimo, agora: fará tudo o que eu mandar. – Continuou a voz. – Quando ouvir a palavra “noite”, irá ter imediatamente ao Castelo Negro sem falta, depois da meia-noite, quero vê-la com os meus próprios olhos.
Uma das pétalas amarelas caiu precisamente sobre o meu cabelo encaracolado, como se quisesse acarinhar-me. Em poucos minutos, as pétalas despiram todo o que tinha, e assim que o fizeram, uma ondulante brisa fresca beijou-me nos cabelos.
Quase automática, coloquei os meus lábios sob o ventinho escapatório, e tentei retribuir-lhe o lindo favor.
Aqueles momentos de ilusão e prazer não demoraram muito, pois, de repente, surgiu uma inundação que levou como por magia tudo por que passava.
Passei os lábios pelo sumo de pó amarelo e doce, e um calafrio passou pela minha cabeça...Tinha sido drogada...!
Quando abri por fim os olhos, parecia que uma manada de elefantes tinha-me pisado, todos de uma só vez!
Felizmente, estava nos jardins do castelo, deitada, e as obras-mestras tapavam as minhas partes interessantes.
Ao meu lado estava o Tenente Nälden, muito preocupado com o meu estado de saúde, e sempre que podia, fazia respiração boca a boca para retirar o veneno do meu corpo.
Claro, eu não acreditei naquele ar extremamente assustado e o suor a escapar-lhe da cara rosada.
A sua voz assemelhava-se muito à que tinha ouvido durante o transe, e, afinal, o carro era dele. Olhei-o com uma frigidez incriminatório, e, se pudesse, dava-lhe um par de bofetadas ali mesmo!
Tinha provas suficientes para provar que ele me tinha fechado no “Tanquezinho” e me levado tudo o que era meu, incluindo as cuecas e aquele papelinho.
As primeiras palavras soaram como um rugido rouco e dorido, qual leoa doente:
- Seu nazi merdoso e hipócrita! You work for my Stepfather, do you? It was he that ordered you to put that piece of shit in your fucking car, didn’t he?!
Nälden, com um olhar confuso tentou dar-me uma palmadinha nas costas, como se dissesse que não tinha feito absolutamente nada.
- Que raio está a dizer, senhorita Jessica? – Exclamou ele. – Sente-se bem?
Eu continuei a espernear como uma louca, gritando mais uns quantos palavrões, e a dizer tantas maldições que nem me lembro.
Acho, por que Nälden me disse, falei em Inglês e pronunciei palavras indescritíveis como “impossible” ou mesmo “fucking traitor”, e até “evil nazi pufter”.
Com uma chávena de chá e uma muda, lá me acalmei, e ele me explicou a razão de eu ter adormecido.
Disse que o seu irmão gémeo trabalhava com drogas e era cirurgião chefe. A príncipio não acreditei, mas, pela sua cara de desapontado e a abanar a cabeça, vi que estava um bocado irritado com o meu comportamento. A morada tinha a ver com uma encomenda da lavandaria para que ele tinha de buscar hoje mesmo àquela hora uma roupa que estava na loja.
Como me senti culpada nessa altura por ter sido tão melindrosa e não levar a bem a fidelidade do meu amigo. Nem tinha a coragem para dizer uma única palavra, com medo que ele desse um sermão, mas aquele olhar fulminante foi o suficiente para eu perceber como tinha errado no meu julgamento em relação ao carácter de Nälden.
Só lhe queria pedir muitas desculpas por ter suspeitado de alguma coisa, mas ele apenas disse com um ar afável, mas aborrecido:
- O que mais me fere, Fräulein Jessica, não foram as suas palavras, mas sim a sua alma.
Como lhe poderia compensar...?
Haveria uma forma de reconquistar a amizade de um velho amigo, que para além de leal, foi sempre compreensível e simpático comigo?
Mais um crime para a minha lista de pecados, e aí, olhei-o com um simples brilho de contrição nos olhos, como se estivesse a dizer “por favor, perdoa-me”.
Rapidamente, um sorriso apareceu no seu rosto, e disse a levantar-me e a estender a sua misericordiosa mão:
- Que tal ir comigo levar a roupa lavadinha do meu mano, está bem?
De bom grado aceitei, e foi com uma grande lição na mente que a minha consciência foi totalmente limpa.
É uma excelente pessoa, com um nível de ética e honra fantástico! Um homem firme, mas bastante agradável e que ajuda aquele que precisa. Tem um sentido do que é o Bem e o Mal inacreditáveis. Nunca mais vou troçar dele. A príncipio quis dizer que eu tinha uma marca estranha na minha cara – um botão de tulipa amarela tatuada na minha bochecha esquerda – mas depois não falou mais do assunto
É demasiado bom para lhe porem defeitos, e apesar de ter uns quantos parafusos a menos, nunca conheci um bruxo tão generoso e prazenteiro como ele.
Lembra-me o meu avô e as suas maluqueiras. Um homem elegante, mas sempre masculino, de bom coração e sempre cuidadoso com a dor dos outros.
Fica sempre indignado com os horrores da Guerra Civil e discute muitas vezes com o primo porque razão esta guerra “ridícula” tem de continuar.
Amigo da boa música e da limpeza, gosta muito do perfeito e desconsidera o mau e o repugnante.