terça-feira, 1 de julho de 2008

A Festa do "General B" (Parte V)


A noite já ia longa, e quando os fogos fátuos dos ponteiros do gigante relógio de pêndulo de dez metros de altura soaram as horas, todos estavam muito cansados, soltando gargalhadas de satisfação e exaustão, respirando ofegantemente com as roupas todas tiradas, muito felizes por terem caído na esparrela de irem ao melhor sítio de toda a Atlântida festejar o Dia das Magias Negras.
Nesse preciso momento, fosse lá quem fosse, o bizarro anfitrião chegou mais uma vez ao palco para apresentar uma música final que fechasse em grande essa gala.
Quando ele subiu ao palco, todos bateram palmas e assobiaram contentes, alguns talvez bêbados daquela festa de arromba.
Com uma compostura e frieza impressionante, o obscuro homem fez com um requinte inigualável um sinal com as mãos para que todos os convidados sossegassem.
E, ajeitando com delicadeza a camisola de lã negra, comentou num sorriso hipócrita:
- Meine Dämen und Herren, damas e cavalheiros: é quase meia-noite, assim sendo, estão a apenas uma hora e quarenta e sete minutos de perderem os vossos copos de champanhe que eu tão generosamente vos ofereci no início deste agradável serão...!
Mas, como muito bem disse uma vez um inglês: “Isto não é o princípio do Fim, é apenas o fim do príncipio!”
Várias gargalhadas percorreram pelo salão refinadamente decorado da maior parte de serviços, que ecoaram por todas as paredes.
Mal o dedo indicador do anfitrião “mistério” se ergueu, o silêncio pairou outra vez naquela sala, assim, o “General B mascarado” pode continuar o seu discurso:
- Em primeiro lugar, gostaria de agradecer em nome da nossa querida rainha, que autorizou que este maravilhosa...como direi...? Pérola da minha mente se tornasse realidade, e em segundo....
Subitamente, um estranho barulhinho vibrador ecoou pelas paredes da sala onde estávamos reunidos.
Quanto mais o tempo avançava, mais aquele som de nada ia-se tornando mais insuportável e distinguível, um toque polifónico da famosíssima 5ª Sinfonia de Beethoven era o nome dessa música.
Meio embaraçado, mas mantendo a compostura calma sólida de soldado, ele tossiu levemente, e apalpava com extrema cautela os bolsos, como se procurasse alguma coisa.
A maior parte das pessoas tentava em vão conter os risos perante uma cena tão ridícula e humilhante. Até eu não resistir em dar umas quantas gargalhadas à custa daquele quem toda a gente tinha alguns pesadelos pessoais. O General B é uma das figuras mais obscuras e temidas de toda a Atlântida, por isso é que a maioria desatava a rir-se naquele momento.
De todas as partes da festa, esta estava a ser, sem sombra de dúvida, a mais divertida de todas. Até podia imaginar que era o meu padrasto em lugar do General B a ter problemas na oratória.
Passados alguns segundos, já o nosso amado anfitrião estava a atender o seu telemóvel preto 3g da Motorola.
Com um ar natural, e rindo-se da sua própria figura, a olhar para cima como se imaginasse uma desculpa e com a ponta da bota direita a rodar no sentido dos ponteiros do relógio de forma indiscreta, juntou as mãos magras cobertas pelas luvas à cintura.
- Não é uma coincidência, damas e cavalheiros! – Improvisou num tom falso. – Esqueci-me completamente de desligar o telemóvel precisamente antes da gala. Um errozinho técnico compreensível, é claro. Eine moment, Dämen und Herren, esperem só um momento, que eu volto já.
Acenando para a Serpente de Fogo, ele acrescentou:
- Entretanto, fiquem com a deliciosa; a glamourosa; a elegantíssima; a talentosa; sensual; (Já para não falar que ela é uma brasa) a nossa rainha preferida, que nos honra com a sua presença, aliás, acrescento, com a sua divinal presença. Ela será a futura Frau Von Tifon, o como e o porquê será revelado no Baile de Natal do PR. Meus senhores e minhas senhoras: uma salva de palmas para Sua Majestade, a Rainha da Atlântida a cantar "Adeus, meu amor" da Deusa do Caos, Eris.
Sua Divindade ia entrar na sua gloriosa apoteose, andando elegantemente até ao palco improvisado para se cantar, até que...Caiu a última gota!
Ou melhor dizendo, o salto-alto da Serpente de Fogo era tão alto que partiu-se, e a nossa infeliz rainha desceu literalmente do seu pedestal. Melhor, torceu o pé, causando um enorme escândalo, não só diante de todos os convidados, como também diante dos milhões de seres mágicos na Atlântida que a viam através do Canal Nacional, o único canal oficial e legal atlante, já que todos os outros, ou são estrangeiros, ou são por cabo, ou são ilegais e clandestinos, transmitidos pelos Cyborgs. Sua Majestade bem tentava levantar-se, mas era em vão aqueles esforços, carregados de raiva incontida e ataques de histerismo inacreditáveis. Barraca do ano, se fosse a ela eu já estaria no cantinho mais fundo dos buraquinhos. Cinco dos seus homens brutos, logo que ouviram os gritos mimados e inconfundíveis da sua rainha, correram a socorrê-la, muito preocupados, mas com um sorriso sádico nas caras, com as armas empunhadas nas mãos quais nazis empenhados a matar judeus, a pensar se não tinha havido uma tentativa de atentado contra a vida da nossa amada rainha por parte dos Cyborgs. Abrindo as portas de rompante, gritaram em conjunto:
- ALTO LÁ! Vossa Majestade, que se passa?
A mulher odiosa, a chorar lágrimas de crocodilo por todos os cantos e a gesticular-se no chão como uma criança de seis aninhos, a bater com as unhas no mármore do chão, só respondia:
- SEUS IDIOTAS! Não vêem que estou a sofrer a sério?! Estúpidos, vão CHAMAR a ambulância antes que eu vos estrangule esses PESCOÇOS MALDITOS!
O primo nem podia acreditar no que lhe estava a acontecer, e abanava várias vezes a cabeça, tentando não olhar para a enorme peixarada que a sua amada estava a fazer, numa noite tão solene e importante como aquela.
Ele não queria perder a cabeça, oh! Como eu o entendo. Deve ser difícil ter um equivalente feminino do Hitler como companheira de cama... Estou a ser muito mazinha, e na verdade, para além do General B, eu era a única que esboçava um sorriso calmo, obviamente satisfeita por ver a minha pior inimiga a ser humilhada diante de milhões de pessoas. Contudo, havia uma grande diferença entre mim e aquele homem. À medida que a via a sofrer cada vez mais, o meu sorriso deu lugar a um olhar de dó e pena, enquanto que o frio bruxo continuava a esboçar aquele sorriso, aquele sorriso tão cínico, por detrás de tudo e todos, como se estivesse no bastidores. Intuitivamente, consegui ler-lhe os pensamentos.
Comparado com desastre do telemóvel, aquilo era uma calamidade!
Lentamente, afastou-se da sala, e, silenciosamente qual um animal predador que já conseguiu obter a sua presa, sem que ninguém desse por isso, evaporou-se, tal e qual como fumo...!