domingo, 8 de junho de 2008

A Festa do "General B" (Parte III)


Após todos ficarem à vontade – o que não durou muito – o “General B” (ou quem quer que fosse) começou a fazer as honras de nos apresentar as criadas e oficiais encarregados de nos “servir” como ele disse.
- Agora, uma grande dose de gargalhadas e para os homens e para as meninas más cá do Departamento de Segurança! – Anunciou num convidativo.
Pelas portas da esquerda, saíram cinco raparigas cyborgs e dez rapazes da classe dos Bruxos. Elas vinham da mesma forma que a que nos tinha recebido e acompanhado até à sala de espera, e absolutamente todas tinham (apesar das suas diferenças de nacionalidades e culturais) na coxa direita uma estrela negra com as iniciais do seu excêntrico “senhor”.
Os bruxos mais importantes dentro do departamento do General B vestiam todos o uniforme oficial da SPV, com blusão vermelho de cabedal e ombros pintados de preto, com um distintivo e botas militares com calças de jeans amarelos-escuros. Admito que o estilista que tinha desenhado aqueles uniformes não tinha lá muito bom gosto.
Tanto os bruxos como as Cyborgs tinham as caras pintadas conforme a sua classe para não se verem os seus traços faciais verdadeiros.
Aquela noite de gala era o Carnaval de Veneza ou quê? Nessa altura, fiquei ciente duma coisa que não tinha reparado: toda a gente estava vestido duma maneira estrambólica e quase cómica. E todos ou usavam máscara, ou tinham a cara pintada para não os reconhecerem na televisão. Era uma sensação completamente assustadora, aquelas mil caras de papel e tinta estarem a olhar para mim, e só nessa altura, vi que a nossa classe leva mesmo a sério a tradição do Dia das Magias Negras de pintarem as caras com as mais variadas cores ou se mascararem com a mais estranha e divertida carantonha possível. Assim, espantei-me de ver por detrás dum bruxo nazi morto-vivo o Pedro a sorrir com um ar galante. Como raio ele tinha entrado aqui?!
Não importava, o que interessava realmente era que podia dançar com ele...Se ao menos me reconhecesse por detrás da fantasia de Eris!
Tentei chamá-lo pelo seu nome várias vezes, mas o som ensurdecedor dos altifalantes e da voz horrível de cana rachada do General B abafava os meus gritos vãos, e, assim, empurrada pela multidão de caretas, saltimbancos e outras coisas fantásticas, perdi-o naquele mar de luxúria e inúmeras loucuras.....Para ser empurrada precisamente para o palco onde o nosso honrado anfitrião iria apresentar a primeira canção da noite.
Depois de terem soado o rufo das caixas de rufo da orquestra composta por Fadas, o General B sorriu para todos os convidados, com um ar de estar a se divertir muito.
Deu um valente sopro do seu cigarro elegantemente, e, olhando-os, falou num tom insinuo:
- Meine Dämen und Herren, minhas senhoras e meus senhores: chega a altura de cada ano nesta véspera em que se tem de retomar a antiga tradição de sacrificar a nossa formosa Eris para as chamas da paixão do louco amor.....Para mais uma vez, comermos a sua carne e derrotarmos o terrível espectro de Samiel, o grande Rei dos Bruxos, para assim, termos um “ano bruxal” cheio de paz e boa energia a rodear as nossas casas.
«Assim sendo, quem será a corajosa e jovem donzela que se atreve a “despir o seu corpo” diante de toda a Atlântida e ser consumida pelas chamas simbólicas do prazer da música?»
Olhou para todas as mulheres presentes naquela sala, mas nenhuma teve a ousadia de subir as escadas para vir cantar o trágico dueto entre Samiel – o General B em pessoa ia fazer do Assassino do Amor – e entre Eris – uma bruxa qualquer, em que, no final da canção, ambos tiram as máscaras discretamente sem que os outros convidados vejam e beijam-se num longo e delicioso beijo enquanto esta desfalece nos braços do Rei dos Bruxos, “queimada” pela ardente paixão do amor. Esta tradição atlante simboliza a entrada dum novo círculo anual de boa sorte e paz.
Seguiu-se um arrepiante silêncio de cortar à faca, e, automaticamente, todos se voltaram para ver uma rapariga tímida de dezassete anos a tentar escapar ao fatal destino.
Até que, os olhos cinzentos-azulados do General B fixaram os meus, e, nesse momento, a sua voz de xarroco e estranha, soo-me nos ouvidos como um lúgubre sino a anunciar a minha condenação:
- A menina Jessica quer dançar?
Para o meu espanto, escutei a minha própria voz a responder, naturalmente, enquanto pegava na mão ossuda coberta pela luva negra do misterioso oficial:
- Pois não, meu senhor.
Quando a música começou, eu e o “General B” dançámos ao som dum invulgar dueto entre um demónio e bela mulher ruiva, a mais trágica e sinistra de todas as trovi que se possa imaginar!
A sua letra, chegada oralmente até aos nossos dias, é dançada mais ou menos assim:



Livre, sempre livre, nos areais
Andava uma velida garça dourada
Ao cair noite mostrava a sua plumagem
E todos os caçadores ficavam enfeitiçados por tal miragem

Ò velida garça dourada!

Era uma bela criatura alada
Sempre livre, a passear pelas margens do Bênção,
Ave louvada, onde estará o caçador que te irar ferir...?

Ò velida garça dourada

O meu sentinela ei!
Está a me depenar
A depenar-me para em alva
Nas suas brasas de amor me assar

Ò meu corpo fremoso,
É tão mimoso...

Era uma velida e fremosa alminha perdida
Agora já não tens penas para te guardar
Ò pobre e consumida garça dourada...


A princípio, a linguagem é um pouco complicada de compreender, mas depois, percebe-se logo quem é o caçador e a garça.
Este diálogo entre um grupo de caçadores e uma garça lendária de penas de ouro faz referência à antiga fábula da “Garça Dourada”, uma garça muito vaidosa, que ao ser cortejada por um caçador astuto, acredita que vai se deitar com este, quando ele vai na verdade, comê-la. Samiel, com a sua língua viperina, adorava este conto cómico e escarnecido, e aproveitou a fábula para escrever este pequeno poema cantado quase tão famoso na Atlântida quanto o “Parabéns a Você”.
O astuto caçador era Samiel, que se sentia satisfeito por ter matado Eris, ou melhor, a “depenado”.

Nos braços fortes do General B, senti o calor que me vinha à cabeça , e o porquê de que se diz que quando um bruxo e uma bruxa se tocam, o calor dos seus corpos é mais abrasador que uma fornalha a mil graus centígrados. Tal como nós – os Bruxos – somos muito fortes no campo de batalha, o sexo e o amor é, para nós, uma coisa sagrada. Havia algo naquele homem de inquietante, «…este homem tem o poder de se tornar muito perigoso…» pensei cá para os meus botões. Ao encostar-me ao tronco forte coberto pelo casaco preto do general, quase que estremeci, que feiticeiro poderoso, e, à medida que os nossos corpos dançavam ao som dum estranho tango com oboés oscilantes e acordeões e violinos sensuais, quase que poderia jurar que estava presa por fios, os quais só o general poderia controlar!... O meu peito espevitou-se de repente, e, em instantes, já não me interessavam os outros convidados, que igualmente dançavam ao som da música tentadora e voluptuosa. Estava num estado de êxtase tal, que até corei, de tão perto que o meu corpo estava entrelaçado ao do feiticeiro mais velho. Quem me dera saber o que é que estava por detrás da máscara de porcelana preta que o enigmático General B usava…