sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Yüian, a descendente de Cictlali a Sexta


Foi engraçado. A Yüian gostava imenso de mim enquanto um irmão mais velho e um homem que a ajudava na aprendizagem de andar a cavalo. Ela nunca andara de cavalo. E eu! Eu! Eu estava ansioso para mostrar-lhe o quão divertido era sentir o vento a roçar a cara. 

Ela correu num casaco de pele de búfalo, escuro. Os brincos de pena de 
quetzal estavam abafados pela massa de cabelos negros que lhe caía até a uma cintura, infantil.     

- Jovem Senhor! - Ela arfou, o cachecol de alpaca com o padrão Aosbeltzi nortenho escuro, de um azul quase índigo. O escorpião negro estilizado no padrão do cachecol contrastava com o casaco de peles velho e as botas de neve de pele de urso.   

Embora já estivéssemos nos meados de Março a neve caía, suavemente pelas árvores. 

Sorri, um pouco envergonhado.  Estendi a mão que segurava o casaco de pele de lobo Nortenho. Eu encomendara o casaco num impulso. Isto era uma loucura! Eu faço sempre as coisas com um plano, premeditadas. Não sou um homem de emoções. No entanto, o rapaz louro de cabelo apanhado num puxo estava a oferecer três camadas de 
kimono com um casaco de pele à menina de treze anos.  

- Pensei que não podías apreciar o passeio sem um casaco de peles. Ainda está frio. 
 
- Senhor Von Tifon! Não era preciso! - Disse ela, no seu Onisamatzeka pouco fluente, as maçãs morenas, quase acastanhadas, a corarem num tom vermelho, como se tratassem de morangos.    
 
- Yüian...- Soltei uma risada maliciosa. Tentei disfarçar a preocupação e o ciúme. - Porque é que eu não iria ficar preocupado contigo?  Podem aparecer todo o tipo de criaturas por aí. 

- Nenhum 
yaojing iria conseguir aproximar-se de mim. - Ela disse convicta. Revelou um pequeno arco com tamanho suficiente para que ela conseguisse segurar.    - Ainda sou uma descendente do Clã do Escorpião Negro.   
  
De seguida, apeou-se no cavalo e olhou para mim com um ar convidativo.  

Subi para cima do meu cavalo.   

"Tanta confiança para uma menina tão inexperiente!" Pensei ouvir na minha cabeça. 

- Yüian...Já alguma vez ouviste falar dos Sussurros Di Euncätzio? 

O rosto sorridente da rapariga de treze anos tornou-se sério 

- O suficiente para saber que é uma "doença" sem cura.  A minha irmãzinha tem o mesmo problema, ela começou a ter sonhos há uns meses atrás.  

- Há uns meses?!   

De um momento para o outro, a ideia que o novo Clã do Escorpião Negro descendía do...Que aquele maldito clã descendía do Kato Ryuketsu não parecía ser tão ridícula! De repente, um nó estava a prender-me a garganta. Se aquela rapariguinha era uma Cy-bata - e uma descendente do traidor do Ryuketsu - ela seria muito mais forte assim que atingisse a maioridade.  A ideia de ter de enfrentar uma 
feiticeira com o sangue de Kato Ryuketsu fez com que eu ficasse a tremer!  Não me agradava nada ter de lidar com alguém como Miyaku, ou a Misato. 

- Meu senhor?!  Não se preocupe...Eu não herdei aquela doença, ou pelo menos, eu nunca ouvi uma voz ou um coro de vozes!   

- Que tipo de inferno isso seria se tu conseguisses sentir as forças dos nossos antepassados. Isso significaria que tu tinhas um pouco das 
almas deles! 

- Oh! Isso---! Isso é horrível!   

- Eu ainda não atingi a maioridade humana, Yüian. Mas posso dizer-te : a tua irmã será uma mais-valia para a tua aldeia. É como a velha canção do Kato Hibiki "que serve ter uma cor diferente de um exosqueleto, meu Senhor? Um filho de Aschkazhak'rat continua a ser um filho de Aschkazhak'rat."  

Eu sentia-me obrigado a contar a imensa quantidade de energia que o sangue Di Euncätzio poderia dar a um Cy-bata, quanto mais a uma descendente do Kato Ryuketsu. Quanto mais olhava para aqueles olhinhos verdes e as sobrancelhas arqueadas numa expressão de alarme, mais forte se tornava o desejo de proteger, de ensinar a menina. 

 - Como assim? - Perguntou com um ar esperançoso.  

- Eu podía contar-te como Kato Hibiki conseguiu dominar os Sussurros.  Mas é mais divertido passar pelo lugar!   

- Ah...Isso não é um pouco perigoso?   - Ela estremeceu um pouco. 

Eu sabía o porquê. O Kato Hibiki, ao tentar livrar-se dos Sussurros Di Euncätzio, criou uma enorme fenda na terra onde o mar se encontrava com uma falésia, a vinte quilómetros leste do meu castelo. Muitos dos habitantes de Shunamari que passavam por aquela falésia em férias ou numa viagem de negócios diziam-se tontos.  Ao descansarem perto da falésia, eles começavam a ter pesadelos.   

Todas as noites, eu sonhava com o dia em que poderia trazer o meu Pai até à falésia. O mar iria engoli-lo, e aí, todas as minhas ânsias, todos os medos seriam varridos, como as vagas varrem a costa, implacáveis.  Mas eu não iria contar isto à pobre Yüian. Ela não precisava de saber acerca disso. 

Sorrateiramente, fiz com que os cavalos partissem na direcção da falésia. Não porque tivesse intenções de matar aquela alminha inocente! Não; a morte à beira da falésia, aquela queda trágica estava reservada para o velho.  Eu; eu...Eu gostava de observar a falésia.  Não há outra maneira de o descrever. Eu sentía-me fascinado.  

Yüian começou a assobiar, para distrair-se do barulho, da chiadeira infernal que algumas janelas fazíam quando o vento gélido passava por elas! Abriam-se e fechavam-se! Abriam-se e fechavam-se, com um chicotear feroz. 

- Não gastes a tua voz... Ainda está frio. 

- Desculpa. Nunca pensei que Vossa Alteza era dono e senhor da minha pessoa! - Respondeu a Yüian num tom de desafio.