quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O passeio com a flor de macieira


Verão de 1915
Era a terceira vez que ela estava com ele, e Kazuhiro não se decidia em dizê-lo. Gostava muito daquela rapariga humana com antepassados da família von Zaubermann. Os Von Zaubermann eram uma das famílias Alemãs mais influentes da Bellanária. Eram fidalgos, mas fidalgos a sério, com coroa e tudo! A rapariga entrara suavemente no carro dele e o jovem ficou desde logo excitado. No entanto, o seu semblante calmo não o traiu. Era uma situação já de si um pouco embaraçosa: um homem mais velho, uma jovem donzela de dezassete anos, Austríaca, com cabelos cor de trigo e uns lindos olhos cor de avelã. Ele sentiu que ela também estava nervosa, e por isso não deixou de pôr a mão na mão dela:
- Sente-se bem, Fräulein Gretel? - Perguntou, num tom delicado e gentil. - Se quiser, posso levá-la de volta até ao baronato da sua família...
- N-n-não, eu estou bem. - A jovem corou, muito vermelha, enquanto que se habituava ao calor que emanava da mão suave e carinhosa do bruxo. - É só que é a primeira vez que tenho um encontro a sério com um homem, e ainda por cima mais velho que eu...
- Não se preocupe, é a menina que decide para onde vamos. - Disse ele com um grande sorriso, ao deixar que o carro de luxo começasse a trabalhar. - Qual é o sítio que menos conhece na Bellanária?
Gretel estava só de passagem naquele Verão. Mesmo assim, queria aproveitar para conhecer melhor os sítios mais bonitos da pátria do seu pai, que era irmão do Barão Konrad Engelbert Ichirou Von Zaubermann, filho de um Ishikawa (outra família - para além da família Murakami - muito importante de feiticeiros Japoneses). Todo o exotismo daquela ilha enorme no Atlântico fascinava-a. Sentia-se sobretudo encantada pelas paisagens verdes da Floresta de Cristal.
O filho do Duque tinha-a ido buscar na fronteira da terra de Merlonogrado com o mar, no porto onde costumavam atracar muitos navios Russos.
E qual não foi o seu espanto quando se sentou à beira de Kazuhiro naquela limusina verde-escura, que tinha uma capota de pele bem resistente cor bege que combinava muito bem com o fato ocidental verde cor de cinza que o jovem bruxo usava naquela altura. Conseguiu sentir bem de perto a água de colónia dele. Ser-se filho de um dos homens mais poderosos do Império das Ilhas Bellantes - já para não falar do Duque ser um valente militar no Japão - tivesse um pouco a ver com o estilo refinado de Kazuhiro. Ela, uma filha de um homem que tinha desistido do seu título nobre para casar com uma viúva de um compositor Vienense, jamais poderia ser considerada como uma dama da alta sociedade Bellante! O que é que ele via nela?
Repentinamente, ela sentiu uma vez mais a mão enluvada do bruxo a tocar-lhe levemente na mão.
- Está a tremer, Fräulein Gretel...o que é que se passa? - A voz melíflua e cortês de Kazuhiro sussurrou no seu Alemão com um leve sotaque Japonês, que era tão agradável para os ouvidos de Gretel como uma poesia ao pequeno-almoço, numa manhã quente de Verão.
- Eu...eu acho que sentir-me-ia muito melhor se fôssemos para a floresta.
Kazuhiro, enquanto conduzia em direcção ao sul, começou a assobiar num tom doce e quase de brincadeira, uma canção Bellante, uma melodia que tinha não só um certo encanto semelhante ao dourado sedoso do pêssego, como a beleza de um violino. Os olhos de Gretel olhavam sonhadoramente para as altas e majestosas árvores do país.
Em breve, a jovem descobriu que Kazuhiro era tão falador quanto dizia que era. Contou-lhe sobre a vila de Itshaki, que ficava a uns poucos quilómetros da fronteira do ducado. Era uma vila que ficava perto do monte Yamakutlatectli, por onde nascia o Rio Gulmin, dando um ar fresco e silencioso à estrada acidentada, desenhada como se fosse uma interminável de espirais entre as colinas da fronteira do ducado. Ali, só se escutava o cantar suave dos pássaros e o vento a murmurar por entre as ervas altas dos campos. As cerejeiras ainda estavam em flor, dando ao horizonte uma tonalidade cor de rosa, mesmo que ainda fosse meio-dia. A vila era mesmo no fundo do vale, atravessando o rio como se fosse uma cidade flutuante. Ao longe, Gretel avistou um pagode Budista que devia ter centenas de anos! Era uma torre que apesar de ser velha, ainda se mantinha de pé. O rio murmurava uma antiga canção de um idioma desconhecido e exótico aos ouvidos da jovem rapariga Austríaca, e, quando Kazuhiro parou o carro, ela reparou que este não se atreveu a passar pela ponte de madeira para Itshaki.
- É uma ponte muito antiga, e o rio aqui é forte. - Ajudou-a a sair do carro com uma mão, enquanto que pegava na espada embainhada e a punha de novo a tiracolo na cintura. - Tem a certeza que fica bem com esses botins? O caminho até ao monte ainda é um pouco acidentado, não é?
Kazuhiro era um homem muito amável, mas ele estava sempre a fazer perguntas. Fazia com que ela se perguntasse a si própria se ele tivesse sido mesmo educado numa cidade Alemã. Porém, o certo é que ao ver o quão alto o monte era, Gretel ficou um pouco amedrontada com a sua saia longa e comprida.
Ele começou a tirar o fato e de um momento para o outro, já estava com uma túnica da mesma cor verde-escura e húmida, mas que o fazia mais masculino. Só aí é que ela reparou que ele estava a usar umas sandálias de madeira.
Esboçou um leve sorriso enquanto lhe dava a mão. Disse que este sítio era o preferido dele quando era um rapaz.
- O meu pai levava-me para aqui quando queria que treinássemos a sós. Isto em pleno Inverno, consegue imaginar o monte todo coberto de neve?
- Como nas montanhas em Viena? Sim. - Respondeu a jovem de longos cabelos louros, ao ajeitar o longo vestido cor de cereja.
Ao ouvir o nome da cidade de onde Gretel era, o jovem bruxo ficou um pouco surpreso.
- É de Viena? Que coincidência... Eu gostaria muito de ir até lá! Deve ser uma cidade lindíssima...
Ela sorriu meigamente, tão doce quanto uma amora acabada de apanhar. Não sabía o que havia de dizer. O sotaque crioulo daquele jovem homem era como um acorde desconhecido de um violino, suave e romântico que se espalhava no ar como uma fragrância floral, vindo ter às orelhas da jovem Gretel, acariciando-a suavemente.
Chegando à brisa quente da vila, ela reparou como todas as pessoas olhavam-na de soslaio, desconfiadas. Talvez porque a maior parte deles apenas tinham vistos pessoas de cabelos louros há centenas de anos, e essas últimas pessoas quase tinham destruído a vila de Itshaki. Estou a falar da invasão de Itshaki que tinha causado, há uma centena de anos atrás, um grande número de mortes, não só do lado dos Japoneses, como também dos Russos. Embora fosse difícil que o mais comum dos Humanos chegasse aos setenta anos naquela altura, os habitantes daquela vila ainda se lembravam do que tinha acontecido.
Obviamente, Gretel não tinha culpa nenhuma disso, mas as mulheres não deixavam de cochichar entre si quando ela passava de mão dada com o jovem filho varão do Duque Von Tifon.
Mas ela não ligou muito a isso. Sentia-se segura perto daquele homem atlético e alto.
Como se o seu longo cabelo de ouro fosse uma extensão dos campos de trigo lá no vale, Gretel tocava com as suas avelãs - incrustadas como jóias no rosto de anjo - a montanha, com as maçãs do rosto coradas.
Kazuhiro pensou que ela se assemelhava a uma flor de macieira, mais do que nunca, com o vestido cor das rosas, e o cabelo e a pele eram como a própria maçã - deliciosos e apetitosos, enquanto que ela se agasalhava com o lenço da cor das açucenas.
Ela acompanhava-o o melhor que podia nos seus botins, delicadamente, sempre com uma pose de senhora, enquanto o bruxo lhe contava mais sobre a vila de Itshaki.
- Dizem que ainda se consegue ouvir o trote dos cavalos dos já mortos senhores da Magia Negra, no topo do monte, em noites de Verão como a próxima. O brilho metálico das espadas a se encontrarem com os sabres dos guerreiros Russos, os tambores da Guerra Russo-Japonesa parecem ecoar perto das rochas no caminho para o topo deste monte... Mas é claro, a senhora não acredita em fantasmas, pois não? - Perguntou o feiticeiro Japonês enquanto a ajudava a subir o primeiro degrau ressequido pelo tempo.
Gretel estremeceu. Tinha sido educada num meio muito marcado por aquilo que é sagrado e católico, e raramente gostava de ouvir histórias macabras sobre sítios onde as corujas crocitavam e onde os morcegos tinham os seus ninhos.
Abanou fortemente a cabeça.
- Claro que não, credo! Se acreditasse, como é que acha que ficaria se visse o seu pai, mein Herr?
Para sua grande surpresa, Kazuhiro soltou uma grande e compreensível gargalhada, um pouco embaraçado.
- Pois, lá isso é verdade.
Não pensaram muito nisso, ao subirem as intermináveis escadas de pedra do monte de quatrocentos e cinquenta metros de altura.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O falcão branco...

Para marcar o fim de mais um ano - que só espero que se prolongue por muito mais tempo - do meu blogue, decidi contar-vos - eu Tifongirl - como é o filho do Duque Adrian Demetrius von Tifon (o Duque é o avô da Jessica) , agora que já não o vejo mais como um personagem demasiado inútil para se ter perdido na selva africana em 1929 - coisa que por acaso, até aconteceu.

Ludwig Johann von Tifon- era assim que se chamava na altura em que pensei nele, naquele Verão de 2007 - era um "homem muito dado a festas e importantíssimo na Bellanária por causa do seu negócio de têxteis".

Acho que Ludwig seria o típico Alemão por excelência, cara redonda, o tom de voz era untuoso, rápido mas solene. Cabelo escasso e quase branco, um bigode louro a pender-lhe dos lábios, sempre molhados pela cerveja. Um pequeno, mas bonacheirão sorriso. Um gigante encorpado, que ainda tinha um pouco de gordura na barriga.

Nunca falei muito nele durante estes anos todos porque sempre pensei que fosse um personagem demasiado aborrecido para se falar - aliás, de camelos já estamos fartos, se é que me entendem!

Quando passei a incluir personagens Japonesas - para aí em 2008 - comecei a ver que o estereótipo é um pau de dois bicos para o escritor. Em 2010, a Lisa Kallerud (aquela amiga minha Norueguesa) reparou como Katharina - a irmã de "Ludwig" era o estereótipo da mulher Barbie, da mulher superficial que a sociedade consumista ocidental originou no pós-guerra. O que é um pouco ridículo, pois Katharina gasta demasiado numa época em que supostamente (nas primeiras décadas do século vinte) não se devia gastar muito. Acho que foi este contraste hilariante com os outros Von Tifon que cativou a minha amiga a achá-la (à Katharina, a mãe da Jessica, tão cómica). A partir de aí, foi um saltinho para que os filhos do Duque - que, como já disse em 2008, é um homem muito severo - fossem exactamente o contrário do que ele é, pelo menos na personalidade!

E a partir destas ideias - e de muitas mais - Charlotte e Katharina tornaram-se hoje em dia em das muitas personagens que dão cor ao Château von Tifon.

Em relação a Ludwig, foi preciso um raio de inspiração - e o facto de que outras personagens começaram a surgir (incluindo a mulher dele) - e muita, muita, muita pesquisa sobre actores, personalidades interessantes para descobrir o primeiro filho do Duque: Kazuhiro von Tifon. Só há poucos meses é que mudei o nome dele.

Ludwig emagreceu, tornou-se um pouco mais esbelto e elegante, o aspecto mudou de um Europeu para um eurasiático com cabelos negros e lindos olhos azuis rasgados e barba feita. Não acho que seja assim tão alto quanto o pai, mas que o Kazuhiro é alto, é. Tem um ar afável e sorridente, muito simpático.

Não é que eu tenha vista visto, mas se o visse, talvez os três sinais de nascença nas palmas das mãos e na coxa direita denunciassem - isto se estivesse nu - a família a quem pertence. Mas talvez o verbo pertencer seja demasiado forte para um homem que normalmente passa o tempo ou agarrado ao seu bloco de notas, ou atraído por um possível local onde se possa inspirar. Teria uma voz clara, nem muito grave, nem muito aguda. Ao contrário do pai, o nariz não é adunco, mas sim fino e recto. Atlético, possivelmente pelo facto de praticar o manejo da espada Japonesa e artes marciais - se bem que reluctantemente e mais por causa do pai do que por sua própria vontade - Kazuhiro tem aquele sorriso que qualquer homem nobre teria: o de um cavalheiro. Parece ter uma espécie de distinção que faz com que as pessoas adivinhem logo que é uma pessoa de boas famílias.

Fala fluentemente Inglês, Japonês, Bellante Nortenho, e Russo. O Alemão que ele fala é um crioulo do Bellante (língua que de si já é uma mistura de outras línguas, incluindo o Nahuatl dos Aztecas), Japonês e Alemão - o famoso sotaque da Cidade Perdida. É um homem das artes, especialmente da pintura e do desenho. Vejo-o perfeitamente, introspectivo, em frente dos jardins do palácio da sua família, mais claramente a olhar para as açucenas, para os jasmins e para as rosas - brancas e harmoniosas, deitado na relva, simplesmente satisfeito com a alegria de traçar com a mão caracteres Japoneses o nome da mulher que ama no céu...mesmo que tenha quarenta e tal anos!

Apesar de tudo isso, ele é um homem forte cuja cicatriz na bochecha direita é a de um dardo envenenado com a substância tóxica de uma rã sul-americana. Dá-me arrepios só de pensar que tipo de combate terá sido esse em que ele ganhou aquela cicatriz!

Pelo que vos contei, já devem ter-se apercebido que ele é muito dado a viagens, mesmo que essas mesmas viagens acabem em sarilhos! Artista, excêntrico - como a maior parte dos seus antepassados - Kazuhiro deve ser o tipo de homem que gosta de conversar com toda a gente. Podia ir para uma rua perfeitamente inacessível à maior parte dos pensadores e homens que gostam de ficar sozinhos com a sua arte, como também pode perder-se nas horas ao observar o mar.

Não se acha um génio, apenas pensa, e desenha aquilo que vê e que capta com os seus cinco sentidos, que de si, já são muito apurados. Tem um bom humour espantoso, calmo, mas também bem-disposto, com um sorriso bem posto, um bom dia sempre refinado e educado, nem muito espalhafatoso, nem frio demais.

Às senhoras, cumprimenta com um beijo na palma da mão, e aos homens com um aperto de mão suave e delicado. Tanto gosta de ouvir música clássica como jazz...também gosta da música tradicional do país natal da sua avó, embora as notas convencionais dos instrumentos Japoneses o deprimem. Prefere a cama de rede às camas normais.

Devora livros como quem está ansioso para ler - e para fazer uma teoricamente construída crítica - sobre uma nova visão do mundo.

Que mais ele quereria descobrir na obscura Bellanária da Segunda Guerra Mundial ...? Um homem que passaria assim tanto tempo no estrangeiro (e que nada sabe sobre a situação entre o Japão e a grande Ilha Bellante) seria capaz de escolher entre o seu dever e o amor que sentía por aqueles que mantiveram a sua alma como uma pura e desprovida de malícia?