sábado, 15 de março de 2008

Katharina - "a Pétala amarela da flor do Medo"


* Escrito no Dia da Magia Negra, 31 de Outubro de 2005 - Então estamos prontos para uma festa de arromba? é claro que estamos! Hoje não é dia para melancolias!


Por falar em dramas e tragédias, acabei por observar atentamente à minha direita o retracto da minha mãe, a bela Catarina Von Tifon – a Pura Bruxinha, como alcunha de tudo e de todos – mesmo diante do cadeirão no canto direito inferior do átrio onde o primo costuma sentar-se para beber um licor, e lá estava o Duque, com o olhar fixo na tela do quadro, completamente cativado e comovido pela formosura da mulher.
A divisão do átrio já era muito iluminada, mas agora, com aquela mulher, com aquelas suas pérolas azuis, lindamente pintadas a óleo, que complementavam uma cor bege natural, mesmo linda, aquela sala parecia ser o centro do mundo! Fechei, curiosa, o livro, por que é que o meu primo se sentia tão pensativo e nostálgico?...
O respeitado duque alemão suspirava de cinco em cinco minutos, sempre que cruzava o olhar com a falecida tia e, com o copo vermelho na mão direita grande, murmurava palavras em Alemão entre soluços disfarçados pelos goles intensos da bebida.
Eu sabia que ele não gosta de falar na minha mãe, mas…Será que haverá outra causa para além da misteriosa morte de Catarina Elisabeth Von Tifon, a falecida Duquesa e herdeira da fortuna dos Von Tifon, a lindíssima e tentadora proprietária e gerente da Clínica Bel B, uma há muito falida clínica de psicologia de Bruxos…?
Quase que não sei nada acerca da minha “mamã”, mas se ela tinha miolos, tinha.
Sei também que ela e a bruxa da Serpente de Fogo eram grandes amigas, mas esse facto é muito duvidoso…Como é que a Mamã pode ter gostado duma pessoa como a corrupta princesa do mal!? Mais; como é que ela pode se ter apaixonado uma única vez que seja pelo meu Padrasto?!...
Enfim, nos tempos como aqueles – os Anos 30 e 40 – deviam estar-se mesmo desesperados para arranjarem “amigos” e “amigas”, se é que estás a seguir o meu raciocínio.
Ouvi dizer que, nesses tempos, a crueldade e volúpia dos Humanos e dos Bruxos na nata das natas na Atlântida era equivalente, portanto, era muito fácil imaginar a minha mãe a fazer poucas-vergonhas!
Estava curiosa, pronto! Levantei-me silenciosamente, com receio que o primo me ouvisse, e tentei ver por mim própria o que é que aquele retrato tinha de tanto especial para o meu primo estar ali, exactamente duas horas, especado a vê-lo.
Fiquei espantada ao ver a beldade que a minha própria mãe biológica era: o cabelo amarelo de trigo encarrapitado num lindo penteado mesmo à alemã, a envergar um elegante casaco de mulher Chanel castanho, com umas botas de salto alto bege muito resistentes. Tinha umas luvas de seda brancas que a encaixavam na perfeição nos dedos de bruxa, magros e com unhas pontiagudas. Catarina – ou Katharina em Alemão – era uma mulher muito alta, provavelmente com um metro e setenta e cinco, e um sorriso brilhante duma verdadeira estrela de cinema.
Pela cara, teria os seus trinta e dois anos quando fora pintado aquele quadro, mas estava tão bonita que nem se via um sinal de rugas ou velhice. Aquela cara dava-me uma sensação de conforto: parecia um anjo...No entanto, pelo cigarro pousado atrevidamente - Na Alemanha dos tempos de Hitler, era de mau tom uma mulher fumar em público, pensavam logo que era uma prostituta, ou uma empregada dum bordel ou dum clube nocturno - na mão direita, se pensaria que ela era uma mulher muito influente.
Recostada num chaise longue de pele de chita super moderno, confortavelmente instalada num amplo escritório com paredes de pedra polida branca e cinzenta que adivinhei ser o dela, a minha mãe parecia mais uma actriz de cinema alemã do que uma psicóloga de renome, principalmente naqueles tempos.
A minha mãe parecia tão feliz, tão senhora, tão maravilhosa…!
Não me admirava que o meu primo estivesse ali a admirá-la, aquela deusa nórdica com lábios mais carnudos e o peito mais avantajado que ele alguma vez vira!
Pelos vistos, ela ainda não usava anel de noivado nessa altura, o que poderia muito bem ser tratada como Herrin Herzogin Von Tifon, Fräulein Katharina Von Tifon, Fräulein Von Tifon ou até mesmo Frau Doktor Von Tifon. Isto aqui era várias formas como se poderia tratar a minha mãe. A informal…Essa é que eu não sei.
Soltei propositadamente uma tosse leve, quase como se estivesse a rir-me da figura de parvo que o meu primo estava a fazer.
Toquei-lhe suavemente nas costas, duma forma muito maternal e chamei o seu nome docemente, quase num sussurro na orelha:
- Coutinho, o que estás a fazer aí?
Escutou-se um estalar de vidro no chão, consequência óbvia do meu primo se sobressaltar sobre a cadeira e o copo ter-lhe escorregado facilmente das mãos gordurosas.
Virou-se para mim com um ar temeroso, como se quisesse pedir desculpa, com imenso medo, e, nuns minutos patéticos, ouvi o vozeirão num tom nervoso e preocupado:
- Nada, querrida tia! Nada, eu…
Ao cair finalmente na realidade, como se estivesse caído estatelado dum precipício, olhou com um ar autoritário e confuso para mim.
- Ai...Jessica! – Exclamou, aliviado. – És tu, por esses olhos cor de safira, até podia jurar que era a tua mãe.
Soltei uma risada atrevida, sentando-me lentamente ao lado do primo numa cadeira e, lançando-lhe um olhar confiante, perguntei:
- A Mãe era assim tão bondosa e bonita?
- Se estás a referir que a clínica dela era uma fantochada qualquer para arrancar confissões de inocentes cidadãos alemães, judeus ou outro turista a fim de entregar as suas fichas e trabalho recolhido aos porcos da Gestapo, então sim, era um trabalho bem pago e que lhe dava a oportunidade de exercitar os seus conhecimentos acerca de psicologia aprendida em Oxford. – Respondeu de imediato, com vários sinais de arrependimento. – Ela gostava muito de Inglaterra, era como uma segunda pátria para ela, a guerra mudou a sua perspectiva radicalmente em relação a tudo. A guerra e o teu odiado Padrasto. Aquele…Aquele Schwein lavou-lhe completamente o cérebro!
Dizendo isto, engoliu furiosamente o licor, à medida que as suas mãos, escoadas em sangue por causa de ter estilhaçado abruptamente o outro copo, se retorciam, num sinal claro de ódio e raiva.
- A Katharina costumava dizer a brincar que ela era mais inglesa que alemã, antes de ter conhecido o teu Padrasto, com as ideias nazis dele! – Recordou tristemente. – Mas também dizia que amava tanto a Alemanha como de Inglaterra, de França ou da Atlântida. Tinha uma voz firme, mas linda e ondulada, com um sotaque londrino. Tinha vivido tanto tempo na Inglaterra, mas vestia-se tão bem quanto uma francesa, tinha uma eficiência e austeridade quanto uma alemã, mas sentia uma paixão ardente pela vida quanto uma mediterrânica…
- Quando é que ela conheceu o meu pai biológico? – Interrompi, cada vez mais ansiosa por saber mais.
O primo soltou uma gargalhada amarga, enquanto limpava com asseio as mãos encharcadas de sangue de bruxo.
Estavam tão sujas que nem sequer as conseguiria distinguir da carpete vermelha, e, metaforicamente falando, ele se sentia muito imundo por falar acerca do passado da minha leviana mãe.
Mas o que é que ela tinha feito de mal?...
De repente, a sua voz tornou-se um pouco mais nervosa e, num misto de surpresa e raiva, apontou o seu olhar inquisidor para mim.
Já com as mãos limpas, mas retorcidas em punhos fechados, quase como se quisesse dar um murro a alguém, perguntou de pé:
- Para que é que tu queres saber tanto acerca duma mulher que nunca gostou realmente do teu pai?! – A sua voz tornou-se má e furiosa. – A Katharina, que nem sequer se preocupava se o teu pai era dez anos mais novo que ela, se conseguisse escapar do possessivo do teu padrasto, era o que interessava!
Com os olhos muito arregalados, ele indicou um espelho pintado no quadro horizontal, e, no qual via-se um homenzinho (não teria mais que vinte, vinte e dois anos) de cabelos ruivos a espreitar por detrás do chapéu de feltro que tinha umas pedras preciosas verdes familiares: os olhos dele eram muito parecidos com os do meu avô adoptivo.
A minha cabeça estava mais confusa do que uma omeleta mal passada, a minha mãe seria ou um anjo, ou um diabo!...
Contudo, era-me impossível imaginar um triângulo mais estranho do que este; uma senhora da alta sociedade bem inteligente e astuta, um nazi provavelmente da mesma idade que ela, e um rapazinho de vinte e dois anos ruivos um rosto triangular, cabelos ruivos encaracolados e olhos verdes fascinantes!
Se calhar Katharina preferia homens mais novos, como uma vampira gosta de humanos inexperientes…Ena! Que penso eu da minha própria mãe!