segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Tsuna Miyu Franziska Von Tifon


A minha meia-irmã, que é filha legítima do meu padrasto – tentar matar a própria filha, se há burrice maior do que esta, então não sei se ele estava mesmo bêbado ou muito furioso!
Até acho que o poço de virtudes dela é tão grande, tão grande, que ela já se deve teve afogado nele…!
Uma santinha do tamanho do meu polegar (e pensar que o meu Padrasto é um bruxo gigante), a Tsuna Franziska, com uma vozinha fininha, de rouxinol, com uns olhinhos oblíquos, bonitos, com, um nariz pequeno e pontiagudo, aquilino. Atrás das costas, carrega um aroma lindo, feminino, ondulado a pêssego, um néctar precioso no qual a saia cor-de-laranja fica-lhe perfeitamente bem, e, sob uma linda camisola amarela, ela voa, dum lado para o outro, arrumando as suas coisas para ir para a escola. É claro que a cinderela chinesa – isto digo eu na brincadeira com a minha queria maninha mais nova – não foi como na história do conto de fadas, e a madrasta bruxa Katharina adorou ter uma rapariguinha tão linda como enteada. Foi a mãe da Tsuna que pediu à Sra. Duquesa misericórdia, e para que salvasse a pequenita das garras do meu Padrasto, que não queria que a coitadinha crescesse nas mãos dum bruxo que sofre de priapismo – nem queiras saber o que é que é.
Contudo, ainda estou para perceber as razões (porque devem ser muitas) que levaram a minha mãe e a Serpente de Fogo a quererem fazer-se de Fadas Madrinhas de todas as infelizes que encontram pelo caminho. Pior que elas, só a nossa família a recolher cães de guarda.
Primeiro foi a mulher demónio Yokai, mas essa, essa, eu nem sequer tinha nascido e a Katharina era pequena demais para dar por isso, além disso, ainda estava em Londres. Depois a prima Solaris. Depois a Sara. Agora esta. Tsuna. Minha Nossa Senhora dos Mais Arrependidos, onde é que terão desencantado esse nome?! E dizer que eu já fico furiosa quando alguém me chama de Jessicazinha. O Hans um dia deu em chamar-me Janeca, mas as consequências foram tais que perdeu logo a vontade de repetir a graça. Porque eu cá refilo, faço cara de má, resmungo, dou caneladas, respondo torto só como eu sei. Mas esta não. Esta lê as Manhãs do Campo Atlante, tem noivo escolhido desde o berço e acha que o casamento é a melhor coisa do mundo.
Da Yokai, como acima referi, não me lembro lá muito bem dela, muito menos a minha mãe. De resto, a Serpente de Fogo também não gosta de grandes conversas sobre ela: passa a vida a chamar-lhe de mal-educada, malcriada e ingrata, e até tirou a fotografia dela, que estava em cima da cómoda do quarto privado da nossa respeitada Rainha, e substitui-a por uma pose horrorosa da minha Tia-Bisavó Rokorubi quando foi de excursão a Hiroshima.
A Sara, enfim, tirando as suas paixões diárias e sonhos de fadinha ingénua, e estes últimos tempos em que o Paulo lhe deu a volta à cabeça, segundo a família, não era má de aturar. Na escola, diz sempre que ela é a minha irmã mais velha. Acho mesmo que, se fôssemos da mesma família, até nos podíamos divertir imenso.
Mas esta. Que necessidade tinha a minha mãe de a trazer, uma vez mais, para cá? Tem pai, mãe, irmão (Xaninho, que horror! Como é que alguém pode ser irmã de um Xaninho e não morrer de vergonha?!), noivo escolhido (Meu Deus, como é que uma pessoa com treze anos pode pensar em casamento e não morrer de susto?!), casa imensa lá nas Índias, ou nos Chinos, onde moram, criados à volta, que ajudam a fazer e a desfazer as malas – enfim, aqui, também é assim, aparte do Xaninho e de noivo escolhido, excluídos, perfeitamente.
Mas não. A boa da Sra. Dona Duquesa Katharina Von Tifon teve logo de oferecer cama, mesa e roupa lavada assim que soube que lá nessas lonjuras e ásias por aí fora podia haver criados em terracota, mas não havia escola secundária para as mulheres. Preparatória, e toca a casar-se com o primeiro mancebo de olhos rasgados e a estudar o livro do Mao-Tse-Tung, ou lá como aquele comunista chinoca se chama, com muito tostãozinho e casinha quente para oferecer. Então a minha mãe lembrou, com tremidinhos na voz e lágrimas ao canto do olho o tempo em que ela e a mãe da Tsuna (Tsuna, que nome, como é que uma pessoa pode acordar todas as manhãs com este peso na alma?!) Eram amigas, e, por mor dessas antigas recordações (a infância, seja de quem for, comovia sempre muito a minha falecida mãe, quanto mais a sua própria, o meu Padrasto até foi forçado a dar uma fotocopia de quando ele era pequeno, pousando para a câmara com uns dez aninhos, “…um anjinho loiro com umas bochechas que a tua mãezinha era capaz de as comer todas…”, nas palavras da Serpente de Fogo). Aí vem a criatura de avião comigo até à Cidade dos Deuses, acabando por aterrar no quarto à minha esquerda, onde há-de permanecer por todos os séculos, até que se forme na Faculdade dos Bruxos e das Bruxas, em Cyborg Town.
A Sara também começou assim. Mas, segundo o primo Horus, ela tinha ficado órfã quando a mãe morreu mal a minha amiga tinha dez anos. Além disso, era afilhada do meu avô, havia «responsabilidades», como diz o Honestoffmann.
Começou assim – e acabou por encontrar o Paulo, sabe-se lá em que galáxia, com as suas borbulhas e o seu 5 em Poções na Universidade dos Feiticeiros.
Se isto não tivesse acontecido, se calhar ainda estava a viver em casa e eu não tinha agora de aturar esta convencida com um Lao de quarenta anos à sua espera lá na terra das Chinesices, e com um nome de peluche. Coisa que, por acaso, me faz uma urticária dos diabos. A mim e ao meu Padrasto, que, por acaso, ficou com receio que a sua filhinha ficasse em mau cargo dum dragão chinês de quarenta anos que mora no palácio celestial de jade, ou lá como aquilo se chama.
Estranho às vezes como coisas tão graves podem acontecer devido a pequenas coincidências, pormenores aparentemente sem importância. Se a minha mãe tivesse ficado em Londres quando tinha dezasseis anos, ela não teria perdido a virgindade com o meu Padrasto em Berlim, e, depois não se teriam conhecido. Se a Sara tivesse ficado na sua Floresta de Cristal de asilo e não tivesse ido trabalhar nesse dia, não teria encontrado o Giovanni, ou o Paulo, ou lá como ele se chama, não teria casado com um feiticeiro branco, o quarto ao lado do meu não estaria vago, a Tsuna não teria vindo.
A quantidade de «ses» que eu não podia agora inventar! Afinal, o Galileu está redondamente enganado: a Terra não gira em torno do Sol, a terra gira em torno dos «ses». Se os Portugueses não tivessem partido em busca de novas terras, não teriam descoberto, nem o Brasil, nem a Atlântida, nem a China, e muito menos o Japão, e não estaria-te eu a mandar estas coisas para o Blog. Se o meu pai se tivesse atrasado no emprego no dia em que esbarrou com a minha mãe na Avenida do Volta-a trás, eles não se teriam conhecido, eu não seria eu, seria outra qualquer. Se o parvo do Himmler não tivesse insistido em ver a Atlântida, provavelmente, nunca teria a Princesa Swerdinada, e, já estaríamos numa república democrática a esta altura do campeonato. Se Samiel não tivesse aberto uma pastelaria na Atlântida…bom, aqui é que eu já não estou muito certa do que é que teria acontecido – mas teriam acontecido coisas muito más, porque o professor de História está sempre a falar nisso. Mas é tudo muito complicado e no dia em que ele explicou melhor, eu estava com uma dor de dentes que nem via, e ralava-me lá bem com a pastelaria do Assassino do amor, ou com o nariz de quem quer que fosse.
Mas pronto, como diz o meu Padrasto, «as coisas são como são», e não há nada a fazer senão aguentar a rica prenda que me coube em sorte.