sábado, 29 de setembro de 2007

A Floresta de Cristal (Parte I)


Depois do que tinha acontecido há dias, era bom saber que a chuva constante e as trovoadas assustadoras tinham dado lugar a maravilhosos passeios cobertos por todas as cores alegres do Outono, qual grande e confortável manto de folhas, a brisa fresca enchia o ar de um um doce perfume a eucalipto. Algo bom e divino estava para se revelar, e o bom tempo era outra esperança. Decidi ir ver como é que estavam as coisas pela Floresta de Cristal, pois essa linda zona toda de floresta muito densa em que a gente consegue ficar calma e relaxar. Os pregões pouco atractivos trazidos pelo vendedor de castanhas misturava-se com uma estranha voz, tão linda e melodiosa quanto um rouxinol que deliciava até o mais frio e taciturno bruxo.
À medida que a ouviam os poucos pássaros e pombas aproximavam-se dos seus formosos braços, e cantavam juntos com uma rapariga magra de um metro e cinquenta e cinco, alheios a tudo e todos.
E quem pensaria que esta voz sobrenatural seria da encantadora Princesa Sara a passear, sonhadora entre as florestas de cristal, andando numa calma maravilhosa, apreciando os poucos mas valiosos tesouros que a Mãe Natureza tinha para oferecer antes de chegar o longo sono de Inverno. Aquela rapariga judia de dezasseis anos é mesmo a personificação do Bem. Simpática, ingénua, bondosa, generosa, pequena, ela consegue inspirar confiança em qualquer um. Agora irei dizer-te porque lhe chamam “Princesa Sara” à Sara, ela é tão boa, bonita e tem uma bela voz. Acho que ela é mesmo uma princesa, porque de bom grado e com um sorriso o Primo Coutinho lhe dava um quarto, embora só a conheça pela cara e pelas coisas que eu digo dela ao jantar; o Nälden que já a conhece desde que ela tinha onze adora fazer duetos com ela no seu piano; o Hans cora tanto quando falamos dela que até diz num gaguejar meio incompreensível «...adorava conhecer essa fada tão bonita...»; o Fritz e o Skánvasse esperam ansiosamente no seu turno quando lhes falo da milagrosa menina; Horus e Set dizem que gostavam de a ter como amiga deles. Até acho que o meu padrasto...Não!
Esse aí é demasiado mau para ter tido o privilégio de ter conhecido uma flor tão fantástica e linda como a nossa rapariga mais querida. O seu sorriso iluminava tudo e todos enquanto dançava por entre os troncos brilhantes, antigas moradas das fadas. Dos lagos e fontes à volta das floresta, saíram outras criaturas bonitas, para ouvir o canto da Sara. Cabelos verdes feitos de musgo e de plantas fluviais ondulados enfeitavam as peles verde-clara e completamente nuas, as náiades só chegavam até aos meus seios em relação a altura, porém, os seus corpos já eram bastante desenvolvidos, para criaturas femininas.
Aquele dia estava a ser tão estranho que a minha sombra, não aguentando a luz do dia, acenou como se estivesse a fazer uma longa despedida, e desapareceu na escuridão dos bosques, para dar lugar a uma vassoura, cuja eu não me consegui habituar à primeira, e balancei algumas vezes. Mas, lá consegui habituar-me depois de várias tentativas falhadas, e continuei a ver cnuma mistura de inveja e sangue-frio as estranhas fadas aquáticas, que segundo as fantasmas, eram suas irmãs.
Oh! Como tinha ciúmes delas. Nadavam felizes na sua grande – luxuriosa e colorida, pintada pelas maravilhosas luzes da manhã – prisão de mármore e pedra, vigiadas constantemente pela aústera estátua do primeiro von Tifon: braços caídos para a frente como um grande oficial militar; tronco viril para cima nas típica vestes pretas dum bruxo poderoso com o chapéu de feltro e tudo, tapando o brilho das duas safiras que serviam de olhos ao magnifico bruxo; na mão direita, brandia um tridente de três metros, símbolo do poder negro, e na esquerda, fazia flutuar um estranho triângulo formado três linhas curvas negras sempre em movimento dos ponteiros do relógio, onde no centro, giravam como pobres objectos num redemoinho seis esferas. Sabia lá o que aquilo significava, mas se ele tinha um ar autoritário sobre as náiades, tinha.
Olhei novamente para elas, para aquelas fadas, com aquela beleza que ultrapassava qualquer feitiço meu, e, senti o instinto de bruxa a aparecer, o meu lado mau começava a aparecer, e nos meus pensamentos, surgiu uma enorme vontade de pregar um susto de morte áquelas fadinhas betinhas sem graça, com aquelas cantorias pirosas! Os meus olhos brilhavam de maldade e ódio, por que razão seriam mais bonitas que eu?
Jamais poderia ser mais linda que aquelas náiades todas juntas, as raízes que as prendiam à Natureza eram mais fortes que as minhas, elas tinham um pai de pedra pelo menos, que olhava por elas dia e noite! Eu não tenho nenhuma família! São alegres mesmo presas na água. E, para piorar a minha inveja e ódio a elas; conseguem viver com pessoas estranhas. Podes ajudar-me, sinto-me tão só.....Sniff. L Também não tenho namorado, e se continuar assim tão triste, vou acabar como aquelas fantasmas japonesas de ontem, ou mesmo
como a Serpente de Fogo!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O quarto de Spiegel....


A luz mal entrava no espaçoso e poeirento quarto, dando um aspecto sinistro aos quadros de antigos bruxos e nazis famosos pela sua infâmia pregados na escuridão, e, pelos seus olhares penetrantres e nada simpáticos pareciam não gostar da presença do seu felpudo amigo. As paredes estavam decoradas com papel de parede com um padrão de pegadas muito adequadas para os sonhos felinos de Spiegel.
Ali estava o nosso pacifíco bichano a dormir na sua cama de dossel preferida com o seu brinquedinho, uma escovinha macia e boa para arranhar, a sofrer dos adenóides, soltando um ressonar muito cómico, que fazia com que os retractos ficassem incomodados, olhando-o com desprezo.
O tenente, olhou ternamente para o bicho pesado e acenou com o indicador, tirando do bolso uma guloseima.
É difícil agradar a este aristocrático e sempre desiludido gato com a mania de se armar em caprichoso, e Nälden sabia isso demasiado bem. Tinha uma pequena recordação na cara como prova que aquele gatão não era para brincadeiras. Uma cicatriz em forma de cruz, um pequeno arranhão como resultado das muitas formas de simpatizar com aquele convençido e preguiçoso sempre a dormir.
Fez um “bsch-bsch” a agitar a goloseima qual orgulhosa bandeira para que o gato, soltando um miado como se dissesse “Eu? Está a falar comigo?” e conseguisse chamar-lhe a atenção.
- Guten Tag, mein Herr
[1] Spiegel! – Disse ele baixinho. – Venha cá, o Onkel[2] Otto tem um bela gominha de caviar e atum para um lindo bichano puro. Se Sua Excelência se portar bem e vir cá para arejarmos um pouco e perdermos o peso, o Onkel Otto dá a bela gominha de caviar e atum a mein Herr Spiegel.
Infelizmente, o “tentador suborno” não resultou e ainda bem que a paciência do nosso amigo tenente é muita. As patas de Spiegel apenas mergulharam preguiçosamente como quatro pedras em areia movediça cada vez mais nos almofadados lençóis.
Ele miou um sonante e convencido bocejo, espreguiçando-se e refastelando-se na cama.
Na penumbra, o rapaz arriscou-se a aproximar-se mais do gato resmungão, desta vez, escondendo a sua mão treinada tanto para dar carícias, como também para ferir com uma faca atrás das costas.
Desta vez, ele iria tentar a diplomacia, e se nem isso nem a ameaça resultasse, então a magia e a violência teriam de responder por ele próprio.
Suspirou com um grande sorriso na cara, olhando para o bichano com um amor incondicional.
Ele ia pôr o gato a falar, era? Ou ia “fazê-lo falar”? Eh, eh, eh...
Baixou-se na sua altura espantosa de um metro e setenta e oito, com os seus olhos azuis um pouco falsos e demonstrando um pouco de desprezo pelo gato.
- Calma, calma, calma! – Exclamou ele entre dentes. – Acima de tudo, tenhamos calma com as nossas respostas, mein Herr Spiegel. Agora faça-me o favor de sair dessa cama antes que nos irritemos a sério!
Aí, o gato lá saiu lentamente do quarto, espreguiçando-se no chão e miando outro audível e estúpido bocejo.
Estava a ver que não, aquele maldito animal qualquer dia ainda vai tirar o pobre do coitado do Nälden do sério.
Tivemos que o levar numa caixa onde ele esperneou, arranhou, mas nem o pior dos gritos conseguiu salvar Sua Majestade de ser arrastada numa caixa negra sem protecção alguma na mala do “tanquezinho” do Nälden. Depois explico o que é essa máquina.
Pelo numa coisa este ignóbil bicho é útil: a fazer com que a nossa maldade sobressaia cada vez mais! Estou a brincar, não, o que eu queria dizer é que algumas vezes, nem nos apercebemos da sorte que temos por não termos vivido naquela altura em que a magia negra era mais forte. Sabes o porquê disso? Porque a luz consegue vencer o pesadelo que é esta guerra civil e este assunto da discriminação entre classes.


[1] Título em Alemão que se refere a ser tratado por “Meu senhor”, e que em Português é “Meu senhor” utilizado para se referir a um homem da nobreza ou a um lorde. Quem diria que até um gato teria sangue azul...?
[2] Tio em Alemão