domingo, 27 de abril de 2008

A Casa e os Champôs (Parte I de II)


A praça onde Gerhard e Otto Nälden vivem lembra um daqueles arredores e vivendas portuguesas no Algarve, com todas as árvores com a sua cerca e ecoponto a cada mil metros. Na porta dum condomínio fechado e branco, de estilo moderno, estava o número 13 MOV.
De aspecto paralelipipédico, a campainha com um símbolo de sino uma caixa negra com um mostrador verde a pedir quatro números.
Otto explicou-me que MOV era o monograma para Mire Oraptil Vet – cuidado com o demónio em atlante.
Nesse momento, corei muito, acanhada. Tinha feito um verdadeiro filme com um inócuo bilhete de recados.
O número de código era o código de segurança da porta, em vez de ter uma chave.
«É muito mais seguro assim, percebe?» Disse com um sorriso durante o tempo que abria a porta de aço.
O interior da casa poderia ser distribuído como um pequeno apartamento de três andares, só para os dois irmãos.
A primeira camada da casa continha uma sala de jantar, à direita, que sem demora observei, muito bem decorada, com uma mesa relativamente grande para duas pessoas.
À esquerda, havia uma pequena cozinha com uma porta oriental onde saía um cheirinho muito bom a comida chinesa.
Nälden apenas encolheu os ombros e apontou para vários objectos e decorações de estilo asiático ou chinês. Aliás, toda a casa tinha um zen muito oriental. Cheirava a incenso queimado, e uma linda música hindu de cítara tocava num leitor de cd’s, ao pé duma lareira eléctrica. Por cima da mesa, flutuava com um encantamento qualquer uma lâmpada japonesa a brilhar com inscrições antigas.
Parece que o irmão do Nälden tem um especial interesse pela cultura asiática, e também pratica artes marciais.
«...Foi ele que decorou a casa toda.» Comentou ele, rindo-se. «Eu não acho piada nenhuma, mas ainda dou uma piquena ajuda aqui e ali, afinal, temos de ser um pouco nada civilizados. Por isso é que prefiro dormir no elegante palácio do Herr. Duque do que estar nesta pocilga horrorosa.»
Dito isto, pôs a comida do irmão na mesa – arroz de pato à Pequim com um molho de francesinha estranho – e fez uma careta horrível.
Eu, com a encomenda bem segura nos meus braços, estava espantada com a enorme cultura geral do irmão gémeo. Devia ser um indivíduo bem inteligente, para conhecer tantas coisas do mundo oriental e para obter o diploma de médico aos vinte e quatro anos. Além disso, com a casa tão limpinha, logo vi que a mania das “limpezas” era de família.
Havia apenas uma moldura que não era de decoração asiática, onde, na mesa, havia uma fotografia enfeitiçada, como aquelas que havia nos livros do Harry Potter.
As imagens em preto e branco mostravam um grupo de treze homens de uniforme nazi pretos. No centro, reconheci como Heinrich Himmler, que sorria para a objectiva de forma presunçosa e arrogante. À sua direita, havia um homem alto, de olhos azuis penetrantes e aspecto sinistro, que lançava um ar frio e cínico para a câmara, quase como se dissesse “Não assino com tinta, mas sim com sangue!”. A contar da esquerda, vi o primo Coutinho a fazer a saudação nazi e a rir-se, muito orgulhoso, com a mão direita na anca e a esquerda estendida; a seguir, estava o Nälden, muito nervoso e com lágrimas nos olhos a limpar com um lenço. Depois, naturalmente, estava o irmão de Nälden, com a boina a saltar em cima dele, com um sorriso maníaco, com insígnias no colarinho, que julguei ser capitão. A quarta pessoa era um homem de cinquenta e cinco anos com uma cara familiar para mim....Obviamente, estava o chefe das SS e depois, o sexto e mais perverso de todos, que, algumas vezes, sorria com um ar de estar a tramar algo, com as mãos geladas escondidas atrás das costas. A sétima pessoa era, provavelmente, mais um humano, e o resto já se esperava que ora eram Nazis, ou Bruxos.
Olhei meditativamente para a fotografia a preto e a branco, que mantinha para a eternidade os olhares maliciosos daqueles nazis, tal como todas as suas atrocidades.
Com que então o Nälden e o seu irmão gémeo já tinham sido “anjos negros”, não era?
E até apostava que tipo de roupa estava dentro daquela caixa...
Suspirei profundamente, enquanto olhava fixamente para aquela fotografia…Tinha a sensação de já ter visto aquele homem maldito em qualquer lado, só não me lembrava aonde.
O Nälden apareceu atrás de mim e soltou um longo suspiro, igualmente melancólico.
Com as mãos pousadas nos meus ombros, duma forma quase fraternal, ele abanou a cabeça. Provavelmente ele não gostaria de falar nessas coisas delicadas…
- Sim… – Disse num tom deprimente. – Eu não me orgulho desses tempos, muito menos o Herr Duque.
De repente, pareceu esboçar um sorriso quase forçado, como se quisesse mudar urgentemente de assunto.
Com o cabelo ruivo penteado para trás, e as mãos nos bolsos das calças jeans castanhos-escuros da Pip und Böse
[1], que combinava perfeitamente com o colete de cabedal dourado, acrescentou num tom agradável:
- Dan? Não quer mudar de penteado? Eu conheço um cabeleireiro meu amigo que lhe fará, decerto, um penteado mesmo fashion.
Eu ri-me, divertida, com os maneirismos femininos do advogado alemão e, dirigindo-me à saída, conduzida pelo seu braço magro, pensei se não seria boa uma mudança de look para arrasar na festa e esquecer aquela época nefasta.
[1] famosa marca alemã para bruxos