segunda-feira, 10 de setembro de 2007

28-10-2005 Sonhos estilizados e formosos




Estou tão ocupada a escrever o meu diário que nem reparo em ti. Pois é, deves sentir-te um pouco ansiosa – ou ansioso – em saber quem será o meu padrasto. E eu, a ignorar-te, contando as minhas intermináveis aventuras. É isso que o Pedro me está sempre a dizer. Que sou um pouco egoísta e que deveria pensar mais nos outros do que em mim própria. Mas que se há-de fazer...? Ainda não sei quem é ele, e enquanto não souber como é que ele (o meu padrasto) é, contentár-me-ei a pôr a escrita em dia.
Sou incrivelmente tagarela, não tenho culpa, e toda a gente à minha volta, quer seja conhecido ou não, reconhece-me pela minha língua leve. E o Sr. Pedro Dardo é-o ainda mais, mas esse, prefere falar mal acerca dos outros, é impossível aturá-lo com mais uma das suas crises de fanfarronice de manhã quando vamos tomar a meia-maçã (costume de cá da Atlântida, que às dez em ponto, comemos uma peça de fruta para continuarmos bem o resto do dia)! Faz tempestades em copos-de-água por tudo e por nada, e não me deixa em paz quando estamos nas aulas. Qualquer dia aquele cyborg vai dar comigo em doida se continua assim! No entanto, é tão atencioso e sabe sempre dar um ombro onde confessar todos os meus problemas e feridas do coração. Tão meiguinho que parece um lindo ursinho de peluche. Achas que estou apaixonada? Não seria a primeira vez, mas que estou eu a dizer? Será melhor contar-te como a minha irmã Tsuna anda.
Reparou que eu ando à procura do meu padrasto, pôs na cabeça a ideia maluca que se calhar eu, ela e a Sol não somos realmente irmãs! Não é de admirar, somos muito diferentes uma das outras. Mas aquelas nunca têm nada para contar, portanto, acho que seria bom contar algo engraçado. Por exemplo, o Nälden está como eu, ansioso por viver o seu 1º amor. Podes acreditar que o ridículo em pessoa ainda não se apaixonou depois de 25 anos de vida?! Pronto, eu também não tive um amor a sério realmente, e tenho dezoito, mas ainda posso ser perdoada, não? Sim, eu creio que sim. As nossas lágrimas podem ser perdoadas. Além disso, agora estamos a rir-nos muito disso.
Foi assim: esta manhã, como de costume, eu estava com insónias, pensando em mim mesma e nas minhas horríveis manias de perseguição, sarcasmo, e vaidade que me caracteriza, quando algo me sobressaltou, um barulho vindo do quarto do Nälden no primeiro andar, um gemido e um suspiro infeliz. Parece que não era só eu que estava com crises existenciais, aquele pobre lamuriava canções alemãs de amor enquanto tocava no seu piano, lamentando-se por não ter sorte nenhuma com as mulheres, apesar de ser um homem bem parecido, alegre, sensível – algumas vezes até demais – e musculoso. Só ele é que não sabe que tem o que é preciso para atrair lindas mulheres.
Auto-estima a menos e tristeza a mais, é a doença contagiosa que invadiu este Château!
Decidi averiguar se o coitadinho não precisava de algum conselho, afinal, para além de ser prima do seu patrão, considero-me como sua amiga, porque ele também me ajuda quando estou com a moral em baixo.
Levantei-me cautelosamente da cama, habituada aos sermões do Primo Coutinho acerca de levantar a boas horas e que oito horas da manhã não era altura para uma pessoa se acordar no sábado, andei de bicos de pés até o meu espelho onde vesti o meu robe chinês azul-celeste com um dragão nas costas e calçei os meus chinelos, para poder andar descansada pelas escadas – estão sempre tão geladas que nem me atrevo a pôr os meus pezinhos nus nelas sem calçar qualquer coisa.
Ao chegar ao corredor do primeiro andar, reparei que a porta estava entreaberta, mas ainda se ouvia o piano.
Não quereria perturbá-lo mais, as minhas mãos tremiam como varas verdes, e embora sentisse um pouco corajosa, tinha um friozinho no estômago. Seria bom incomodá-lo aquelas horas da manhã?
Deveria sentir-me obrigada a ajudar um amigo...?
Sabia que era uma questão de ética, mas o meu alegre coraçãozinho travava uma luta com o meu desenvolvido cérebro e a sua chata lógica.
Estava tão indecisa, que nem reparei que umas melgas(sabes, aqueles mosquitos horríveis que, para mim e para o Primo Coutinho são uma praga!) me andavam a zumbir na minha orelha, e ao ver que aquelas pequenas pestes irritantes estavam a tentar picar com aquelas vozinhas agudas, senti-me forçada a entrar porta adentro rapidamente e fechei-a apressada!
Apanhei o Nälden muito pálido, a suar terrivelmente e a pousar a tampa do seu piano de cauda cor-de-vinho polido num tal estado de choque, que nem dava para ver se estava atónito, ou se estava com imenso medo. Algo tinha-lhe aterrorizado, e quando alguma coisa assusta o tenente daquela forma, essa coisa que ele vira não é para ser levada de ânimo leve.
Curiosa e olhando-o com um olhar espantada e sentei-me na cama de dossel acolchoada de um manto com desenhos de felizes flamingos cor-de-rosa e perguntei num tom positivo e simpátivo:
- Que se passa, Nälden? O gato comeu-te a língua?
Ele apenas abanou a cabeça em sinal de “não”, com os olhos arregalados, sem conseguindo proferir uma única palavra, hesitante.
Era óbvio que ele estava “naquele estado”. E eu conheço aquele estado.
É o estado que um bruxo normal e bom fica quando acabou de visualizar uma visão demasiado terrível para ser mencionada no dia.
Não disse nem uma única palavra durante cinco minutos, qual pessoa que tivesse visto um fantasma irado, mas, felizmente, o silêncio foi quebrado pelos sua imediata resposta.
Virou-se para mim finalmente, e olhando-me surpreso, levantou-se de súbito, resoluto a não dormir nem tocar uma única nota, com os olhos abertos e com o queixo caído.
- Nada disso, Frau Jessica! – Disse desesperado. – Onde está ela? Desde que ouvi tal som divino, desde que vislumbrei aqueles olhinhos adoráveis, o meu coração se incendiou e partiu com aquela donzela sobrenatural dos meus sonhos....
Suspirei e sorri, resignada, compreendo o mal que atormentava o pobre tenente, ou estava louco, ou estava apaixonado por alguma fada.
Não há remédio que cure esta enfermidade denominada por 1º amor, não há ninguém que consiga resisti-lo. Dizem os sábios que é contagioso, os antigos acreditavam que era a cura para todas as desgraças do Mundo.
Agarrou-me de rompante com os seus braços, fixando-me com um olhar tão preocupado que até parecia ser outra coisa, aí, senti a sua água-de-colónia forte e ouvi a sua pulsação a bater cada vez mais com mais velocidade.
- Que significará isto?! – Exclamou numa voz muito aguda, com horror. – Sinto que um vulcão irrompe do meu corpo, as minhas mãos tornam-se molhadas e desejosas de apanhar aquela ninfa do meu bizarro sonho esta noite! Ajude-me, minha senhora! Que bruxaria será esta!?
Estava a exagerar, era apenas amor! Revirei os olhos e uma vez mais suspirei a rir-me, libertando-me dos braços viris do fiel tenente.
Homens que sentem o amor chamar, não lhes falta um coração bondoso, e o nosso querido tenente alemão preferido era um desses sortudos.
Olhei-o divertida, tentando conter o riso de tal cena cómica, e estendi a minha mão, sorrindo simpaticamente.
- Isso é erecção, meu palerma! Mas conta-me lá esse sonho, talvez possa ajudar-te a intrepertá-lo – Disse gentilmente.
Na minha cabeça, o que queria dizer era o seguinte «....Apesar de seres um idiota chapado, talvez vá precisar dos teus préstimos mais tarde....»
Sou mesmo cínica, não é? Que é que queres? Estava curiosa, e quando eu estou curiosa, nada nem ninguém me detém!