quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O passeio com a flor de macieira


Verão de 1915
Era a terceira vez que ela estava com ele, e Kazuhiro não se decidia em dizê-lo. Gostava muito daquela rapariga humana com antepassados da família von Zaubermann. Os Von Zaubermann eram uma das famílias Alemãs mais influentes da Bellanária. Eram fidalgos, mas fidalgos a sério, com coroa e tudo! A rapariga entrara suavemente no carro dele e o jovem ficou desde logo excitado. No entanto, o seu semblante calmo não o traiu. Era uma situação já de si um pouco embaraçosa: um homem mais velho, uma jovem donzela de dezassete anos, Austríaca, com cabelos cor de trigo e uns lindos olhos cor de avelã. Ele sentiu que ela também estava nervosa, e por isso não deixou de pôr a mão na mão dela:
- Sente-se bem, Fräulein Gretel? - Perguntou, num tom delicado e gentil. - Se quiser, posso levá-la de volta até ao baronato da sua família...
- N-n-não, eu estou bem. - A jovem corou, muito vermelha, enquanto que se habituava ao calor que emanava da mão suave e carinhosa do bruxo. - É só que é a primeira vez que tenho um encontro a sério com um homem, e ainda por cima mais velho que eu...
- Não se preocupe, é a menina que decide para onde vamos. - Disse ele com um grande sorriso, ao deixar que o carro de luxo começasse a trabalhar. - Qual é o sítio que menos conhece na Bellanária?
Gretel estava só de passagem naquele Verão. Mesmo assim, queria aproveitar para conhecer melhor os sítios mais bonitos da pátria do seu pai, que era irmão do Barão Konrad Engelbert Ichirou Von Zaubermann, filho de um Ishikawa (outra família - para além da família Murakami - muito importante de feiticeiros Japoneses). Todo o exotismo daquela ilha enorme no Atlântico fascinava-a. Sentia-se sobretudo encantada pelas paisagens verdes da Floresta de Cristal.
O filho do Duque tinha-a ido buscar na fronteira da terra de Merlonogrado com o mar, no porto onde costumavam atracar muitos navios Russos.
E qual não foi o seu espanto quando se sentou à beira de Kazuhiro naquela limusina verde-escura, que tinha uma capota de pele bem resistente cor bege que combinava muito bem com o fato ocidental verde cor de cinza que o jovem bruxo usava naquela altura. Conseguiu sentir bem de perto a água de colónia dele. Ser-se filho de um dos homens mais poderosos do Império das Ilhas Bellantes - já para não falar do Duque ser um valente militar no Japão - tivesse um pouco a ver com o estilo refinado de Kazuhiro. Ela, uma filha de um homem que tinha desistido do seu título nobre para casar com uma viúva de um compositor Vienense, jamais poderia ser considerada como uma dama da alta sociedade Bellante! O que é que ele via nela?
Repentinamente, ela sentiu uma vez mais a mão enluvada do bruxo a tocar-lhe levemente na mão.
- Está a tremer, Fräulein Gretel...o que é que se passa? - A voz melíflua e cortês de Kazuhiro sussurrou no seu Alemão com um leve sotaque Japonês, que era tão agradável para os ouvidos de Gretel como uma poesia ao pequeno-almoço, numa manhã quente de Verão.
- Eu...eu acho que sentir-me-ia muito melhor se fôssemos para a floresta.
Kazuhiro, enquanto conduzia em direcção ao sul, começou a assobiar num tom doce e quase de brincadeira, uma canção Bellante, uma melodia que tinha não só um certo encanto semelhante ao dourado sedoso do pêssego, como a beleza de um violino. Os olhos de Gretel olhavam sonhadoramente para as altas e majestosas árvores do país.
Em breve, a jovem descobriu que Kazuhiro era tão falador quanto dizia que era. Contou-lhe sobre a vila de Itshaki, que ficava a uns poucos quilómetros da fronteira do ducado. Era uma vila que ficava perto do monte Yamakutlatectli, por onde nascia o Rio Gulmin, dando um ar fresco e silencioso à estrada acidentada, desenhada como se fosse uma interminável de espirais entre as colinas da fronteira do ducado. Ali, só se escutava o cantar suave dos pássaros e o vento a murmurar por entre as ervas altas dos campos. As cerejeiras ainda estavam em flor, dando ao horizonte uma tonalidade cor de rosa, mesmo que ainda fosse meio-dia. A vila era mesmo no fundo do vale, atravessando o rio como se fosse uma cidade flutuante. Ao longe, Gretel avistou um pagode Budista que devia ter centenas de anos! Era uma torre que apesar de ser velha, ainda se mantinha de pé. O rio murmurava uma antiga canção de um idioma desconhecido e exótico aos ouvidos da jovem rapariga Austríaca, e, quando Kazuhiro parou o carro, ela reparou que este não se atreveu a passar pela ponte de madeira para Itshaki.
- É uma ponte muito antiga, e o rio aqui é forte. - Ajudou-a a sair do carro com uma mão, enquanto que pegava na espada embainhada e a punha de novo a tiracolo na cintura. - Tem a certeza que fica bem com esses botins? O caminho até ao monte ainda é um pouco acidentado, não é?
Kazuhiro era um homem muito amável, mas ele estava sempre a fazer perguntas. Fazia com que ela se perguntasse a si própria se ele tivesse sido mesmo educado numa cidade Alemã. Porém, o certo é que ao ver o quão alto o monte era, Gretel ficou um pouco amedrontada com a sua saia longa e comprida.
Ele começou a tirar o fato e de um momento para o outro, já estava com uma túnica da mesma cor verde-escura e húmida, mas que o fazia mais masculino. Só aí é que ela reparou que ele estava a usar umas sandálias de madeira.
Esboçou um leve sorriso enquanto lhe dava a mão. Disse que este sítio era o preferido dele quando era um rapaz.
- O meu pai levava-me para aqui quando queria que treinássemos a sós. Isto em pleno Inverno, consegue imaginar o monte todo coberto de neve?
- Como nas montanhas em Viena? Sim. - Respondeu a jovem de longos cabelos louros, ao ajeitar o longo vestido cor de cereja.
Ao ouvir o nome da cidade de onde Gretel era, o jovem bruxo ficou um pouco surpreso.
- É de Viena? Que coincidência... Eu gostaria muito de ir até lá! Deve ser uma cidade lindíssima...
Ela sorriu meigamente, tão doce quanto uma amora acabada de apanhar. Não sabía o que havia de dizer. O sotaque crioulo daquele jovem homem era como um acorde desconhecido de um violino, suave e romântico que se espalhava no ar como uma fragrância floral, vindo ter às orelhas da jovem Gretel, acariciando-a suavemente.
Chegando à brisa quente da vila, ela reparou como todas as pessoas olhavam-na de soslaio, desconfiadas. Talvez porque a maior parte deles apenas tinham vistos pessoas de cabelos louros há centenas de anos, e essas últimas pessoas quase tinham destruído a vila de Itshaki. Estou a falar da invasão de Itshaki que tinha causado, há uma centena de anos atrás, um grande número de mortes, não só do lado dos Japoneses, como também dos Russos. Embora fosse difícil que o mais comum dos Humanos chegasse aos setenta anos naquela altura, os habitantes daquela vila ainda se lembravam do que tinha acontecido.
Obviamente, Gretel não tinha culpa nenhuma disso, mas as mulheres não deixavam de cochichar entre si quando ela passava de mão dada com o jovem filho varão do Duque Von Tifon.
Mas ela não ligou muito a isso. Sentia-se segura perto daquele homem atlético e alto.
Como se o seu longo cabelo de ouro fosse uma extensão dos campos de trigo lá no vale, Gretel tocava com as suas avelãs - incrustadas como jóias no rosto de anjo - a montanha, com as maçãs do rosto coradas.
Kazuhiro pensou que ela se assemelhava a uma flor de macieira, mais do que nunca, com o vestido cor das rosas, e o cabelo e a pele eram como a própria maçã - deliciosos e apetitosos, enquanto que ela se agasalhava com o lenço da cor das açucenas.
Ela acompanhava-o o melhor que podia nos seus botins, delicadamente, sempre com uma pose de senhora, enquanto o bruxo lhe contava mais sobre a vila de Itshaki.
- Dizem que ainda se consegue ouvir o trote dos cavalos dos já mortos senhores da Magia Negra, no topo do monte, em noites de Verão como a próxima. O brilho metálico das espadas a se encontrarem com os sabres dos guerreiros Russos, os tambores da Guerra Russo-Japonesa parecem ecoar perto das rochas no caminho para o topo deste monte... Mas é claro, a senhora não acredita em fantasmas, pois não? - Perguntou o feiticeiro Japonês enquanto a ajudava a subir o primeiro degrau ressequido pelo tempo.
Gretel estremeceu. Tinha sido educada num meio muito marcado por aquilo que é sagrado e católico, e raramente gostava de ouvir histórias macabras sobre sítios onde as corujas crocitavam e onde os morcegos tinham os seus ninhos.
Abanou fortemente a cabeça.
- Claro que não, credo! Se acreditasse, como é que acha que ficaria se visse o seu pai, mein Herr?
Para sua grande surpresa, Kazuhiro soltou uma grande e compreensível gargalhada, um pouco embaraçado.
- Pois, lá isso é verdade.
Não pensaram muito nisso, ao subirem as intermináveis escadas de pedra do monte de quatrocentos e cinquenta metros de altura.


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O falcão branco...

Para marcar o fim de mais um ano - que só espero que se prolongue por muito mais tempo - do meu blogue, decidi contar-vos - eu Tifongirl - como é o filho do Duque Adrian Demetrius von Tifon (o Duque é o avô da Jessica) , agora que já não o vejo mais como um personagem demasiado inútil para se ter perdido na selva africana em 1929 - coisa que por acaso, até aconteceu.

Ludwig Johann von Tifon- era assim que se chamava na altura em que pensei nele, naquele Verão de 2007 - era um "homem muito dado a festas e importantíssimo na Bellanária por causa do seu negócio de têxteis".

Acho que Ludwig seria o típico Alemão por excelência, cara redonda, o tom de voz era untuoso, rápido mas solene. Cabelo escasso e quase branco, um bigode louro a pender-lhe dos lábios, sempre molhados pela cerveja. Um pequeno, mas bonacheirão sorriso. Um gigante encorpado, que ainda tinha um pouco de gordura na barriga.

Nunca falei muito nele durante estes anos todos porque sempre pensei que fosse um personagem demasiado aborrecido para se falar - aliás, de camelos já estamos fartos, se é que me entendem!

Quando passei a incluir personagens Japonesas - para aí em 2008 - comecei a ver que o estereótipo é um pau de dois bicos para o escritor. Em 2010, a Lisa Kallerud (aquela amiga minha Norueguesa) reparou como Katharina - a irmã de "Ludwig" era o estereótipo da mulher Barbie, da mulher superficial que a sociedade consumista ocidental originou no pós-guerra. O que é um pouco ridículo, pois Katharina gasta demasiado numa época em que supostamente (nas primeiras décadas do século vinte) não se devia gastar muito. Acho que foi este contraste hilariante com os outros Von Tifon que cativou a minha amiga a achá-la (à Katharina, a mãe da Jessica, tão cómica). A partir de aí, foi um saltinho para que os filhos do Duque - que, como já disse em 2008, é um homem muito severo - fossem exactamente o contrário do que ele é, pelo menos na personalidade!

E a partir destas ideias - e de muitas mais - Charlotte e Katharina tornaram-se hoje em dia em das muitas personagens que dão cor ao Château von Tifon.

Em relação a Ludwig, foi preciso um raio de inspiração - e o facto de que outras personagens começaram a surgir (incluindo a mulher dele) - e muita, muita, muita pesquisa sobre actores, personalidades interessantes para descobrir o primeiro filho do Duque: Kazuhiro von Tifon. Só há poucos meses é que mudei o nome dele.

Ludwig emagreceu, tornou-se um pouco mais esbelto e elegante, o aspecto mudou de um Europeu para um eurasiático com cabelos negros e lindos olhos azuis rasgados e barba feita. Não acho que seja assim tão alto quanto o pai, mas que o Kazuhiro é alto, é. Tem um ar afável e sorridente, muito simpático.

Não é que eu tenha vista visto, mas se o visse, talvez os três sinais de nascença nas palmas das mãos e na coxa direita denunciassem - isto se estivesse nu - a família a quem pertence. Mas talvez o verbo pertencer seja demasiado forte para um homem que normalmente passa o tempo ou agarrado ao seu bloco de notas, ou atraído por um possível local onde se possa inspirar. Teria uma voz clara, nem muito grave, nem muito aguda. Ao contrário do pai, o nariz não é adunco, mas sim fino e recto. Atlético, possivelmente pelo facto de praticar o manejo da espada Japonesa e artes marciais - se bem que reluctantemente e mais por causa do pai do que por sua própria vontade - Kazuhiro tem aquele sorriso que qualquer homem nobre teria: o de um cavalheiro. Parece ter uma espécie de distinção que faz com que as pessoas adivinhem logo que é uma pessoa de boas famílias.

Fala fluentemente Inglês, Japonês, Bellante Nortenho, e Russo. O Alemão que ele fala é um crioulo do Bellante (língua que de si já é uma mistura de outras línguas, incluindo o Nahuatl dos Aztecas), Japonês e Alemão - o famoso sotaque da Cidade Perdida. É um homem das artes, especialmente da pintura e do desenho. Vejo-o perfeitamente, introspectivo, em frente dos jardins do palácio da sua família, mais claramente a olhar para as açucenas, para os jasmins e para as rosas - brancas e harmoniosas, deitado na relva, simplesmente satisfeito com a alegria de traçar com a mão caracteres Japoneses o nome da mulher que ama no céu...mesmo que tenha quarenta e tal anos!

Apesar de tudo isso, ele é um homem forte cuja cicatriz na bochecha direita é a de um dardo envenenado com a substância tóxica de uma rã sul-americana. Dá-me arrepios só de pensar que tipo de combate terá sido esse em que ele ganhou aquela cicatriz!

Pelo que vos contei, já devem ter-se apercebido que ele é muito dado a viagens, mesmo que essas mesmas viagens acabem em sarilhos! Artista, excêntrico - como a maior parte dos seus antepassados - Kazuhiro deve ser o tipo de homem que gosta de conversar com toda a gente. Podia ir para uma rua perfeitamente inacessível à maior parte dos pensadores e homens que gostam de ficar sozinhos com a sua arte, como também pode perder-se nas horas ao observar o mar.

Não se acha um génio, apenas pensa, e desenha aquilo que vê e que capta com os seus cinco sentidos, que de si, já são muito apurados. Tem um bom humour espantoso, calmo, mas também bem-disposto, com um sorriso bem posto, um bom dia sempre refinado e educado, nem muito espalhafatoso, nem frio demais.

Às senhoras, cumprimenta com um beijo na palma da mão, e aos homens com um aperto de mão suave e delicado. Tanto gosta de ouvir música clássica como jazz...também gosta da música tradicional do país natal da sua avó, embora as notas convencionais dos instrumentos Japoneses o deprimem. Prefere a cama de rede às camas normais.

Devora livros como quem está ansioso para ler - e para fazer uma teoricamente construída crítica - sobre uma nova visão do mundo.

Que mais ele quereria descobrir na obscura Bellanária da Segunda Guerra Mundial ...? Um homem que passaria assim tanto tempo no estrangeiro (e que nada sabe sobre a situação entre o Japão e a grande Ilha Bellante) seria capaz de escolher entre o seu dever e o amor que sentía por aqueles que mantiveram a sua alma como uma pura e desprovida de malícia?

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A Vida de uma Caixa de flores de Miosótis


Era uma caixa igual a todas as outras. Ninguém sabia como nem porquê que é ela, uma caixa tão singela, tinha vindo parar às mãos de um antigo coleccionador. E não digo que ela não gostasse. Talvez fosse por que ele a olhava com tanta curiosidade, que chegava a ser aflitivo. A caixa era feita de porcelana e das melhores! No entanto, só tinha custado ao homem uma moeda de cobre, que nessa altura era muito pouco para um feiticeiro como ele. A chuva caía, caía, enquanto a caixa, muda - tal como todos os objectos - era observada pelos olhos claros do seu novo dono.
Tinha uma certa graça, olhar para aquelas florzinhas cor de cobalto cujo pólen tinha sido pintado com a cor doce do mel. Apenas tinha sido moldada assim: com a forma de uma típica caixa de jóias, com folhas da cor da oliveira e miosótis a decorar uma caixa que para além do fio de ouro, não tinha lá muito de valioso. Tinha medo de se partir, porque era como uma mulher jovem e delicada. Havia uma espécie de finura no seu comportamento, sempre quieto e silencioso. Quem quer que a tivesse feito, devia ter sido com muito amor! Quando se abria, era como se houvesse um chilrear alegre quando alguém lhe tirava a tampa.
E de facto, a sua história é ainda mais curiosa quando contada, assim, a meio da noite, quando a chuva respinga nas vidraças das janelas. Estava um pouco gasta, mas não era por isso que não era bonita. Gostava de ser assim - simples, como se acabasse de ter chegado da furnaça onde a forma do vidro se torna tão rígido quanto (perdoa-me a expressão) o peito de uma mulher desenvolvida. Oh, como os Humanos outrora lhe tinham dado valor....tinham-lhe chamado preciosidade, relíquia, tesouro...Naquele momento, ao ser observada pelo dono, era só uma caixa. Portanto, achou que não tinha nada a perder a ser vendida a um feiticeiro de um estatuto tão alto como aquele bruxo. Ela já devia ter mais de cem anos, e já tinha estado em casa de muita gente. E por isso mesmo, era humilde. Já tinha experiência suficiente para saber que jamais podia sonhar tão alto como aquilo.
Enquanto o homem olhava para ela, ela também ficava curiosa. Quem seria ele? Parecia ser um homem de bem, de modos que não ficou amedrontada. Tinham-se passado dez anos dez anos depois da guerra dos Japoneses contra os Russos, e depois de tantas pilhagens, assaltos à mão armada, violações, gritos estridentes de mulheres aterrorizadas, bebés a chorarem pelas mães, a caixa sentia-se bem por ter um pouco de paz. Viva da costa, ela estava ali, ao perto de um armário de madeira de cerejeira Japonesa e de um vaso do Sul Bellante.
O bruxo chamava-se Alexei e tocava muito bem um instrumento ao qual ele chamava de alaúde. Ou pelo menos era isso o que ela apanhasse, não fosse ela porcelana feita à maneira Portuguesa. Enfim, aquela simplicidade intrigava-o bastante. Embora ela não fosse de marca, parecia ter sido feita com todo o esmero de quem é apaixonado pelo trabalho, pincelando as florezinhas, aquelas adoráveis e graciosas miosótis, com todo o cuidado e talento.
Aquela problemática guerra tinha-o feito num Kolmanatry. Mesmo assim, dinheiro não lhe faltava, e isso via-se nos seus cabelos cor de prata, fios que nem seda. Os seus olhos azuis cor de safira olhavam, como se estivessem a examinar um complicado cálculo matemático, ou uma tese qualquer de Descartes, a caixa de porcelana. E aquele objecto, que era tão simples, no entanto, tão belo, não deixava de o impressionar.
Para ela, ela estava muito bem assim. Não precisava de enfeites nenhuns nem de restauro ao mais infimo pormenor. Por isso mesmo ela ficava pasmada com tamanha curiosidade! Que teria ela de tão especial? Ela, cujo fio de ouro era uma mera camada de óleo, não achava em si digna de tanto olhar e de tanto cismo filosófico. E quem não diz que ela era merecedora de tanto elogio e cumprimento? Só acho que, por debaixo de tamanha admiração havia aquele bichinho que todos os génios - sejam eles filósofos, artistas ou artífices - têm. Era como diz o famoso provérbio: "Na necessidade prova-se a amizade..." Neste caso, foi muito mais do que uma necessidade, foi aquele tipo de encontro fortuito que só se encontra nos contos de fadas.
Mas isto, isto aconteceu assim mesmo: com a chuva a cair nas janelas do apartamento do velho e experiente Kolmanatry, e ele a ver a bonita caixa de miosótis Portuguesa. Era um desejo de querer saber de onde é que ela vinha e porquê é que era assim...tão bonita, e tão frágil na sua maneira de ser.
Dela, vinha um ligeiro perfume a baunilha. Imaginem um velho, muito velho, que, ou por uma ligeira brisa de inspiração, ou porque não mais nada que fazer, decidiu moldar em porcelana, uma caixa com a forma de uma fechadura com seis cantos, rectangular e engraçada. E com esta forma, ele pincelou uns miosótis graciosos, mas simples no seu desenho. Uma fita de ouro na tampa completava os lados amarelos, verdes e cobalto.
Parecia ter sido feita para crianças, embora não houvesse muito segredo nisso. E Alexei, que para além de filósofo e de artista, conhecia muito os vidraceiros, sentiu um pouco de nostalgia ao acariciar a caixa de porcelana com as mãos enrugadas.
- De todos os objectos que estão aqui, és o que mais me fascina. Porque serás assim? - Perguntou ele, no seu sotaque eslavo.
A caixa não respondeu, mas via-se perfeitamente que tinha corado, num gesto puramente de quem ficava muito admirado de tal louvor. O velho armário de cerejeira Japonês quase parecia ficar um pouco incomodado. Aquela caixa, tão colorida, não era feita da mesma matéria prima que a sua, e guardava coisas muito mais femininas do que aqueles que ele guardava. Contrastava profundamente com a sua velha cor desgastada e preta. No seu interior, ele ocultava antigas espadas, espólios de guerra que Alexei tinha decidido mexer desde que esta terminara.
O vaso do Sul bellante, por seu lado, tinha sido pintado com um enorme jaguar preto, e era feito de argila da cor do sangue. Tinha mais de trezentos anos. De toda a mobília com quem a pequena caixa se dava, era ele quem ela mais respeitava. E apesar de se conhecerem há muito pouco, ela gostava muito dele.
Perto do apartamento de Alexei, havia um entulho de folhas, quase gastas por causa do vento que prenunciava o Inverno, dançava ao som das mariposas que eram as donzelas que passavam, de longos cabelos dourados, na rua onde o filósofo vivia. Que pequeno delírio tinha feito o velho artista a ter escolhido, de todos os objectos que estavam naquela feira humilde e sem graça, a ela a quem - depois da guerra - nunca ninguém tinha reparado...?
Os olhos dele floriram, encantados com a prenda que tinha oferecido a si mesmo.
- Vou-te deixar aqui. Tenho de ir dormir...mas não tenhas medo, porque de manhã, eu volto.
E ele deixou-a ali, enquanto deixava que o novo e matemático relógio Russo continuasse a soar a meia-noite, num som cristalino, mas ominoso. A sala tornou-se escura, e, enquanto a fragrância de baunilha se dissipava suavemente do fino tapete cor de sangue, a caixa estremeceu, assustada. Afinal de contas, era a primeira noite que passava naquela casa estranha e desconhecida.
Não se sabe lá muito bem como é que ela lá se acostumou àquele velho apartamento do sábio tocador de alaúde. Mas a verdade é que sempre que a luz do sol irradiava da grande e única janela rectangular da sala de estar, ela já sabia que havia um pouco mais do que a escuridão a meio da noite. Mesmo antes de ir para o trabalho, o talentoso músico dedilhava no seu antigo instrumento vindo das planícies Russas, e, com aquele instrumento, a caixa conseguia ver perfeitamente os prados Alentejanos de Portugal que há tanto tempo foram uma paisagem, do fundo da janela pequenina do Artífice.
Ali, no apartamento de Alexei, ela apenas conseguia inalar o seu próprio perfume de baunilha. Havia também um baú onde o ancião guardava algumas coisas. E esse, quase nunca falava. Mas tãopouco ela se importava. Afinal de contas, ela era uma caixinha com flores de miosótis. E coisas, feitas para serem postas em quartos de senhoras finas, quase nunca se davam com mobília tão pesada! Uma secretária de madeira áspera, mas resistente, onde um candeeiro com um chapéu verde-escuro olhava sempre, servia de confidente, pois era aí onde Alexei sempre escrevía. Todos estes - e muitos mais - objectos a Caixa tinha conhecido. E no fundo, gostava muito deles, até daqueles os que nunca lhe tinham dito "bom dia, menina". Ela era feliz, porque o velho Alexei dedicava-lhe um grande amor nostálgico por ela.
Ele dizia-lhe - a partir dessa mesma manhã - que ela lhe lembrava da mulher, que o acariava nas horas distantes da sua juventude. Era com aquele perfume de baunilha que ele arranjava inspiração para escrever cartas aos seus velhos e leais amigos de São Petersburgo. Afinal de contas, ele era um homem bondoso! Embora a Caixa nunca conseguisse ver lá muito daquilo que ele escrevia, ela sabia que havia sempre um leve sorriso quando ele dedicava e lia alto:
- Para a minha querida filha Nina.
Ora, se as caixas pudessem sorrir, ela fá-lo-ia com prazer. Mas ela não passava de uma pequena caixa suave de porcelana.
Um dia - sabe-se lá porquê - mas algum dos criados ao serviço de Alexei encontrou a pequena caixa, toda rachada, partida no chão. O criado não disse palavra, nem sequer deitou a caixa para o lixo. Dizem que a inveja toma todas as formas para ferir. E quem sabe, se com uma corrente de ar, na surdina da noite, o armário não teria tido a tentação de se mexer o suficiente para que a caixinha caisse no chão...
Ao saber de tudo isto, Alexei tomou as peças que ainda restavam da donzela morta, e com um carinho de pai, ele declarou:
- A beleza está nas coisas mais insignificantes, até mesmo quando ninguém repara...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Trovi de um criminoso

Respirei o perfume de baunilha,
Que havia nos teus olhos azuis de menina,
E senti que tinha caminhado uma milha,
Quando apenas tinha esvaziado a piscina
Dos meus desejos pelo mundo!

És o meu esconderijo,
Nos teus lábios, mergulho fundo,
Bem fundo, até que finjo
Que este sofrimento não existe,
E passo passo do real ao sonho num segundo!


Oh bela visão inatingível,
Oh sentimento ardente e profundo,
Será possível,
Que faças do meu coração emperdenido e perfurado,
Uma fonte de paixão e de pecado?


Verão que está sempre comigo,
Fazes-me sentir amado,
Embora não mereça, embora seja teu inimigo,
Neste sonho romântico e imperfeito, decorado,
Com belas flores de cerejeira a cairem no chão molhado!


Dás-me tristeza e dás-me malícia,
E eu pago-te na mesma moeda, sou um templo abandonado,
E com a minha perícia,
Transformo essa insegura tristeza,
Numa excitante, embriagante certeza!

Estava a pensar nos vários casos que tive com homens - não eram mais velhos que eu, mas sim rapazes, mesmo assim, aprendi muito com eles. Pensei que podia escrever uma narrativa (uma história sobre a Jessica ou outro conto sobre a Bellanária), mas não consigo estar inspirada em outra coisa senão no amor impossível - ou melhor, o desejo carnal de um homem por uma mulher muito mais delicada e bondosa que ele...Ai, que esteréotipado e feminista! Bom, algumas vezes, eu sou demasiado feminista, mas só queria escrever um bocado para desanuviar.

Pronto... saiu isto...

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Excerto de... Possível conto


Gosto muito desta histórias - meio ficcional, meio auto-biográfico - que escrevo há anos sobre Erwin Di Gracxiushandrian. Dá-me mais força e depois ainda é curto para um dos meus livros ainda por publicar - exactamente 54 páginas.




Quando a rapariga chegou ao meu escritório, em casa, nem pude acreditar que fosse tão nova. Estava a ficar sem inspiração. São muitas vezes, influências do sul. Não que eu seja do sul. A minha família sempre foi uma que tinha relações mais com o centro da Bellanária. Mas há sempre aquela impressãozinha que eu deixo em qualquer mulher.

Tentai compreender, sensíveis leitoras bellantes: eu não sou nenhum Assassino do Amor. No entanto, as minhas próprias empregadas insistem em ignorar-me. Não estou aqui para julgar ninguém: apenas sou um mero observador dos comportamentos sociais e humanos.

Eu sou um homem de uma mulher só…! Se ao menos me compreendêsseis aquilo que bate no meu coração! Que vergonha. Já vou fazer o meu segundo centenário e quarenta anos para a próxima Primavera [1] e ainda nem sequer sou viúvo! Seja qual for a razão de estar tão alterado e, assim alterar as minhas histórias, eu sinto-o na minha própria forma de ver a vida. As mulheres, mais do que ninguém, dão por isso; vêem-no no meu olhar e põem-se a andar. Se calhar, por causa disso, quando olhei para ela, não vi uma rapariga, vi uma boa oportunidade para procriar!

Contudo, fingi uma gentil simpatia. Ela tinha-se sentado, de maneira obediente, quase sem pestanejar, no sofá que eu tinha indicado. Não queria ser rude para com ela, e, durante uns momentos, examinei-a com todo um rigor científico e lógico. Tenho sempre um sorriso sobressalente, quando sou abordado pelos camponeses e pela gentalha. A minha presença é inquietante, e sei muito bem quando a usar, no momento certo, na altura certa. Alguns dizem que sou parecido com Sharzhatzl-Ólin, ou com o Assassino do Amor.

Sempre tive um sorriso carnívoro e sarcástico, isso é verdade. Olhar directo e que consegue perfurar uma pobre alminha de mulher numa questão de minutos de conversa, e, claro, sempre gostei muito do álcool. Uso-o não só pelo prazer, mas também pela inspiração. O Rei dos Bruxos fica sempre espantado como eu aguento DEZ garrafas de vodka preto com limão sem ficar embriagado ou bêbado. É como digo. Nisso, tenho um estômago e fígado de ferro! Posso ter o aspecto e cara de um homem humano de quarenta e tal anos, mas as minhas conversas revelam que tenho um espírito de um rapaz de vinte e tal anos. Sou o primeiro a sugerir ao grupo de Magia Negra – Sua Majestade, o nosso caro Rei dos Bruxos; o velhote do Duque Rüdiger; o Abir-Klazhasmar e o grande Tipal Netzche, um feiticeiro maia muito experiente – para irmos a Cyborg Town ver “uns sítios”. Depois, claro, a minha incrível, maravilhosa, forma como seduzo as senhoras nota-se a léguas!

Sou praticamente aquele que quebra o gelo. Hoje é um daqueles dias em que estou a sofrer da minha habitual síndrome de demência insurreccional contra as severas regras bellantes de comportamento em sociedade! É aí que passo de “génio das histórias bellantes” para “maníaco que adora fazer troça do conceito do Bem e do Mal”!


[1] Erwin Di Gracxiuschandrian escreveu este pequeno conto em 1860 e publicou-o um mês antes de se saber que as tropas do Exército Japonês tinham de deixar o Norte da Bellanária. Era um pequena maneira de mostrar aos Murakami e à maior parte dos feiticeiros Japoneses que ele estava do lado deles – um pouco mentira porque Erwin Di Gracxiushandrian era um adepto da união multi-cultural entre as várias famílias de nobres e feiticeiros.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Norte moderno dos Bruxos (Parte 2)


Fiquei um pouco espantada pela minha mãe não se aperceber o quão séria a irmã mais velha soava! Mas enfim, a minha mãe sempre precisa um pouco mais que dois minutos para compreender aquilo que as outras pessoas dizem. Ou isso, ou ela estava a fingir que não entendia!

A feiticeira, pelo menos seis anos mais velha que a minha mãe, sentou-se com a maior das educações numa parte de um dos bancos que não estava molhado, e com todo o seu ar austero e trabalhador de Chinesa, perguntou:

- Onde está a Tsuna?

- A tomar banho. - Respondi.

- Ora ainda bem, que é para a gente conversar à vontade. - Comentou a feiticeira com um ar muitíssimo elegante e maduro, mas ao mesmo tempo, muito severo.

Foi então que a minha mãe percebeu que a presença da "tia" não tinha sido motivada por um ataque de saudades, ou por um caprichoso desejo de se divertir nas Ilhas Bellantes.

Com as unhas longas quase pousadas nos lábios carnudos e sensuais, a minha mãe fixou os olhos rasgados de Irene, meio nervosa.

- Aconteceu alguma coisa? - Perguntou a minha mãe, aflita.

A outra tirou por fim as luvas de algodão quente, enquanto olhava para a minha mãe como se ela fosse uma criminosa.

- Isso pergunto eu! Que história é essa de que a minha filha anda à procura do "Avô"? - A tia estava mesmo preocupada e zangada ao mesmo tempo.

A minha mãe riu-se, fingindo-se embaraçada com tal pergunta, ao acenar de forma efeminada com as mãos. Talvez com certas pessoas - muito burras, diga-se de passagem - esses truques falsos resultassem, mas não com a Sra. Plah!

- Oh! Aquela rapariga anda outra vez com pesadelos, a coitadinha! - A minha mãe dirigiu-se para mim como se eu fosse a culpada, mas pelo ar de que tinha no rosto, nem ela parecia convencida com as mentiras que contava! Apontou o dedo para mim, e fez um gesto reprovador com este. - Eu bem te disse, Jessica, que não devias contar à tua mana pequenina histórias de terror!

Mas que raio?! Franzi a sobrancelha, desiludida com o facto da minha mãe me passar a batata quente. Então a culpa daquela palerma ingénua da Tsuna andar sempre a perguntar pelo Avô Adrian é minha? Era só o que me faltava! Pedi ajuda a todas as tiradas teatrais que eu sabia de cor mas, apesar da minha última reciclagem, nada veio em meu auxílio. Limitei-me a fazer um ar espantado e exclamar:

- Eu?!

Não se podia dizer que estivesse em dia de grande inspiração para teatralidades. Mas também, diante de uma catatua de cabelo em pé e encaracolado como a minha mãe, quem é que se podia sentir inspirado fosse para o que fosse?

- Não te faças de espertinha, que eu posso viver num regime comunista, mas sei muito bem quando me querem enganar! - A Sra. Plah não estava para brincadeiras, enquanto apontava o dedo para mim. - O que é que fizeste à minha filha, sua bruxinha maldita? Desde o Dia da Magia Negra que, quando me atende o telefone ou conversa comigo ao computador...Ela não é a mesma!

- Ó Irene, quem é que aqui te quer enganar? - Perguntou a minha tia Charlotte, tentando defender-me das acusações da Sra. Plah. - Nenhuma de nós pôs um feitiço na Tsuna. Tu sabes muito bem que seríamos incapazes de fazer uma coisa dessas!

Eu suspirei, percebendo agora tudo: se o senhor Fixtanea é quem eu penso que ele é, então é muito provável que tenha induzido em sonhos à Tsuna para ela pensar que tem realmente um avô.

E embora eu gostasse muito do aspecto deslumbrante daquelas salas luxuosas, sentia que um obscuro mecenas tivera a oportunidade de dar uma data de dinheiro às pessoas que gerem o Dristin Weltar para que ele ficasse responsável pela organização da festa de Natal. Algo cheirava a esturro no meio daquilo tudo e a nossa S.P.V nem sequer estava metida ao barulho! Todas nós (a Sara, eu, a Nuo, a minha Tia Charlotte, a Senhora Roshini e a Sra. Plah) sabíamos que a S.P.V desta vez não tinha organizado o baile do Festival de Solstício de Inverno! O que me espantou ainda mais foi o facto do tal "senhor que organizara este baile fantástico" tinha oferecido treze mil Fenixinianos ao Governo para alugar o palácio! Ora bem, aquela tinha sido exactamente a mesma quantia de dinheiro que tinham roubado do Banco Britânico, em Novembro! Fiquei de boca aberta! Eu, a Sara, a Senhora Roshini, a Sra. Plah, a Tia Charlotte e o resto das outras raparigas e senhoras convidadas para a festa!

Ao encararmos a nossa Imperatriz, ela ficou com um ar de quem não tinha nada a ver com o assunto. A mulher de longos cabelos negros e olhos azuis olhou para nós como se fôssemos as culpadas e ela a vítima.

- Que é que foi? - Perguntou a Serpente de Fogo num tom muito ofendido. - Vocês não acham que eu iria mandar um palerma qualquer roubar o Banco Britânico só para que a S.P.V não ficasse mal ao ser a patrocinadora desta festa?!

- Mesmo assim, é muito estranho! - Comentou a Rainha das Fadas, com a mão no queixo. - Se não fostes vós quem mandou o roubo...então quem na Bellanária teria mais dinheiro para fazer esta festa?

A minha mãe encolheu os ombros, completamente indiferente.

- Sei lá, Vossa Senhoria! Eu também não me meto nessas coisas.

Subitamente, a Tsuna, acabada de secar o cabelo, apontou para a janela, estática que nem uma pedra! Estaria a resposta para todas as nossas perguntas naquela limusina branca antiquíssima, estacionada ao pé das portas do palácio?

Um pequeno clique fez luz na minha cabeça, ao lembrar-me daquele carro enorme e com mais de sessenta anos: aquele era o carro com que o Mestre Fixtanea tinha chegado ao nosso Château!

Sara, muito assustada, não avançou um único passo, ao contrário de Tsuna, que queria a todo o custo ver mais de perto aquele carro, que - sabe-se lá porquê - lhe parecia tão interessante.

Eu, que já estava a achar um pouco arrepiante tanta coincidência, lembrei-me de arrastar a minha irmã adoptiva para bem longe das janelas!

- Calma aí, Tsuna! - Exclamei, com uma grande força nos punhos, tentando não mostrar uma ponta de preocupação fraternal que fosse pela idiota daquela Chinesa. - Primeiro tens de responder a umas perguntas antes de ires ter com o carrinho bonito! Por é que andas tão esquisita ultimamente?

Mas a Tsuna continuava tão calada como se tivesse ficado muda! Ou se calhar, por uns momentos, tivesse perdido a memória. O olhar dela era mais vazio e branco do que um iogurte cremoso daqueles gregos que se fazem na Cidade dos Deuses. E acredita, não sabem nada bem!

- Tsuna, por favor, fala comigo! - Prontamente, a mãe da Tsuna agarrou nos braços da filha e abanou-a como se ela fosse uma boneca de trapos.

Parecia que a minha irmã mais nova estava mesmo sobre o efeito dum feitiço!

O Norte moderno dos Bruxos

Lembro-me perfeitamente de quando conheci a mãe da Tsuna, a Sra. Irene Plah. Estava a terminar de se arranjar, muito graciosa e com um sorriso nos lábios pintados de batom vermelho. «Mais outra...» Suspirei um pouco aborrecida. Mas seria que não haviam pessoas mais interessantes para se conhecer naquela festa? De cabelos negros e compridos, olhos escuros e vigilantes, a Sra. Plah vinha com um vestido de quem ia a um enterro, todo ele preto e muito elegante sem decote. No entanto, tenho de admitir que o cinto brilhante e a saia lhe davam um ar mais alegre. Chegava-lhe até aos joelhos, mas era uma coisa muito engraçada. Ela é o tipo de pessoa que tem bom-gosto e que anda sempre ou de mau-humor, ou com um pequeno sorriso snobe e confiante! É tão diferente de Tsuna!

- Tu deves ser a Jessica, com certeza. - Disse a senhora de grandes lábios vermelhos, cabelo preto todo ele muito bem arranjado, num tom muito aliviado. Parecia quase saída de um filme de Hollywood, ou da noite dos Óscares. Devia estar cansada da viagem que fizera de Macau até cá. Usava nas orelhas dois brincos prateados em forma de dragões. Tinha um cigarro segurado nas mãos enluvadas, e o ar que dava era que era uma mulher extremamente severa, mas ao mesmo tempo, sedutora.

Às vezes pergunto-me porque é que as feiticeiras são assim tão bonitas? Se calhar é para fazer inveja às comuns humanas mortais.

- Sou. - Respondi. E que outra coisa poderia eu dizer?

- Eu sou a mãe da Tsuna. - Disse a senhora de voz decidida, mas serena.

Tínhamos encontrado no corredor por mera coincidência. Fiquei sem saber o que responder (se é que aquilo requeria resposta) e a situação teria sido no mínimo ridícula, ela a olhar para cima, eu a olhar para baixo, especadas ambas à entrada do vestuário das senhoras - senão fosse a Katharina (sim! A minha mãe a ajudar-me! Cena improvável não achas?) vir em meu auxílio e já com o habitual sermão acerca dos bruxos aproveitadores a disparar da sua boca que nem um homem-canhão do Circo Moscovo de lá de Cyborg Town. Quando viu que, em vez dos malfeitores com que ela sonha a toda a hora e a todo o momento, era a sua amiga de infância que estava à porta, caiu-lhe nos braços que foi cena comovente de se ver!

- Irene! One-san! És mesmo tu, querida?! - Exclamou a minha mãe muito emocionada, que já não via a irmã mais velha há anos!

- Não estás a ver que sou? - Dizia a outra, a quem a viagem parecia ter azedado as ternuras. Embora toda a gente estranhe sempre estas demonstrações de afecto da minha mãe numa sociedade na maior parte das vezes muito recatada.

Mesmo assim, a minha mãe quase se desfazia em lágrimas, de tão contente que estava por ver a "irmã mais velha".

- Eu nem estou a acreditar que és tu, palavra de honra! - Repetia a minha mãe no meio dos abraços, quase sufocando a minha "tia emprestada" com o seu enorme cabelo louro encaracolado. - Porque é que não vens ter connosco para conhecer Sua Majestade? A Charlotte vai ficar tão feliz por te ver! Ai, que emoção!

Mesmo assim, Irene Miyu Plah não estava para brincadeiras, enquanto apagava o cigarro com um ar amargo.

- Então é bom que vás acreditando mesmo, porque o que tenho para dizer é muito sério.

Eu bem dizia que a viagem lhe tinha azedado as ternuras, mas a minha mãe quando começa a recordar-se da infância fica mais cegueta do que o Primo Hans sem óculos e só lhe dá para beijinhos, festas e meiguices sem ter fim, que é que se há-de fazer. Além do mais era uma cena patética (e pateta também, valha a verdade): as duas ali à entrada do vestuário das senhoras, nem para dentro, nem para fora, uma com um vestido elegantíssimo e luvas nas mãos, a outra com uma toalha no corpo e na cabeça.

- Ó Charlotte! - Gritou a minha mãe na sua voz irritante em Alemão. - Anda ver quem é que está aqui!

E lá veio a minha tia pendurar-se também na velha irmã:

- Olha a Miyu-chan! Que surpresa! - Ela exclamou no seu sotaque de Cidade Perdida em Alemão. Como irmã mais nova, a Charlotte tinha o direito de tratar a Irene pelo seu segundo nome Japonês.

Mas a "Miyu-chan" não parecia nos seus melhores dias. Eu cá estava mesmo à espera de a ouvir dizer como aquela mulher de uma novela Sul-coreana que eu vi na televisão: «Pouca conversa, que eu estou bera!» Claro que eu já devia saber que essas palavras não constam do vocabulário fino da Miyu-chan, por muito azeda que estivesse.

- Posso entrar, ao menos? - Disse ela em Japonês.

- Ó mana! Mas que cabeça a minha. - Desculpava-se a minha mãe a esforçar-se no seu melhor Japonês, limpando a máscara verde que tinha da cara com a toalha, muitíssimo embaraçada. Estava um pouco nervosa por estar numa situação daquelas, e com razão! A minha mãe estava com muita sorte por ainda não ter passado ali nenhum bruxo ou outro homem! Mudou para um Alemão da Cidade Perdida, que a minha mãe para outras línguas é um pouco tosca. E não admira nada! - É da surpresa de te ver aqui! Entra, mana, entra para o vestuário! Olha que disparate estarmos aqui à porta! Entra, entra, querida!

Apressei-me de imediato com o meu vestido até ao vestíbulo, enquanto carregava aquela malinha ridícula que a minha mãe me tinha dado.

- Ó tias! Mãe! - Falei em voz alta em Inglês, enquanto tentava correr com aqueles sapatos de salto-alto estúpidos. - Esperem por mim...

Ao abrir as portas, descobri que tinha um grande olho-negro por causa da palerma da Sara. «Ora bolas!» Pensei ao olhar-me ao espelho. «Agora os rapazes vão pensar que sou uma puta de um mafioso qualquer...»

É, acho que a maior parte dos aprendizes de bruxo achariam isso tentador: tentar provar o fruto proibido. Ai, ai, Bellanária, sempre cobiçada, sempre cheia de gananciosos e de bruxos malvados!

A maior parte dos rapazes Bellantes adoram a imagem de maus da fita que alguns antigos senhores da Magia Negra tinham. Músicos de metal, mafiosos dos Anos 20 e 30, motoqueiros, rappers, guerreiros antigos da segunda Grande Guerra, os Bruxos de há mais de mil anos atrás - todos esses fazem parte dos ídolos dos rapazes adolescentes bellantes. Acham que é esse o segredo para atrair raparigas: casacos de pele caríssimos, olhares intimidantes e um monte de massa! Porém, as coisas nem sempre correm como eles esperam, e alguns - como o Igor Andrysiak - acabam como guardas do Castelo Negro, sentinelas dos faróis das costas bellantes, ou outra coisa ainda mais idiota.

Agora, com apenas a ameaça dos Cyborgs da Resistência - a antiga polícia secreta que foi desmantelada nos tempos depois da Segunda Grande Guerra - não é de admirar que os rapazes da S.P.V. (a actual polícia secreta - Sagrada Polícia de Vigilância ) sejam todos uns pelintras!

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Uma pomba branca na noite





Eu já suspeitava que a “Brigada de Engraçadinhas
cor-de-rosa” tinha de ir fazer fila por causa do Thaiko Sung, que estava um
pouco entretido por não ter trazido guarda-costas e ter de tirar as suas armas
diante dos agentes da SPV e das Fadas, no grande átrio duplo que mais parecia
um templo bellante do que um palácio, com a figura de Bilafassabnsair esculpida
em mármore branco no canto superior, entre duas criaturas que eu presumi serem
um dragão Japonês e um jaguar Azteca: as duas criaturas que guardam o brasão da
família real bellante. Em cima, no
primeiro andar, estava Thaiko, a retirar uma enorme espada da bainha, enquanto
um homem encorpanzado de uniforme verde-escuro lhe inspeccionava o corpo – Não
me digam que eu também tinha de passar por aquilo!



Enquanto isso, Sumitraijin – uma jovem kappa, uma demónio
japonesa – suspirava com Nuo, ambas vestidas de lindos vestidos de seda, um
azul cor de jade com o cabelo apanhado numa trança resplandecente, a outra
cor-de-rosa, com o cabelo apanhado com uma fita dourada, na maneira do Norte da
China.



Quem é o Thaiko Sung? Um jovem feiticeiro de pai sul-coreano
e mãe Japonesa cuja família foi chacinada pela Irmandade do Tigre Azul, uma
organização secreta de bruxos Japoneses que queriam resuscitar o Assassino do
Amor ou coisa parecida. Bem, desde o fim
da guerra que este rapazolas tem sido como um ídolo! Ele não é assim tão velho quanto o meu avô,
na verdade só tem oitenta e um anos, o que é uma ninharia para um feiticeiro do
prestígio dele.



Uma vez que ele conseguiu sobreviver à guerra – e à ocupação
Japonesa, e ao Comunismo e a tudo o mais – ele tornou-se numa espécie de herói
para as raparigas bellantes, especialmente para as que descendiam de pais
orientais.



Ele é um grande amigo de Sara, mas ambos já não se vêem há
décadas. Por isso, não me admirei nada quando ele a abraçou em frente de todas
aquelas raparigas bonitas, fossem elas francesas como Spectinha, Russas, como
as filhas do anterior Rei dos Bruxos Malaghetyev, ou, como as fadinhas da
Floresta de Cristal, Nahualli.



Ele tinha um aspecto de um jovem muito novo, para aí nos
seus vinte e poucos anos, mesmo assim, o seu sorriso não desapareceu ao ver que
Sara vinha acompanhada por mim, pela Tsuna (que quase falecia de tão contente
que estava ao conhecer Thaiko Sung), e pela Serpente de Fogo.



Ele fez uma vénia formal em direcção à Imperatriz da
Bellanária, enquanto revelava as luvas de veludo azul-escuras fora da capa
branca pérola.



- Vossa Sagrada Majestade! – Ele pronunciou no seu sotaque
do Norte, num tom de respeito, enquanto acenava levemente a cabeça. – Estas não
serão a Tsuna von Tifon e Jessica von Tifon?



A Seprente de Fogo mais parecía uma árvore de natal de tão
orgulhosa que estava por esta ser uma festa organizada em sua honra. Fez um gesto exagerado com a luva lavanda de
seda, enquanto apontava para o tenente, que parecia um pouco embaraçado por ser
o alvo das atenções naquele momento.



Definitivamente, ele não era o tipo de homem que gostasse de
fazer o papel de conquistador. Mesmo assim,
as mulheres andam sempre atrás dele: um
jovem feiticeiro, influente nas altas esferas da Magia Negra, que herdou uma
fortuna da família, e ainda por cima com uma cara bonita – coisa rara num
oriental – é quase um milagre para as bruxas bellantes! Hey, são aquelas bruxas Alemãs coscuvilheiras
que dizem isso, não sou eu! Se bem que o Thaiko é um pedaço de rapaz, eu
prefiro homens mais...viris!



A Serpente de Fogo andava toda derretida por ele – pudera, o
meu primo andava nos copos nessa altura!



- Com certeza, Tenente Sung.
Meninas, este homem encantador é o Tenente Thaiko Sung da Guarda de Sua
Maléfica Majestarde, o Rei dos Bruxos.



Ele inclinou veemente a cabeça, com um ar de quem está a
fazer frete do que quem está numa festa.



- Muito prazer em conhecê-las. – Escondeu o quanto estava
aborrecido com um tom gentil e delicado.



Subitamente, uma voz fez o jovem Coreano saltar do ar:



- Hey, Thaiko! Isso são maneiras? – Igor Andrysiak, o homem
que tinha derrotado o meu padrasto, tinha um ar trocista, ao envergar o seu
velho uniforme da guarda de Kasimir Malaghetyev. – Privyet, Menina Jessica.



Eu soltei uma risada, enquanto entreguei o braço, mais
divertida, ao Kolmanatry com sotaque eslavo.



- Pensava que o senhor não queria ir a este “circo imperialista”...
– Eu comentei num tom provocador, como sempre.



O homem de um metro e setenta e cinco sorriu com um ar
brincalhão, quase como se ainda fosse uma criança. Os seus olhos azuis eram
masculinos e grandes, enquanto o corpo mentia a sua inclinação sexual. Pensei
para com os meus botões se não conseguia seduzir o coração do velho Igor. Mas não, o Igor é um daqueles homens que não
é fácil de se contentar, mesmo com os homens. Ele é homosexual, embora não se
pareça nada com um: a voz dele é grave e profunda, capaz de encantar qualquer
mulher, o sotaque é agradável, mas não dramático ou rude como o Japonês das
minhas tetravós. Ele tem umas mãos
fortes, umas mãos que já tocaram balalaica umas quinhentas vezes.



Enquanto me encaminhava para o vestuário das senhoras
através dos largos e barrocos corredores, ele olhou para mim espantado, mas
depois pousou as mãos nos bolsos, como se estivesse a remoer uma canção
qualquer que tinha esquecido no salão de música.



- Ah, a menina Jessica está deslumbrante! Você é que devia
ser a meretriz deste baile, não aquela megera opurtunista da Serpente de
Fogo. – Igor comentou ao puxar de um
cigarro, e depois formou um anel de fumo belíssimo, como se fosse uma flor
branca. – Eu vim por causa de si!



Revirei os olhos. Pois claro, um comunista extremista de
esquerda a vir a uma festa de ricaços só porque uma bruxa da segunda família
mais importante da Bellanária é uma brasa? Poupem-me. Ele provavelmente estava à procura do meu avô
para fazer pouco dele!



- Está a brincar, Igor! – Ri-me uma vez mais, num tom
sincero. Sentia pena por Igor, que, depois da morte do seu amigo Alejandro,
nunca mais fora o mesmo. Por uns momentos, a minha voz suou com um pouco de
amizade fraternal pelo bruxo eslavo. – O senhor sabe que o meu amigo Pedro
também vem?



Igor puxou de um pouco do cigarro, já mais animado. O quanto
aquele homem com uma mente dramática e poética me põe como se me tivessem
acertado com uma flecha! Quando vejo os seus olhos azuis, parece que mergulho
na magnífica e melancólica melodia do “Lago dos Cisnes”.



- O Pëotr? Que bom! Assim temos mais um camarada para nos
divertirmos. – Ele disse, na sua voz. – Sabe porque é que estou contente? Bem,
vou contar-lhe: aquele sacana do seu padrasto não conseguiu a autorização do
Rei Kazimir para vir até cá! Ninguém lhe enviou um único convite!



O bruxo ucraniano bateu uma palmada no seu próprio joelho:



- Bem que gostava de ver a cara daquele palerma.



Imaginando a cara do meu padrasto, eu senti um terrível
arrepio, e não fui só eu! Aquela cara de
bruxo de cérebro retorcido não tem piada nenhuma. Sara tremeu quando leu os
meus pensamentos. Eu sabia que aquela
suíte do baile russo não trazia lá grandes recordações à minha amiga.



Estava eu, a Sara, a
Nuo, e a Sumitraijin a dirigirmos para os vestuários das senhoras, juntamente
com o Igor. Eu confio nele, é um porreiraço!
E depois, é um dos poucos homens que diz não à Serpente de Fogo e à
minha mãe. Só isso faz com que eu diga: “Ele é um tipo que não se mete em
merdas”. E não é.



Enquanto as meninas estavam todas histéricas, a Sara
empurrou-me para perto de uma das estátuas de cabeça de leão e corpo de dragão.
Parecia muito embaraçada, mas, ao mesmo tempo, feliz.



Suspirou, com um ar sonhador. Depois, falou, num tom confidencial, mas
doce, como se estivesse a saltar de nuvem em nuvem. Provavelmente, até era
normal, estava a usar um vestido todo ele branco, com o cabelo apanhado num
caracol com uma bandolete prateada.
Mesmo assim, as suas faces coravam, como se fossem os meus sapatinhos
vermelhos e ridiculos. Ai, ai, Sara! Que
mente tão inocente que tu tens!



- Posso contar-te uma
coisa, Jessica?



- Não vejo porque não. – Encolhi os ombros, admirada. Eu já
devia estar habituada, mas tenho de admitir que fico derretida com a doçura da
rapariga. Ela parece feita de ouro quando fala dos assuntos do coração.



- O Mago da Música, aquele feiticeiro que se anda a
corresponder comigo na internet, disse que vinha ter ao baile! – Ela confessou
num fiozinho de voz, de cabeça baixa. – Estou tão nervosa! E se for uma
armadilha? E se...



Nuo forçou um sorriso, ao ouvir à socapa o princípio da
nossa conversa.



- Não vai acontecer nada, querida. Está demasiada gente para
que um bruxo malvado te quisesse raptar!



Igor acrescentou, com um tom muito seguro, numa das suas
anedotas racistas acerca de bruxos:



- E se esse princípe encantado se transformar no Duque do
País do Sol Nascente, eu dou-lhe uma bofetada nos dentes que aquele velho
jamais se vai esquecer!



Sara olhou para o amigo com os sobrolhos carregados, ao pôr
as mãos nas ancas. Ela conhece-o melhor
do que eu, mas acho que nunca deixa de ficar indignada com as “piadinhas
inofensivas” acerca dos Japoneses. Afinal de contas, a bisavó era Japonesa.



- Igor! Eu tenho a certeza que o meu Tio Adrian está bem
morto!



Eu cá não me meti na
conversa, mas parecia que a Sara estava muito triste pela maneira como os
amigos dela a olhavam.



Sumitraijin ficou envergonhada e corada, ao dizer:



- Se calhar é melhor não tocarmos no assunto esta noite. –
Depois, sorriu ligeiramente. – Para além disso, a Senhora Roshini também vai
estar cá.



Virou silenciosamente as costas a Igor, enquanto caminhava
para as portas brancas do vestuário.



Olhei para Sara, enquanto lhe tirava o véu . Ela parecia que
ia para um casamento, não para uma festa!



- Hey, não chores! – Fiquei espantada por ainda haver umas
lágrimas no canto dos olhos de uma mulher mais velha que eu. Se calhar a pureza
da Princesa Arco-íris nunca se gasta.
Conseguía cheirar o medo dela à distância. Mesmo assim, não me
aproveitei da situação. Tive de ser um pouco sincera com os meus olhos azuis. –
Não duvido que haja bruxos, mas agora é diferente.



- Como é que é diferente? – Perguntou a Sara, com as
mãozinhas nuas nos lábios. – Parece que estou a viver um sonho...e mais cedo ou
mais tarde, vai tornar-se num pesadelo!



Sorri, embora o tema que decorava as paredes à beira das
portas do vestuário não era lá grande coisa: uma pintura Japonesa do Diabo com
cornos e dentes afiados, tentando apanhar umas fadas inocentes num fundo
vermelho de veludo.



- Agora, tu tens amigos que gostam de ti e que vão
proteger-te! – As minhas mãos juntaram-se às dela, enquanto olhava para uma pequena
caixinha que ela trazia nos bolsos.



- É essa a caixa maldita? – Perguntei, nada impressionada.



E a Sara acenou com a cabeça, assustada. Pronto, agora vou
ter de contar o que é que esta caixa tem de tão especial. Esta caixa, com uma flor de lótus cravada em
madrepérola, é uma caixinha de música. Sabes, aquelas coisas muito piegas que
as senhoras tinham para se lembrarem das pessoas que amavam? Bom, acontece que
quem deu o presente à Sara foi o homem que a perseguiu durante aqueles anos
todos: o meu padrasto. Sempre que ela a abre, a ingénua pensa no homem que a
fez tanto mal, e logo tenho de lhe enxugar as lágrimas.



Perguntei porque é que ela não se livrava de uma vez por
todas daquela porcaria – e aquilo é mesmo uma porcaria, tem mais de cinquenta
anos, por amor de Deus!



Ao que ela respondeu, caisbaixa:



- Já tentei atirá-lo
para o mar, dá-lo a alguém, mas parece que volta sempre para mim. E depois, não
sei porquê, mas sempre que o abro, parece que fico encantada com a música, é
como se ele ainda estivesse, mesmo perto de mim! – Havia um brilho estranho nos
olhos negros da princesa, ao dizer aquelas palavras disparatadas.



Foi aí que eu, uma rapariga culta e de juízo, decidi dizer
esta de se tirar o chapéu:



- Cá para mim, acho que ficaste um bocadinho apaixonada pelo
tipo.



Os olhos da rapariga, mais pequena que eu, olharam para mim
como se eu tivesse dito a maior barbaridade à face da terra. Agora é
que eu tinha feito asneira da grossa: nunca se deve dizer à Sara que ela estava
apaixonada pelo meu padrasto! E eu sabia
disso, eu sabia que ela não gosta de ouvir estas coisas, que ela fica lixada
quando se diz isso, mesmo se for a brincar. Mas eu não estava a gozar com ela,
só estava a dizer a verdade!



Ainda com lágrimas nos olhos, ela olhou para mim, muito
chateada, e explodiu:



- Se queres que te diga, Jessica, eu jamais iria amar um
homem como ele!



E fechou-me a porta na cara, abruptamente. Pobre Sara, acho
que não devia ter dito uma coisa dessas...



É só porque, nessa altura, a Katharina – a minha mãe –
estava perdidamente apaixonada por ele, a mãe da Serpente de Fogo também...porque
é que a Sara não haveria de estar? Ah, sim, porque ela é a Princesa Arco-íris.
Coisas como apaixonar-se por Nazis não acontecem a uma princesa sagrada!



Deve ser por causa das pessoas que ela não gosta de o
admitir. Toda aquela pressão, o facto de ser considerada uma mulher “pura” deve
ser esgotante. Que coisa mais estúpida!



Bem, de qualquer maneira, acho que, se bem conheço a Sara,
ela nunca se apaixonaria por um homem daqueles. Não, não a Sara jamais faria
uma coisa dessas.





quinta-feira, 9 de junho de 2011

História nos rolos de Pergaminho



Canção de amor bellante dedicado a uma jovem bruxa de origens mais nobres que a do autor , ano de 1339 depois de cristo.
O século catorze, caracterizado pela paz entre Norte (ocupado maioritamente pelos Japoneses e Chineses) e pelo Sul (Aztecas e Árabes), deu início a uma série de troca entre culturas e classes. Foi uma época de paz, com o Rei dos Bruxos Gelrar I (de origem árabe).

Apesar de não haver histórias excitantes sobre bruxos ou feiticeiros, o Reinado de Gelrar trouxe a poesia a todos os Bellantes.

A palavra escrita, cantada ou declamada, era arte sagrada, e começou a formar-se um estilo de caracteres únicos para o alfabeto bellante.

As mulheres - mais as bruxas que as outras mulheres de classes inferiores - começaram a tatuar as costas com os poemas que os seus amados lhes dedicavam.

Era um sinal de verdadeiro amor - e serventia. As cantigas de amor bellantes ilustram muito o que os humanos ficavam encantados pelas princesas e donzelas, filhas e senhoras da Magia Negra.







Por Ziloni Quetzal (Pássaro Amarelo)



Mulher bellante,



Mulher de pele dourada, de mármore ou de chocolate,



Sois mistério, sois um desfiladeiro, sois o empate,



Entre todas estas imagens, se debate o amante,



E, ei-la, deusa, feiticeira, princesa,



Ei-la, a que distribui as cartas na mesa,



A confundi-lo, e a todos a quem mostra o seu riquíssimo vestido!







Mulher bellante,



Serão esses longos cachos de cabelos encaracolados uma divina visão,



Ou uma armadilha para esconder, atrás das saias de seda,



Uma espada mergulhada em sangue?



Ou apenas a certeza de poder tocar a vossa delicada mão,



Mulher enigmática, letal, poderosa Atena!



Estou emaranhado nas tranças dela, e por mim, a minha dona sente pena!











Mulher bellante,



Que escondeis vós por detrás desse véu?



Cortina púrpura de uma personalidade graciosa,



Serei capaz de descobrir a branca garça a voar no céu,



Daqueles belos olhos azuis, safiras polidas, incrustadas em pele maravilhosa,



Ou sereis mais uma dessas raposas que aponta uma adaga



No coração de qualquer incauto homem, sereis uma venenosa baga?











Mulher bellante,



Princesa que fez-me cair neste labirinto,



Que desejeis que eu cante?



Lábios rosados de flor de lótus ensanguentada,



Eu juro que não vos minto!



Aqui prosto-me, de joelhos e a tocar o chão, perante a minha senhora honrada,



Rainha, dá-me a tua mão sem anel, exangue, para só a vós pertencer!




http://http//pt.wikipedia.org/wiki/Trovadorismo#A_cantiga_de_amor