domingo, 23 de dezembro de 2007

Duas caras numa Bruxa (Parte II)

Tinha de ceder à cruel e irónica verdade: a maldade e luxúria estavam-me nos genes da família. Finalmente ia ter o que todas as raparigas tinham: um namorado, e jamais, jamais, iam gozar por eu ser uma fria e “bruxa feia com cara de centopeia” como faziam quando andava na escola. Pré-primária, 1º ciclo, 2ºciclo, 3º....Todos os anos era sempre a mesma coisa. Por causa dos meus poderes ainda estarem a se desenvolver, eu não os conseguia controlar, nem fazia a mínima ideia do que era.
Mas agora sei o que sou, e nada nem ninguém me impedirá para ter o meu final feliz com o meu princípe encantado.
Ao pensar nestas coisas, ri-me alto a bom rir, e comentei, quando deixei os portões abertos da minha casa atrás de mim:
- Que tolo que o Nälden foi.....
Mal ia dizer outra coisa, uma voz, tão arrepiante e frígida como uma assombração vinda do Além, deu uma estridente gargalhada com sotaque alemão:
- A única tola que vejo aqui é a menina, Fräulein Jessica!
Quando me virei assustada e amarela para o já distante Château e tentei abrir, de sobressalto os portões, reparei que estavam fechados à chave...!
Suspirei aliviada, provavelmente fora o estúpido do Nälden a pregar-me mais uma das suas graçolas idiotas. Seria...?
Com os meus feitiços e poções preparados caso o Diabo viesse a tecê-las, olhei para todos os lados com um semblante de bravura.
Quem quer que fosse aquela pessoa, teria de lidar comigo, sim! Porque eu sou muito corajosa quando é preciso....
Meio nervosa, meio com um pouco de coragem, com a carne fria e pálida, retirei da minha cintura, escondida, uma adaga mágica letal e empunhei-a, a observar atentamente apenas a silenciosa e calma noite de Inverno, com o meu casaco de pele azul-escuro de urso super quente.
Subitamente, ouviram-se risadas fininhas e atrevidas de três mulheres, meio a chorar, meio pérfidas perto da fonte onde as três amantes do meu tetrabisavô (Aiuki, Aokai, e Auni) tinham sido mortas.
- Quem....Quem...Quem está aí? – Perguntei com grande receio. – Fantasmas das minhas tetrabisavós, sois vós que fizestes a imitação da voz do meu padrasto?
Tal como eu previ, as três tétricas raparigas orientais da minha idade com robes brancos e quase não se vendo os pés, apareceram, com um vento gelado muito forte.
Sorrindo para mim, elas, em vez de me assustarem, ajoelharam-se respeitosamente, rodeando-me.
- Linda filha nossa, trataste-nos como se fôssemos da família – Disse Aiuki, a mais velha, de dezoito anos. – Por isso, não te faremos mal....
- Pelo contrário! – Continuou Aokai, de dezasseis – De facto, até te ajudaremos para conquistar o amor da tua vida....
- Como sabemos que o Amor e o Bem são as únicas coisas que podem vencer a Morte e o Mal..... – Concluiu Auni, de apenas dez anos.
Interrompendo-as, e, mais calma, mas com muito frio, com a presença fantasmagórica das almas penadas, tentei um pequeno sorriso e murmurei baixo:
- Sim, sim! Minhas queridas e sábias avós, sei! Porém, foram vocês que fizeram aquilo?
As três fantasmas ficaram de pé a olhar para mim, com um olhar vazio e disseram em conjunto nas vozes lacrimosas e soluçantes:
- O quê, filha nossa? Não! Não fomos nós! Realmente, pressentimos há poucos instantes uma alma negra a invocar uma magia infernal, um inimigo antigo de Neptuno, mas nada mais te poderemos revelar, querida filha....
Com isto, desapareceram numa neblina espessa para nunca mais voltar....Deviam ter ido para o local onde os seus restos mortais jazem, ou seja, aquela fonte perto da nossa casa.
Se não tinham sido elas, então quem seria...? Talvez outra vez o meu padrasto....oh não....!
Com aquilo tudo, quase me esquecia que o táxi de Pedro já estava a chegar, e, mal tive tempo de pensar naquelas coisas más todas, quando escutei uma buzinadela que me acordou daqueles lugúbres e sinistros pesadelos.
Para o meu agrado, ele gritou, num tom alegre e ingénuo:
- Vá lá, Jessica! Vais ficar aí parada a noite inteira?
Ainda chocada e pálida por ver com os meus olhos as fantasmas das amantes do meu tetrabisavô, tentei responder num tom que considerava normal:
- Está bem, já vou! Não tenhas pressa.
Assim, apressei-me para entrar no assento de trás, mesmo ao lado do meu querido amigo, e antes de o motorista cyborg pregar a fundo para saírmos daquele sítio horrível, fiz o sinal da cruz, muito preocupada, com medo de aquelas jovens amaldiçoadas voltarem outra vez....Pior, que a voz do meu Padrasto me voltasse a assombrar!