quinta-feira, 31 de maio de 2007

"Quando há Incanto, há Cidade dos Deuses"


À tarde, decidimos encontrarmo-nos na Cidade dos Deuses para abrir em conjunto os envelopezinhos, para se caso algum deles estivesse envenenado, logo saberíamos que aqueles bruxos estariam a planear um rapto!
Só quero acrescentar uma pequena coisa: podes achar estranho uma inglesa da minha idade, que vivia em Londres, uma cidade em que 80% da população é fumadora, é só que acho que já está fora de moda fumar cigarros, para além disso é prejudicial e pode mesmo matar.
Certamente que os certos e bons Cybrorgs fumam menos maços que os rebeldes, no entanto elegantes Bruxos, pois o Nälden e o Primo Coutinho estão sempre com um cigarro na ponta dos lábios. Mas o pior é que na Cidade dos Deuses existe um sinistro edifício, menos alto que o Anel da Serpente, ligado à indústria dos cigarritos misturados com hortelâ-pimenta queimada. Passa-se por ele logo que entramos na cidade pela estação de metro, e ao vermos, faz lembrar uma gigante fábrica de morte, se é que me estás a compreender. O seu nome? “Incanto Inc. Building.”
Uma enorme fábrica, de dez andares – chegando a atingir os cinquenta metros de altura na pirâmide do escritório do director e chefão de toda a indústria, mesmo no meio do monstro de metal negro de aço puro, misturado com outros materiais – perpendicular, Simples na publicidade, no entanto, sedutora na banda sonora machista da propaganda, tanto na rádio como na televisão ou na cyber-teia global mágica , a “maravilhosa” marca Incanto é a nº 1 de toda a Dimensão Mágica em tabaco com hortelâ-pimenta, e isto porque o seu slogan (“Incanto Perpentranto”, que em Atlante significa Encanto Penentrante, que cinicamente significa que o tabaco penetra como que um feitiço pelas narinas e nunca nos livramos dele, é mais ou menos a versão atlante do famoso “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, da Coca-Cola, mas em vez de ser escrita pelo genial Fernando Pessoa, foi inventada pelo misterioso fundador e inventor anónimo dos cigarritos hortelâ-pimenta Incanto) é tão atraente para os clientes, como para novatos como fumadores habituais, que jamais os pobres coitados deixam de fumar aquela porcaria. A sério irrita-me tanto não sabermos quem foi o espertalhão piolhento que arranjou forma de ganhar dinheiro à custa dos pulmões dos outros. Primeiro porque o Menswuer Incanto, ou o Sr. Encanto, em Português – como lhe chamavam os seus empregados – nunca era visto absolutamente por ninguém, jamais se mostrava em público, não se conhecía a sua classe, e como único amigo e leal confidente que tinha era o Almirante Euncätzio, diz-se que os dois eram a mesma pessoa, e que Euncätzio, conhecido pelos Cyborgs como “O Diabo das Máscaras” devido à sua estranha e bizarra dupla personalidade, tinha criado o cigarro com hortelâ-pimenta pelo infernal prazer de observar os seus clientes cyborgs a morrerem sem oxigénio algum por não conseguirem sequer inalar mais do que um maço do perigoso tabaco, através da janela do seu “castelo negro”, na “Pirâmide do Mal”, sorrindo maldosamente enquanto fumava a sua forma dolorosa e longa de morrer. E pensar que este edifício era a antiga fábrica de doces e pastelaria do Homem dos Doces, ou seja, o doce Conde Dark Sword! Eh, eh, eh…
A sério, antes de se ter tornado num cyborg e ser banido, o Dark Sword era um autêntico homem, melhor dizendo, um mulherengo, nessa altura, …É melhor contar a história da Cidade dos Deuses:


Desde nova, a Eris, a deusa grega do Caos, de vinte e sete anos, uma feiticeira branca nada inocente, fazia-se a todos os homens que via. Cabelos longos pretos que ondulavam á medida, aspecto exótico, uma rockeira muito rebelde – sim, e pensavas tu que o Rock era do século vinte! – Ora, acontece que nessa altura, não existiam nada de Bruxos, ou Cyborgs, ou Demónios, sim, isto foi há vinte e cinco mil anos atrás. Só anjinhos…O problema é que o jovem conde e o jovem aprendiz a bruxo estavam de olhos postos na insensata rapariga. Euncäztio era o godo mais belo de toda Atlântida, um anjo caído do céu, que as mulheres idolatravam e caíam aos seus pés, talentoso com a harpa, uma voz linda que cantava os Salmos de cor, o visigodo era o “homem perfeito” para qualquer mulher, encantador. O rapaz godo de vinte e cinco anos tornou-se tão perverso que decidiu preparar um encontro e acendeu velas no seu escritório, bom, resumindo e concluindo, fez o que podia para a conquistar, completamente apaixonado, mas de verdade. No entanto, Eris só tinha olhos para um único homem: o conde Dark Sword, e desde miúdos que brincavam juntos; para além disso, o diabólico fascínio de Euncätzio pela Música Negra e pelos gases tóxicos e pelas drogas, levaram-na a recusá-lo, dando-lhe uma “estalada” tão forte no rosto do arrogante bruxo que este nunca mais pensasse em casamento com a deusa. Partindo o coração do seu odiado admirador, e fechando o coração do dito-cujo numa caixa de ferro, e pondo-o de volta no seu dono, esta transformou-o num monstro como castigo pela maldade e pecados do homem: rejeitado pelo seu amor, aumentou o nível de monóxido de carbono no seu sangue de tal maneira com um encantamento tão poderoso e inprevisível, que, segundo conta a lenda, a partir de aí, o bem colocado bruxo decidiu vingar-se de todas as mulheres, tornando-se repugnante, o homem godo mais feio à face de toda a Dimensão Mágica, com um nariz de falcão longo e magro que chegava-lhe aos lábios grossos, olhos penetrantes como a cobra que tentou a pura Eva, uma voz falsette horrível e vinda do mais profundo canto dos Infernos, e cabelo louro fino que lhe chegava aos pés, o homem mais bonito tornou-se na versão atlante de Satanás! Um castigo terrível, no qual este tinha de matar todas as malvadas e impuros que não seguiam o caminho do bem, Euncätzio era o Diabo atlante, mas não era nada comparado com o Mal Supremo, ou seja, o flagelo de todos os flagelos, o Tsesustan. Tsesustan, o Mal Supremo, acolheu o inexperiente bruxo nos seus braços e levou-o para a A Escuridão Infinita – mais ou menos a Fronteira actual – onde este desapareceu até hoje, e dizem que morreu…Ou será que não?
Enquanto isso, Eris e Dark Sword fundaram uma cidade onde todos os males fossem esquecidos através do entretenimento para as mulheres com o consumismo, os doces e guloseimas para as crianças, e o amor verdadeiro para os homens. Esta linda e feliz cidade foi chamada por Cidade dos Deuses, e que a única coisa má que havia eram as ruínas da já destruída Incanto Building após a Guerra Civil. Duvidosos com que haviam de fazer com aquela horrorosa recordação de dias tão negros, deixaram ficar a apodrecer o edifício até que este ficasse cheio de bolor e finalmente fosse demolido. Infelizmente, não foi isso que aconteceu, e, precisamente quando aconteceu o Crash da respeitada Bolsa de New York, a nefasta fábrica reconstrui-se a ela própria, como se esperasse por imenso tempo o seu querido dono e accionista. Mas Menswer Incanto não voltou para o seu gabinete, e agora a empresa só funciona apenas pelo investimento e publicidade da Serpente de Fogo. Aqui tens como a Incanto influenciou a Cidade dos Deuses, aliás, custa-me a dizer que sem aquele estúpido tabaco, apenas haveria praia e a costa da Atlântida, porque isto é a zona costeira da Atlântida.
E aqui tens a forma como a Cidade dos Deuses foi construída. É maravilhoso aprender acerca dos sítios da nossa pátria, não achas?





Essa enorme superfície comercial, com um cinema perto chamado “Cristal Visual”, com as melhores salas e pipocas de toda a Atlântida, uns gelados do outro mundo, com um ambiente espectacular, e que é um sítio perfeito para se fazer marmelada.
Fica na Hullivert Plitz, uma simpática praça no centro da região da Cidade dos Deuses, que é a zona de compras onde se gasta o dinheiro em roupas; calçado; perfumes; maquilhagem; productos para beleza; ora bem, de tudo o que seja para mulheres, portanto, não há nem um único bruxo ou cyborg por perto. A não ser que queira comprar um presentinho para a sua querida. A referida praça tem, para além do cinema, uns restaurantes e uns cafés muito baratinhos, que não passam dos trinta euros na conta.
O que é fantástico para uma certa pessoa que ficou com a mesada cortada e as notas altíssima a valerem zero desde que fez a pequena asneira de fazer marmelada com um dado cyborg infantilóide. Tínhamos combinado ir todas lanchar numa simpática espelunca japonesa dirigida por demónios chamada “Samurai dourado”, cujo único menu disponível para o nosso dinheiro era sushi com creme de limão e chocolate a ferver, juntamente com chá preto azedo. Nunca mais peço uma opinião da Junnifer quanto a sítios para irmos tomar qualquer coisinha.
Ao deitarmos a língua de fora para a lula espetada com agulhas finíssimas de tortura que os bruxos costumam usar, mergulhada num aquário parecía ser a panela para nós tirarmos os pedacinhos da lula com as agulhas, o demónio gordo com chifres de carneiro e pele vermelha sorriu muito satisfeito, esperando receber uma gorjeta. Como estava enganado.
- Comam, babes. Isto também não é a merda do “O Cavalheiro”, mas aqui pelo menos sabem que não estão a ser tramadas. – Disse num vozeirão grosso e malcriado, a limpar as mãos ao avental, e ajeitando a touca para não ficar com o cabelo castanho limpo, mas sim cheio de gordura. – São cinco euros por cada agulha tirada, sim, bebés?
Ao sair da nossa frente, o demónio afasou-se, e começou a andar em passos lentos, dirigindo-se para a cozinha obscura das portas do interior do restaurante.
Só tirámos um pedaço de lula cada uma, e contentámo-nos com esse pequeno pedaço, uma vez que o animal inteiro são cinquenta euros, e havia, senão me engano, vinte e cinco pedaços, deveriam ser dez euros por cada pedaço, mas acho que o empregado de vinte anos não resistiu a dar-nos um desconto por sermos lindas.
Quando levei à lingua a pata molhada da lula, sabeu-me a algo doce e um pouco ácido, mas simplesmente divinal. E, sorrindo, muito feliz por termos ido ao restaurante de cozinha japonesa barato, disse:
- Que tal ser eu a primeira a ler o que tem no envelope?
As outras cinco concordaram comigo, e acenaram as cabeças, também provando os seus pedaços de lulas, comendo-os até ao fim com as agulhas.
Agora é que íamos ver se aqueles eram cães que ladravam mas não mordiam, queria ver um gangzito de rapazes que não faziam mal a ninguém poderiam ser bruxos verdadeiros, daqueles que se vê nos écrâns do Cristal Visual, a preto e a branco. Algumas vezes, o Nälden traz do Cristal Visual uns dvd’s – sim, porque aquele cinema também tem um clube de aluguer de cassetes de vídeo e de discos de dvd – com filmes da altura que os galâs e os bruxos vestiam fato completo e colete, faziam risco ao lado, usavam bigode ou tinham a barba bem feita e punham muita brilhantina no cabelo. Até me lembro, de quando a mulher linda teve de deixar o soldadinho da Resistência porque era perigoso ficar ali com o assassino procurado que tinha morto o oficial nazi, que despedia dele colocando os braços no pescoço dele e beijando levemente e rápido os lábios heróicos do valente paraquedista por uns breves minutos e, nada mais, nem palavras nem choros, apenas uma promessa que ele jamais deixaria que os Alemães fariam mal á pobre da jovem. No fim, só se via a perseguição e represálias por causa da morte do alto oficial nazi e a campanha americana contra os Alemães, e, os créditos finais muito desconfortáveis com um padrão de forcas penduradas e umas letras no meio a dizer “The End”, com um violino a tocar uma melodia triste e dramática como música de fundo.
- Já não se fazem filmes como este – Diz sempre o Nälden.
A Tsuna não diz nada, mas passa o filme todo a fungar, a fungar, que mete dó por causa do tal povo oprimido pelo “Carrasco”, como é apelidado o alto oficial encarregue de organizar o terror no tal país com um nome que começa por “ch”.
Nem ela pensava que o louco vilão, baseava-se numa história real, que se ligaria brevemente com o nosso destino enquanto orfâs e sem pai nem mãe…
Depois do filme, lá estava ela a dizer em plenos pulmões:
- O homem não tem alma, não tinha alma sequer nenhuma! Tinha-a vendido ao Diabo! Se o conhecesse, certamente que escaparia daquelas garras! Ai, ó Jessica! Não me digas que o nosso padrasto era assim…
E lá a acalmo, abraçando-a, e dando palmadinhas nas costas, a dizer:
- Calma lá! O homem já morreu! Já bateu a bota, percebes? Afinal era só um filme, ora! Se não tens medo do Fantasma da Ópera e da bruxa da Branca de Neve, porquê ter medo do Carrasco?
Voltando à realidade, ao abrir o envelope, vi logo que era um convite dirigido a todas nós as seis.
Timbrado com um selo com a porcaria da figura da Serpente de Fogo num lindo póster pronográfico, num estado deplorável amaçados com montes de restos de pastilha-elástica e cheiro a tabaco, que dizia:












Saudações de todos nós, nossas belas!

O glorioso Dia das Magias Negras está breve, e acontece que nós tivemos a congratulada sorte de receber uns bilhetes para a melhor e maior festa de toda a Atlântida em Cyborg Town.
Vai ter lugar n’O Anel da Serpente, na Praça Principal, nº 1313, sexto piso, no salão de festas com uma vista espectacular e deveras romântica para doze jovens passarem uma noite derradeira e aterradora do Dia das Magias Negras! O anfitreão é, obviamente, o fantástico Mestre Rewbertan Samuel Tristan Euncätzio, que nos deu pessoalmente a permissão de escolher seis encantadoras damas para nós a acompanharmos no Dia das Magias Negras.
Não faltem! Se recusarem, não comam a lula do Samurai Dourado, que pertence ao Mestre.

Os nossos melhores respeitos…


Aí é que ficámos de boca aberta e queixo caído, sem vontade de comermos mais, deixámos o dinheiro ao pé da conta, e saímos daquele sítio o mais depressa que pudemos, dando corda aos sapatos de salto alto, gritando histéricamente como doidas por toda a Cidade dos Deuses.
A isto é que se chama fazer uma surpresa muito desagradável, não achas? Mas…que raio é o Dia das Magias Negras…? E as nossas espinhas estavam congeladas só de terem ouvido a minha voz a dizer mais ou menos que o Assassino do Amor ainda estava vivo, e ele seria aquele bruxo que visitou o Château e dormiu ontem à ontem…?
Como é que seis rapazes da idade deles podem pregar uma partida de morrer de susto, com a pele mais branca do que cal?!
Ainda com pele de galinha no metro, e a tremer, algumas de nós completamente traumatizadas, desejando nunca terem conhecido aquele gang de bruxos aprendizes, e ao vê-las todas cheias de medo, suspirei com desdenho, e, exceptuando a Sara, que estava a rir-se, um sorriso de compaixão pelas outras quatro com os ombros encolhidos, como se dissesse “Homens!” Decidi tomar a corajosa decisão de pegar nos envelopes desprezadamente com as mãos , abrindo a janela com a outra mão sem se querer, com um sorriso sádico, e atirando-os para fora. Queria acabar com aquela fantochada daqueles rufias de terceira categoria, nem que isso significasse tomar medidas drásticas, por isso é que pensei se deitasse a papelada fora,talvez elas se reompusessem e ficassem mais…normais.
- Oops! – Comentei sarcásticamente. – Lá se foi a noite romântica do tal Dia das não-sei-das-quantas! Aqueles palermas vão-se arrepender de me terem conhecido quando eu lhes puser as unhas em cima!
Ao verem que eu tinha deitado fora os convites, as outras – excepto a Sara – olharam para mim com ares incrimnatórios, muito irritadas, como se eu tivesse recusado um convite dos Blue para irem a uma festa, e não de um grupo de rapazes ranhosos de dezoito anos!
- O que fizeste, Jessica?! – Exclamou a Junnifer a olhar desesperada para a janela com os olhos muito abertos, num tom quase a chorar, vendo os envelopes a esvoaçar no meio da estrada lá fora. – Sabes ao menos o que é a gente ter a lotaria ganha de sermos convidadas para a festa do Assassino do Amor no dia mais luxuoso e fixe de toda a Atlântida, o Dia da Magia Negra, que é o equivalente ao Dia das Bruxas aqui na Dimensão Mágica?!
Aquilo de encontrar um bruxo bonito e ser fodida por ele está a ser levado sério demais, quer dizer, há muitos outros tipos podres de bons no Palácio das Reuniões.
A Sara, encolhendo os ombros mais uma vez os ombros e lendo a sua revista cor-de-rosa, comentou:
- Ora! Não acho que devessemos estar focadas nos malvados dos Bruxos. Há homens muito mais bonitos do que gigantes louros cínicos e arrogantes com narizes curvos de falcão e perversos!
A Maria lançou-lhe um olhar cúmplice, e rindo-se baixinho, disse num tom trocista:
- Não te estás a referir ao…Ao… Ao…Àquele-que-não-pudemos-dizer-o-nome-senão- tu-ficas-com-pele-de-galinha-e-a-dizer-“ele-era-o-meu-anjo”-repetidamente-numa- espécie-de-transe, não é?
Ora, o Nälden, está sempre a dizer-me «O seu padrasto é um anjo, fofura de menina, … um anjo…», com aquele ar de estar a olhar para a Virgem Maria ou coisas do além, com aquela voz fininha de maricas idiota, com os olhos azuis a brilharem de êxtase, ou algo do género, quando lhe falo em segredo acerca do bruxo que me anda a perseguir, e ele fica tão babado quando fala acerca disso! Que estúpido, deve ser o bronco dos broncos à face de toda a Alemanha! Mais burro do que ele só o Hans, esse é que o verdadeiro protótipo do idiota alemão: dentes de cima tortos, olhos azuis ingénuos e muitos risonhos, tipo palhaço, ri-se com uma voz ainda não mudada aos dezanove anos, o que faz o primo sempre lhe chamar “Mein kleine Schwester” , porque o Hans pode não ser amaricado, mas a sua voz é simplesmente de uma menina quando grita.
De repente, a nossa colega ficou tão vermelha quanto um tomate, depois, na última paragem, foi-se embora a correr, sem saber o que dizer daquela indirecta, e, com as lágrimas no rosto, disse, com a carteira no braço:
- Desculpem, meninas. Não quero falar desse…Desse…Desse…Desse bruxo! Não contem comigo na festa. Vou-me embora.
Compreendo-a, afinal, ter um homem que nos estragou o passado durante vários anos é algo terrível, e ninguém sabe-o melhor do que eu. Não ter família é igualmente uma coisa que eu conheco muito bem. Pobre Sara, porque é que os Bruxos estão sempre a complicar-nos a vida…? Porquê…? Sempre que conseguimos apagar da memória o meu padrasto, ele aparece para nos assombrar mais uma vez, e lá estamos nós, mulheres a chorar, por causa dos bruxos insensíveis!
Na verdade, até nos divertimos imenso no Samurai Dourado, e se não fossem aquelas cartas envenenadas, aquelas lulas tinham outro sabor. Um dia, ele terá de dar a cara, e nesse dia, vou dar-lhe das poucas e boas àquele horrorroso! Ai se vou!
Sabes que mais…? Se fosse possível, até rasgava as cartas aos pedacinhos, queimava-as, e lançava-as para o fim do mundo, para que jamais as descobrisse. Tentamos permanecer de cabeça erguida e com um sorriso no rosto, mas aqueles bruxos com língua viperina continuam a deitar-nos por terra! Estou farta!
Ao chegar a casa, a tempo de ainda fazer os TPC’s, e ir ajudar a Spectinha a fazer o jantar, vi o Coutinho, o Horus, o Fritz e o Skánvasse, o Hans e o Nälden muito espantados com a minha fúria e frieza quando lhes olhei com desprezo ao abrir a porta do meu quarto.
É claro que eles não têm culpa, são bons bruxos, agora aquele nojento…Se o apanhar nem sei o que lhe faço!
Magoou-me a mim, à Sara, e por fim à minha mãe, já não quero ouvir mais falar dele! Que fique enterrado para todo o sempre no “Limbo dos Espelhos”, e que se torne em pó que lhe cobre as botas!
Na hora de deitar, em vez de me cruzar com Nälden no corredor, foi o Primo Coutinho que encontrei, e com olhos ternos, baixou a sua cabeça para falar comigo.
- Então, Jessica? – Perguntou-me. – Que mau aspecto é esse?! Devias estarr contente e feliz porr irres ao baile de um brruxo tão conceituado e respeitado como…
Mas não respondi, apenas acelarei o passo, com lágrimas no rosto, lábios secos, e cabelo despenteado, para o meu refúgio, para o meu quarto, não queria saber da preocupação do meu primo nem de ninguém para nada. Atirei-me à cama, chorando copiosamente, com os colchões cor-de-rosa sobre a cara, e, pondo a cara completamente no estado de “deprimida”, virei-me para de barriga para cima, e liguei o leitor de cd’s para o máximo, para ouvir música religiosa super deprimente.
Já fiz isto mais de mil vezes, e sempre que estou triste, ponho a música no máximo, e nucna se queixaram.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

O convite de gigantes...

Quanto à escola – que isto de falar de coisas tristes não é lá muito fixe para o nosso espírito – tivemos um fantástico duelo entre mim e a Sara. Outra vez, e, como sempre, ficámos empatadas. Se queres que te diga, nós, as mulheres, não damos lá muita importância à comcorrência na guerra e nos jogos, mas quando se trata de homens, até se estala o verniz! Mas como se diz cá na Atlântida: “Ganha a amizade do adversário, aparecimento de um cyborg na casa de um bruxo quando este faz o aniversário!” Ou seja: a igualdade nunca fez mal a ninguém. As médias estão espectaculares cá em mim e na Sara. Portanto, não temos razões nenhumas para discutir.
O problema é que, enquanto estávamos a tomar o almoço, como fazemos todos os dias na cantina, veio um gang de bruxos para aí com dezoito e dezanove anos para a nossa mesa, e é engraçado, pois estes rufias com os cabelos espetados com gel até às orelhas e sem maneiras – ao contrário dos bruxos mais velhos – não costumam ir almoçar a sítios tão “insignificantes e sem categoria nenhuma” como eles o classificam, não senhor! Suas Senhorias preferem ir “Ao Cavalheiro” ou ao Anel da Serpente para tomarem as suas sagradas refeições. Eram um grupo de seis ou sete musculados e altos como sei lá o quê, fumando sem ligarem às regras de que era proíbido fumar no Palácio das Reuniões.
Com as correntes de metal, girando, pondo os chicotes de pele preta na mesa, tirando as gabardinas de cabedal, e sorrindo para mim, para a Junnifer, para a Sara, para a Patrícia, e para a Maria, sorrindo sadicamente.
- Eis que chegámos ao lugar das damas, rapazes. – Disse um pondo o braço sobre Maria, que logo lhe deu a mão a torcer. – E são fortes, pelo que vejo. Elas não precisam de Maybelline pois já são rainhas da festa!
Que inoportunos! Embora estivessem impressionados pela nossa beleza, também estavam igualmente com más intenções.
Não há nada mais irritante que um melga magricela louro burro que não sabe quando desistir, valha-nos Deus!
- Pronto, eu fico com a chinesinha e vós podeis escolher a que mais vos convém, meus caros rapazes. – Disse outro aproximando os seus lábios e fechando os olhos para molestamente beijar a pobre coitada da Junnifer, que já andava a suar, estremeçendo por todos os lados.
Ora bem, a festa já estava a começar a aquecer, se não fosse o Pedro e os amigos dele, a defenderem-nos daqueles estúpidos bruxos tarados. É claro que eu e a Sara já íamos dizer das poucas e boas aos bruxos, mas deixámos isso para os peritos.
Ao verem-nos em apuros, mal acabaram de tirar a comida, eles correrram para junto de nós, empunhando as armas, com um olhar de desprrezo para os bruxos.
O Pedro, que é muito ciumento, foi o primeiro a chegar em nosso auxílio, empunhando o seu canudo letal de metal, olhando os seus adversários com valentia.
- Não têm lata, seus estúpidos bruxos de uma merda? Pirem-se, toca a bazar daqui!
Os bruxos, em vez de se irem embora, ficaram ali parados durante para aí quinze minutos, falando connosco, embora não os estivéssemos a ligar nenhuma. E, discretamente puseram, sem ninguém ver, com as suas mãos ambiciosas, bilhetes quaisquer nas nossas saias enquanto tentavam pôr as mãos nas nossas pernas. Julgam o quê, aqueles convencidos idiotas?
Bom, sabia lá o que eles tinham posto nos nossos bolsos, mas, fosse o que fosse, não era coisa boa, disso tinha a certeza.
Sei muito bem que nós – Bruxos – não somos de fiar, e, embora sermos aqueles que mantêm os Demónios numa certa distância segura, na Fronteira, onde aqueles pobres desgraçados e condenados devem ficar, também somos de uma terrível reputação.
Mas, que faria se ao menos ouvíssemos à vergonhosa e hipócrita que é a nossa classe, portanto, na minha cabeça, vinham à tona imagens de convites expensivos, salões de gala iluminados com candelabros excêntricos à luz azul-escura, e pessoas vestidas de preto, a beberem champanhe, e praticarem actos de orgia abomináveis e bizarros, a divertirem-se como nunca, como dirgidos por um transe de um único feiticeiro, um demónio – e desta vez não me refiro à classe dos demónios – possesso de loucura perversa, tocando em acordes infernais um violino, e observando com um sorriso cínico as acrobacias mortais que artistas faziam perante o senhor daquela casa.
Seria que estaria enganada, ou aqueles seis queríam-nos levar para o covil de um bruxo ainda mais velho e poderoso do que eles…?
As minhas suspeitas eram essas, e poderia muito bem estar certa, afinal, quando fechavam as portas rotativas da cantina atrás de si, eles estavam com um ar de triunfo e malvadez nos seus rostos disformes.
Haveria algum departamento chanfrado nas SPV em especial que gostaria de me ver espetada numa parede de caça de algum implacável Assassino do Amor…?
Se calhar seria isso mesmo que eles tencionavam fazer à minha mãe…Nem acredito que existam pessoas tão más…! É por isso que eu tenho de pôr esta carapaça de sarcasmo para não chorar, porque à noite, tenho pesadelos terríveis, e só me apatece chorar, mas sei que não posso, quem me dera ter uma alma para partilhar estes pensamentos tão tristes, e é por essa mesma razão que escrevo, é por essa mesma razão, que nunca pertencerei a nenhum homem, é por isso que nunca confiarei realmente em alguém. Mesmo na minha família, não sei se estou segura, portanto, tenho que esquecer essa desgraça toda da Guerra Civil, e tenho um medo de pelar se por acaso os boatos acerca da minha mãe ter sido uma prostituta ao serviço do meu padrasto serem verdadeiros.
Todas as noites rezo que não. Todas as noites, vejo-me ao espelho, e, ou vejo uma óptima rapariga com um espírito fogoso que teve demonstrações de coragem comparáveis a muitas das heroínas que conseguiram resistir aos avanços dos homens, ou vejo uma escanzelada de parva, sem passado – sem pais – e sem futuro.
Por falar nos homens, esses são todos iguais, tanto um bruxo como um cyborg, e a tentação faz-nos, como uma vez fez Eva, a ser enganada pela terrível serpente e a sua língua viperina. Onde é que eu errei…? É a pergunta que dirijo a Deus sempre que me encontro a meio da noite, e quando sinto quão pequena e fraca a minha fé tem sido, agradeço que pelo menos me tenha salvo de todos os erros e diabruras que cometo.
Será que alguma vez terei juízo suficiente para não ser assim tão sincera e atiradiça, mas o problema é este, minha amiga: não consigo confiar em nenhum homem, e a morte da minha mãe causada por um homem malvado deverá ser a razão. Terei a pontaria para acertar no homem bom, naquele que será o meu companheiro para toda a minha vida na cama, e, sempre que penso em encontrar pelo menos um tipo fixe, lembro-me sempre da linda ópera de Carmen, onde o Don José faz tudo pela sua amada cigana infiel, mas no fim, ele torna-se num ignóbil e louco assassino ao matar um dos amantes da rapariga, e de seguida, matando-a de seguida, apenas por amor…Isso põe-me mesmo triste, quando vi pela primeira vez essa ópera, chorei tanto no final quando o título trágico era tocado, e via a pobre insensata a ser-lhe espetada a adaga no peito feminino, e o ex-soldado a agarrá-la nos braços, já desfalecida, clamando com lágrimas no rosto “Carmen, minha Carmen adorada!” Valha-me Deus, o que os homens fazem por nós, e qualquer classe que ele seja, é sempre um tolo no que se refere ao amor…E nós, mulheres, caímos na esparrela de enganá-lo ou sermos enganadas. No caso de Madame Butterfly, os meus olhos quase que ficaram vermelhos de raiva depois de ter visto a Cio Cio San a ser trocada por uma americana qualquer que o malvado encontrara enquanto partira de barco. Tão ingénua, a pobrezinha, com um bebé e tudo! E aquele malandro deixara-a quase sem nada! Se ao menos houvesse um homem que me salvasse de mim própria.
Depois há aquela lenda que se uma mulher passar uma noite na cama de um bruxo vai tornar-se tão fria e sarcástica como ele, mas uma vez que eu já sou sarcástica e um pouco fria, achei que não fazia mal nenhum ir ver o que é que aqueles admiradores nos tinham dado de “presente”. Mas isso só seria depois das aulas, quando tudo estivesse mais calmo, sem fazer nenhum escândalo ou coisa parecida.
Seria assim tão mau para a mim uma única noite rodeada de homens, e entre eles encontrar aquele que a minha alma, solitária entre tantos sarilhos e desventuras por que passei, se deleitava a imaginar e a pintar com cores ocultas, ele, o meu padrasto, tão discreto e tão zeloso, aproximou-se da pobre bruxa deprimida, e acendeu-me, despertando-me para um secreto amor…Será isto tudo obra dele…? O que é que estou eu a pensar, que rapariga tola e idiota és tu, Jessica! Não podes ceder à escuridão nem aos profundos abismos da volúpia. Tu és uma mulher forte! Sim, tens razão, pareces mais uma velha a queixar-te quando devias aproveitar a noite…!