segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Voltando aos Três Anjos Imperfeitos... Um Funeral... I


"Minha princesa, as vidas dos teus amigos não são mais que um floco de neve nas minhas mãos..."

Cinco Vidas num Floco de Neve


Antes da Segunda Guerra Mundial, num arquipélago independente, multicultural, onde os pássaros cantam a glória de antigos deuses, e as montanhas choram o sangue de perigosos feiticeiros de origens orientais, vivem cinco pessoas. Essas cinco pessoas, muito diferentes umas das outras, tiveram que enfrentar os seus medos, saber quem era amigo, e quem era inimigo. ´

Tudo começa com um estranho crime, um incêndio misterioso na capital da Ilha Mãe do Império Constituticional Monárquico da Bellanária - um nome muito magnifico para um conjunto de ilhas tão numerosas!

Esta é a colecção das cinco histórias, das cinco vidas, que, com uma só mão, um homem podia ter esmagado!

Capítulo 2 - Um Funeral e um Divórcio de uma filha.

Dia 13 de Novembro de 1936

Ducado alemão da Cidade Perdida, ilha Mãe da Bellanária

No ano passado, o céu enchia-se de sombrias nuvens negras, enquanto o passado era enterrado em sete pés debaixo da terra. O sangue, esse que correra por entre as vítimas da cidade, era misturado com um mar de lágrimas, um pedaço de sofrimento e várias armas de corrupção, mentiras, luxúria e ódio, que tinham sido ocultados durante mais de cento e cinquenta anos. Outra alma já estava na barca para o Inferno, e, enquanto o deus Tsesustan ajudava a pôr as botas aos pés do morto suicida, a mulher Abir von Tifon começou a chorar. Eu, como amigo pessoal de Sua Excelência, o Duque Adrian Friedrich von Tifon, nunca vi tanta choradeira em toda a minha vida! É por essa mesma razão que odeio funerais. Tive de fazer um esforço enorme para não me rir do morto e da família.

Porém, nenhum bellante chorou uma única lágrima por ele. Os bellantes são pessoas honestas, suponho eu. Talvez porque Adrian Friedrich von Tifon não fosse nenhum Rwebertan Samiel Di Euncätzio, ou talvez um Kasimir Malaghtyev.

Enquanto a chuva, caia, furiosa como se fosse uma mãe ciumenta, lacrimejando pelo mal que o seu filho tinha feito, batendo e dando virotes que nem uma corça raivosa, a tempestade continuava a abater-se, ruidosa, como uma grande marcha trágica, e, os elementos, esses, fizeram os seus possíveis para honrar aquela alma em partida, sobre as cabeças dos impacientes Tienenses e dos outros habitantes da Bellanária, uma última carícia, como se fosse uma canção de embalar, foi entoada pela rádios bellantes, mesmo que os donos não estivessem com a disposição de o fazer.

Foi tocada a "Barcarole" de Offenbach, como requiem, por toda a Cidade Perdida, na qual os fantasmas e os demónios - se é que esses disparates existem - ficaram de luto, e com os seus esfarrapados trajes, sem serem vistos os pés, numa neblina esquisita e sem explicações científicas, prestaram homenagem ao homem, numa procissão luminosa através de umas estranhas aparições de combustões de chamas de gases de matérias em decomposição. Só podia ser isso, creio eu....

O resto do cortejo foi tão impressionante de tal modo que seria tempo perdido eu o descrever. Mas, uma vez que o Herr Reichsführer quer que eu o refira, então tentarei ser o mais singelo possível.

Às seis da manhã, apareceu, no início da Estrada Perdida, um coro inteiro de raparigas, todas elas completamente nuas, desfilando com os seus maravilhosos vestidos azuis, brancos, quase transparentes. Cada uma delas transportava nos braços uma taça de prata, de onde saía um inebriante aroma, embalsamador. Com os cabelos negros, desgrenhados, a cintilar mais ainda no brilho da madrugada, lá iam elas, com os penteados soltos. Elas andavam lentamente, tocando harpas, com movimentos compassados e melancólicos, mostrando a sua enorme tristeza.

A seguir, eram os denominados feiticeiros, os grifos, os centauros e os humanos. Vossa Excelência iria espantar-se ao ver homens arianos, de descendência alemã, a confraternizar com orientais, judeus, russos e bellantes de toda a espécie e feitios. Mas eu, por mim, não me espantei. Isto mais parecia uma daquelas cenas biblícas da Babilónia. Todos os homens, de várias espécies e formas, estavam vestidos em mantos brancos e túnicas feitas de linho puro, remendado com vários fios de bronze e de prata. Estes, com utensílios virís, como lanças, espadas, setas, dardos, e outros objectos pontiagudos. Darei o exemplo do tridente de ouro de mais de doze quilos, carregado pelo "deus" Tsesustan, que presidia a parte masculina da cerimónia.

Com um movimento solene, ao erguer o tridente de ouro, ele cantava numa voz de tenor bem forte, grave, mas cheia de esperança, com um ritmo nostálgico, e juntaram-se, em breve, as centenas de vozes dos outros homens, feiticeiros brancos, grifos e centauros, incluindo o próprio Rei Neptuno XIII e o Rei dos Bruxos, o grande Kasimir Ivanovitch Malaghtyev.

Os Feiticeiros Brancos, na sua maioria europeus, iam de cavalos brancos, com fios de prata presos como ornamentos complexos e fantásticos. Perdoe-me a expressão, mas aquilo mais parecia uma ópera da Aida, do que um funeral, ou talvez uma marcha em dia de festa em Nureemberga!

Os humanos como eu ou os outros dignatários iam a pé, mas iam, sempre no mesmo passo. Que palhaçada ridícula.

Os grifos, com colares secos de narcisos mortos ao pescoço, tinham presos, ao lado de cavalo dos seus corpos fantásticos, várias bolsas de couro, onde iam vários poemas escritos em Bellante Arcaico. Com as crinas escondidas nos chapéus brancos, tanto centauros como grifos iam deprimidos por fora, mas espantados por dentro...!

Como é que o seu senhor, o Duque Adrian Friedrich von Tifon, tinha morrido? Isso, claro, tanto eu como Sua Excelência, Reichsführer, sabemos.

Finalmente, no meio do cortejo, estava a Família dos Duques e Duquesas von Tifon. Havia no meio da família, o caixão vermelho de mogno escuro, com pinturas doiradas de garças e dragões em baixo relevo, que dançavam juntamente com vários fogos-fátuos inscrustados e lapidados em turquesas e em safiras. A riqueza desta família nunca deixa de me espantar!...

Encaixado num coche puxado por um dragão oriental verdadeiro - desta vez é que eu nem pude acreditar nos meus olhos! Teria sido o álcool bellante que me estava a pregar estas partidas...? - sem asas, com cerca de oito metros de comprimento, com uma cor lindíssima de esmeralda, com as escamas polvilhadas de cinzas de luto, com os seus orgulhosos chifres de veado.

Á frente deste fantástico coche, estava o Tenente Otto Nälden, o mordomo e advogado da família, com um manto e capa vermelha, segurando com ambas as mãos enluvadas, brancas de cetim, uma sombrinha branca de cetim japonesa, anunciando o caixão. Pela sua cara rosada, escorriam lágrimas.

Seriam de tristeza ou de alegria...? Mais à frente, mesmo em frente do cortejo, com os vários bruxos alemães importantes da Cidade Perdida, estavam os irmãos e os sobrinhos e netos do falecido Duque von Tifon.

À medida que Hans Rüdiger II von Tifon tocava o bombo, acompanhado por uns quantos soldados das SS - enfim!, Sua Excelência e suas ideias de acompanharmos o funeral de Sua Excelência o Duque Adrian Friedrich von Tifon - os dois irmãos gémeos Ernst e Rutger von Tifon começavam a cantar desafinadamente uma canção tipicamente alemã. O Capitão Willhem Couto von Tifon, este tocava um solo de trombone, ao acompanhar as caixas de rufo dos nossos rapazes.

Depois dos homens von Tifon, estavam as mulheres von Tifon. Charlotte von Tifon, a filha mais nova do Duque von Tifon, não parava de chorar.

A Duquesa Abir von Tifon, a viúva, estava com um fio de ouro preso ao dragão, uma écharpe verde-clara de seda, com o nome dela escrito em Bellante Arcaico no tecido. O vestido que ela usava, com linhas curvas delimitadas e provocadoras - na minha opinião, demasiado provocador para uma senhora (segundo os rumores bellantes) de cento e vinte e dois anos...Tinha os lábios pintados de roxos, e estranhamente, eles sorriam.

No fim da parada, ia a Fräulein Annelina Sara von Tifon, a mulher mais nova e bonita de todas das que estavam ali, no funeral. Enquanto levava a cruz dos cinco caminhos, ela usava uma camisola quente negra de cetim. Provavelmente, era a primeira vez que estava a usar sapatos de salto-alto. Sob o pescoço moreno, deslizavam milhares de sinceras lágrimas. Ela tinha uma flor de lótus branca como gancho. Com as mãos a aguentar um fio de prata, ela tentou avistar o Flautista.

Sorri-lhe, compreensível.

A misericórdia da rapariga fez comover a tia, que encostou os braços nos lindos e delicados ombros de chocolate da inocente menina.

« É muito confuso, não é minha querida? » A voz suave, grave da tia, acordou-a para a realidade.

A Sara penteou o cabelo de almíscar para trás das orelhinhas, que pareciam ter sido esculpidas por um artista da Renascença. Parecia não querer pronunciar uma única palavra em relação ao morto. Até parecia que os seus lábios, sensíveis como penas de uma avezinha ferida, estremeciam ao sabor do vento.

A bruxa mais velha compreendeu de imediato aquele silêncio, e acenou com a cabeça, com as mãos a segurar no braço da jovem.

«Tem calma, criança. A morte, por enquanto, deverá ser mais um mistério para ti. »

« Não posso ficar calada, ... » Replicou a jovem rapariga, entre várias lágrimas. « Porque é que o tio teve de morrer..? Porque é que a tia está a ser tão fria a um assunto tão importante como este? »

A Duquesa Abir abanou pacientemente a cabeça, enquanto espalhava, com um gesto pouco elegante, as cinzas brancas.

As mãos dela eram de uma mulher madura: duras, quase para o sensíveis, com unhas compridas - como as de uma verdadeira bruxa!

Estas estavam cobertas de sangue do próprio esposo, de uma maneira ritual, e com o coração de Adrian Friedrich von Tifon nas mãos, ela caminhou, liderando a macabra procissão.

Ao observar a tia tão concentrada, a Princesa Sara decidiu ficar calada, com lágrimas a encher-lhe o peito moreno.

« Mantém-te atenta ao caminho e faz apenas o que eu mando, Sara. » Disse a Duquesa Abir, num tom suave, apontando para o caminho.

« Sim, Tia Abir. » Respondeu a rapariga, cabisbaixa.

A cerimónia de deitarem o caixão ao mar foi do mais ridicula e idiota que eu já alguma vez vi em toda a minha vida. Não é como na Marinha Alemã, em que as pessoas lá ficam um pouco tristes, com os corações oprimidos. As pessoas bellantes simplesmente desatam num pranto horrível, de bradar aos céus! As mulheres atiravam todas as suas jóias para o mar, quer fossem da Cidade Perdida ou não.

A seguir, deram-se os discursos. Infelizmente, tive de falar um pouco sobre o quanto Sua Excelência, o Sr. Duque von Tifon me inspirara vivo. Nunca mais quero assistir a tal circo em toda a minha vida!