segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Um pouco do passado (parte I de III)


30-10-2005

Agora vou falar da minha meia-irmã mais nova e que tanto eu adoro. Não sei se já te falei dela, mas já que estamos a falar, aproveito para desabafar um bocadinho contigo. Tem cabelos pretos tão lisos quanto as penas suaves de uma pomba, e olhos castanhos rasgados no rosto amarelo delicado de seda. Nem parece uma bruxa, e não é mesmo, mas sim uma ondina chinesa.
Tsuna – como ela assim se chama – foi adoptada desde dois anos pelo meu Pai e pela minha mãe Katherine. Era a única criança que eles tinham no seu refúgio secreto.
Sim, porque a minha Mamã gostava tanto de mim que deram a adopção ao meu Avô em 1929 e, desde 1933 ela passou a tratar da Tsuna como se fosse sua própria filha...
Um dia, quando a pequena menina ainda tinha um ano de idade e estava numa espécie de casulo que só se abriria quando o portador quisesse, o meu Padrasto descobriu – foi o Nälden que me contou – o esconderijo – deparou-se com aquele bebé sozinho.
A príncipio, pensando tratar-se de mim, desembainhou a pistola do coldre friamente, e, com um ar sério, tentou disparar para a inofensiva criaturinha, que nada tinha feito contra ele ou contra os seus próprios filhos (nessa altura, o meu padrasto era casado com outra). No entanto, por mais que a sua mente insensível quisesse premir o gatilho num gesto quase animalesco e predatório, a sua mão simplesmente ficava ali, nervosa, sem saber o que fazer ali.
Começava a ficar com pena da pobrezinha, que dormia descansada com os olhinhos fechados.
Subitamente, apercebeu-se que, em vez daquela bebé, via o seu filho mais novo a chorar a pedir leite da mãe. Apesar de ser um bruxo, a sua consciência não parava de o avisar que se estivesse a matar aquela menina, estaria a matar a sua amada!
Então, a sua crueldade voltou ao imaginar que não era a amada que estava a matar, mas sim o outro amante de Katherine. Decidiu matar Tsuna com um veneno indolor e instantâneo, cujo pó era aplicado por via oral.
«Se não posso ser feliz, contigo, querida Katherine, então ninguém será feliz ao teu lado...!» Disse com um sorriso maldoso na cara. «Descansa em paz, anjo maldito!»
Com uma boquilha à mão, pôs com cautela assassina o veneno branco e desinfectante no buraco.
Despediu-se com as seguintes palavras românticas e a pôr a boquilha prateada nos lábios pequenos do bebé. «Dorme, minha querida....Dorme, que em breve o teu sono jamais será perturbado!»
Justamente quando a criança ia aspirar o pó branco, surgiu um vulto e disparou com perícia ao bebé.
«Não tens direito a matar a minha afilhada, seu monstro!» Rosnou o meu padrinho espicaçar em mil pedaços a boquilha.
Por seu lado, o meu Padrasto riu-se sarcasticamente.
«Cruel ironia do destino que você seja o meu cunhado, não concorda?» Comentou com um sorriso cínico na cara e ainda de pistola na mão. «Mas tenha cuidado consigo porque...»
«Tu não és nada!» Interrompeu o meu padrinho num tom irado. «Tu és só um humano malvado que se aproveitou da inocência da minha cunhada! E se há pessoas que eu detesto são mortais, monstros e demónios abomináveis!»
Subitamente, o meu Padrasto soltou uma gargalhada diabólica, tão forte que até o bebé acordou e começou a chorar.
«Eu?» Disse numa voz infernal. «Um demónio? Então irá ver o demónio aterrador que eu consigo ser quando estou furioso!»
Dito isto, o seu pescoço esticou-se até pelos menos aos três metros de altura. Nessa altura, a face, já deformada e feia humana do meu Padrasto tomaram uma forma mesmo horripilante, que fazia qualquer um ficar com os cabelos em pé: o seu nariz achatou-se para se tornar num focinho preto de cão, e os seus olhos enrugaram-se cada vez até as suas pregas hospedarem dezenas de pulgas, lêndeas e outros parasitas desagradáveis.
Os seus cabelos levantaram-se, tornando-se cinzentos, oleosos e eléctricos espetados.
Por fim, o seu sorriso de dentes de tigre e mãos esquelécticas e fantasmagóricas completavam aquele exemplo de anormalidade dum comboio fantasma mesmo assustador.
A sua gargalhada e voz eram igualzinhas às que eu ouvi. A batalha entre cyborg e bruxo agora iniciava-se com uma desvantagem considerável. As pistolas sempre fiéis e rápidas do meu tio de nada valiam, pois as facas flutuantes do feiticeiro evitavam as balas que as seguir, com uma força espantosal, as enviavam de volta para o dono.
O meu tio fazia o seu máximo para se desviar dos ataques daquelas balas prodigiosas, mas era quase impossível mover-se com as facas flutuantes a atacarem-no graças à força mental poderosa do meu padrasto. Não havia nada com que o cyborg se conseguisse defender, a não ser a sua força de levitação e, dum impulso, os seus olhos concentraram-se na sua fiel espada veloz e letal. Apontou-a directamente ao meu Padrasto e tentou mandá-la ir de encontro logo ao coração do demónio.
Apercebendo-se do largo objecto pontiagudo, o meu Padrasto vociferou com a sua voz estridente e fria:
«Não brinque comigo, cyborg temerário»
Nesse preciso instante, ao se deparar com o hálito de fogo-azulado do feiticeiro negro, a espada transformou-se numa inofensiva e pequena faca de plástico que caiu impotente aos pés do meu padrasto.