terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Norte moderno dos Bruxos (Parte 2)


Fiquei um pouco espantada pela minha mãe não se aperceber o quão séria a irmã mais velha soava! Mas enfim, a minha mãe sempre precisa um pouco mais que dois minutos para compreender aquilo que as outras pessoas dizem. Ou isso, ou ela estava a fingir que não entendia!

A feiticeira, pelo menos seis anos mais velha que a minha mãe, sentou-se com a maior das educações numa parte de um dos bancos que não estava molhado, e com todo o seu ar austero e trabalhador de Chinesa, perguntou:

- Onde está a Tsuna?

- A tomar banho. - Respondi.

- Ora ainda bem, que é para a gente conversar à vontade. - Comentou a feiticeira com um ar muitíssimo elegante e maduro, mas ao mesmo tempo, muito severo.

Foi então que a minha mãe percebeu que a presença da "tia" não tinha sido motivada por um ataque de saudades, ou por um caprichoso desejo de se divertir nas Ilhas Bellantes.

Com as unhas longas quase pousadas nos lábios carnudos e sensuais, a minha mãe fixou os olhos rasgados de Irene, meio nervosa.

- Aconteceu alguma coisa? - Perguntou a minha mãe, aflita.

A outra tirou por fim as luvas de algodão quente, enquanto olhava para a minha mãe como se ela fosse uma criminosa.

- Isso pergunto eu! Que história é essa de que a minha filha anda à procura do "Avô"? - A tia estava mesmo preocupada e zangada ao mesmo tempo.

A minha mãe riu-se, fingindo-se embaraçada com tal pergunta, ao acenar de forma efeminada com as mãos. Talvez com certas pessoas - muito burras, diga-se de passagem - esses truques falsos resultassem, mas não com a Sra. Plah!

- Oh! Aquela rapariga anda outra vez com pesadelos, a coitadinha! - A minha mãe dirigiu-se para mim como se eu fosse a culpada, mas pelo ar de que tinha no rosto, nem ela parecia convencida com as mentiras que contava! Apontou o dedo para mim, e fez um gesto reprovador com este. - Eu bem te disse, Jessica, que não devias contar à tua mana pequenina histórias de terror!

Mas que raio?! Franzi a sobrancelha, desiludida com o facto da minha mãe me passar a batata quente. Então a culpa daquela palerma ingénua da Tsuna andar sempre a perguntar pelo Avô Adrian é minha? Era só o que me faltava! Pedi ajuda a todas as tiradas teatrais que eu sabia de cor mas, apesar da minha última reciclagem, nada veio em meu auxílio. Limitei-me a fazer um ar espantado e exclamar:

- Eu?!

Não se podia dizer que estivesse em dia de grande inspiração para teatralidades. Mas também, diante de uma catatua de cabelo em pé e encaracolado como a minha mãe, quem é que se podia sentir inspirado fosse para o que fosse?

- Não te faças de espertinha, que eu posso viver num regime comunista, mas sei muito bem quando me querem enganar! - A Sra. Plah não estava para brincadeiras, enquanto apontava o dedo para mim. - O que é que fizeste à minha filha, sua bruxinha maldita? Desde o Dia da Magia Negra que, quando me atende o telefone ou conversa comigo ao computador...Ela não é a mesma!

- Ó Irene, quem é que aqui te quer enganar? - Perguntou a minha tia Charlotte, tentando defender-me das acusações da Sra. Plah. - Nenhuma de nós pôs um feitiço na Tsuna. Tu sabes muito bem que seríamos incapazes de fazer uma coisa dessas!

Eu suspirei, percebendo agora tudo: se o senhor Fixtanea é quem eu penso que ele é, então é muito provável que tenha induzido em sonhos à Tsuna para ela pensar que tem realmente um avô.

E embora eu gostasse muito do aspecto deslumbrante daquelas salas luxuosas, sentia que um obscuro mecenas tivera a oportunidade de dar uma data de dinheiro às pessoas que gerem o Dristin Weltar para que ele ficasse responsável pela organização da festa de Natal. Algo cheirava a esturro no meio daquilo tudo e a nossa S.P.V nem sequer estava metida ao barulho! Todas nós (a Sara, eu, a Nuo, a minha Tia Charlotte, a Senhora Roshini e a Sra. Plah) sabíamos que a S.P.V desta vez não tinha organizado o baile do Festival de Solstício de Inverno! O que me espantou ainda mais foi o facto do tal "senhor que organizara este baile fantástico" tinha oferecido treze mil Fenixinianos ao Governo para alugar o palácio! Ora bem, aquela tinha sido exactamente a mesma quantia de dinheiro que tinham roubado do Banco Britânico, em Novembro! Fiquei de boca aberta! Eu, a Sara, a Senhora Roshini, a Sra. Plah, a Tia Charlotte e o resto das outras raparigas e senhoras convidadas para a festa!

Ao encararmos a nossa Imperatriz, ela ficou com um ar de quem não tinha nada a ver com o assunto. A mulher de longos cabelos negros e olhos azuis olhou para nós como se fôssemos as culpadas e ela a vítima.

- Que é que foi? - Perguntou a Serpente de Fogo num tom muito ofendido. - Vocês não acham que eu iria mandar um palerma qualquer roubar o Banco Britânico só para que a S.P.V não ficasse mal ao ser a patrocinadora desta festa?!

- Mesmo assim, é muito estranho! - Comentou a Rainha das Fadas, com a mão no queixo. - Se não fostes vós quem mandou o roubo...então quem na Bellanária teria mais dinheiro para fazer esta festa?

A minha mãe encolheu os ombros, completamente indiferente.

- Sei lá, Vossa Senhoria! Eu também não me meto nessas coisas.

Subitamente, a Tsuna, acabada de secar o cabelo, apontou para a janela, estática que nem uma pedra! Estaria a resposta para todas as nossas perguntas naquela limusina branca antiquíssima, estacionada ao pé das portas do palácio?

Um pequeno clique fez luz na minha cabeça, ao lembrar-me daquele carro enorme e com mais de sessenta anos: aquele era o carro com que o Mestre Fixtanea tinha chegado ao nosso Château!

Sara, muito assustada, não avançou um único passo, ao contrário de Tsuna, que queria a todo o custo ver mais de perto aquele carro, que - sabe-se lá porquê - lhe parecia tão interessante.

Eu, que já estava a achar um pouco arrepiante tanta coincidência, lembrei-me de arrastar a minha irmã adoptiva para bem longe das janelas!

- Calma aí, Tsuna! - Exclamei, com uma grande força nos punhos, tentando não mostrar uma ponta de preocupação fraternal que fosse pela idiota daquela Chinesa. - Primeiro tens de responder a umas perguntas antes de ires ter com o carrinho bonito! Por é que andas tão esquisita ultimamente?

Mas a Tsuna continuava tão calada como se tivesse ficado muda! Ou se calhar, por uns momentos, tivesse perdido a memória. O olhar dela era mais vazio e branco do que um iogurte cremoso daqueles gregos que se fazem na Cidade dos Deuses. E acredita, não sabem nada bem!

- Tsuna, por favor, fala comigo! - Prontamente, a mãe da Tsuna agarrou nos braços da filha e abanou-a como se ela fosse uma boneca de trapos.

Parecia que a minha irmã mais nova estava mesmo sobre o efeito dum feitiço!

O Norte moderno dos Bruxos

Lembro-me perfeitamente de quando conheci a mãe da Tsuna, a Sra. Irene Plah. Estava a terminar de se arranjar, muito graciosa e com um sorriso nos lábios pintados de batom vermelho. «Mais outra...» Suspirei um pouco aborrecida. Mas seria que não haviam pessoas mais interessantes para se conhecer naquela festa? De cabelos negros e compridos, olhos escuros e vigilantes, a Sra. Plah vinha com um vestido de quem ia a um enterro, todo ele preto e muito elegante sem decote. No entanto, tenho de admitir que o cinto brilhante e a saia lhe davam um ar mais alegre. Chegava-lhe até aos joelhos, mas era uma coisa muito engraçada. Ela é o tipo de pessoa que tem bom-gosto e que anda sempre ou de mau-humor, ou com um pequeno sorriso snobe e confiante! É tão diferente de Tsuna!

- Tu deves ser a Jessica, com certeza. - Disse a senhora de grandes lábios vermelhos, cabelo preto todo ele muito bem arranjado, num tom muito aliviado. Parecia quase saída de um filme de Hollywood, ou da noite dos Óscares. Devia estar cansada da viagem que fizera de Macau até cá. Usava nas orelhas dois brincos prateados em forma de dragões. Tinha um cigarro segurado nas mãos enluvadas, e o ar que dava era que era uma mulher extremamente severa, mas ao mesmo tempo, sedutora.

Às vezes pergunto-me porque é que as feiticeiras são assim tão bonitas? Se calhar é para fazer inveja às comuns humanas mortais.

- Sou. - Respondi. E que outra coisa poderia eu dizer?

- Eu sou a mãe da Tsuna. - Disse a senhora de voz decidida, mas serena.

Tínhamos encontrado no corredor por mera coincidência. Fiquei sem saber o que responder (se é que aquilo requeria resposta) e a situação teria sido no mínimo ridícula, ela a olhar para cima, eu a olhar para baixo, especadas ambas à entrada do vestuário das senhoras - senão fosse a Katharina (sim! A minha mãe a ajudar-me! Cena improvável não achas?) vir em meu auxílio e já com o habitual sermão acerca dos bruxos aproveitadores a disparar da sua boca que nem um homem-canhão do Circo Moscovo de lá de Cyborg Town. Quando viu que, em vez dos malfeitores com que ela sonha a toda a hora e a todo o momento, era a sua amiga de infância que estava à porta, caiu-lhe nos braços que foi cena comovente de se ver!

- Irene! One-san! És mesmo tu, querida?! - Exclamou a minha mãe muito emocionada, que já não via a irmã mais velha há anos!

- Não estás a ver que sou? - Dizia a outra, a quem a viagem parecia ter azedado as ternuras. Embora toda a gente estranhe sempre estas demonstrações de afecto da minha mãe numa sociedade na maior parte das vezes muito recatada.

Mesmo assim, a minha mãe quase se desfazia em lágrimas, de tão contente que estava por ver a "irmã mais velha".

- Eu nem estou a acreditar que és tu, palavra de honra! - Repetia a minha mãe no meio dos abraços, quase sufocando a minha "tia emprestada" com o seu enorme cabelo louro encaracolado. - Porque é que não vens ter connosco para conhecer Sua Majestade? A Charlotte vai ficar tão feliz por te ver! Ai, que emoção!

Mesmo assim, Irene Miyu Plah não estava para brincadeiras, enquanto apagava o cigarro com um ar amargo.

- Então é bom que vás acreditando mesmo, porque o que tenho para dizer é muito sério.

Eu bem dizia que a viagem lhe tinha azedado as ternuras, mas a minha mãe quando começa a recordar-se da infância fica mais cegueta do que o Primo Hans sem óculos e só lhe dá para beijinhos, festas e meiguices sem ter fim, que é que se há-de fazer. Além do mais era uma cena patética (e pateta também, valha a verdade): as duas ali à entrada do vestuário das senhoras, nem para dentro, nem para fora, uma com um vestido elegantíssimo e luvas nas mãos, a outra com uma toalha no corpo e na cabeça.

- Ó Charlotte! - Gritou a minha mãe na sua voz irritante em Alemão. - Anda ver quem é que está aqui!

E lá veio a minha tia pendurar-se também na velha irmã:

- Olha a Miyu-chan! Que surpresa! - Ela exclamou no seu sotaque de Cidade Perdida em Alemão. Como irmã mais nova, a Charlotte tinha o direito de tratar a Irene pelo seu segundo nome Japonês.

Mas a "Miyu-chan" não parecia nos seus melhores dias. Eu cá estava mesmo à espera de a ouvir dizer como aquela mulher de uma novela Sul-coreana que eu vi na televisão: «Pouca conversa, que eu estou bera!» Claro que eu já devia saber que essas palavras não constam do vocabulário fino da Miyu-chan, por muito azeda que estivesse.

- Posso entrar, ao menos? - Disse ela em Japonês.

- Ó mana! Mas que cabeça a minha. - Desculpava-se a minha mãe a esforçar-se no seu melhor Japonês, limpando a máscara verde que tinha da cara com a toalha, muitíssimo embaraçada. Estava um pouco nervosa por estar numa situação daquelas, e com razão! A minha mãe estava com muita sorte por ainda não ter passado ali nenhum bruxo ou outro homem! Mudou para um Alemão da Cidade Perdida, que a minha mãe para outras línguas é um pouco tosca. E não admira nada! - É da surpresa de te ver aqui! Entra, mana, entra para o vestuário! Olha que disparate estarmos aqui à porta! Entra, entra, querida!

Apressei-me de imediato com o meu vestido até ao vestíbulo, enquanto carregava aquela malinha ridícula que a minha mãe me tinha dado.

- Ó tias! Mãe! - Falei em voz alta em Inglês, enquanto tentava correr com aqueles sapatos de salto-alto estúpidos. - Esperem por mim...

Ao abrir as portas, descobri que tinha um grande olho-negro por causa da palerma da Sara. «Ora bolas!» Pensei ao olhar-me ao espelho. «Agora os rapazes vão pensar que sou uma puta de um mafioso qualquer...»

É, acho que a maior parte dos aprendizes de bruxo achariam isso tentador: tentar provar o fruto proibido. Ai, ai, Bellanária, sempre cobiçada, sempre cheia de gananciosos e de bruxos malvados!

A maior parte dos rapazes Bellantes adoram a imagem de maus da fita que alguns antigos senhores da Magia Negra tinham. Músicos de metal, mafiosos dos Anos 20 e 30, motoqueiros, rappers, guerreiros antigos da segunda Grande Guerra, os Bruxos de há mais de mil anos atrás - todos esses fazem parte dos ídolos dos rapazes adolescentes bellantes. Acham que é esse o segredo para atrair raparigas: casacos de pele caríssimos, olhares intimidantes e um monte de massa! Porém, as coisas nem sempre correm como eles esperam, e alguns - como o Igor Andrysiak - acabam como guardas do Castelo Negro, sentinelas dos faróis das costas bellantes, ou outra coisa ainda mais idiota.

Agora, com apenas a ameaça dos Cyborgs da Resistência - a antiga polícia secreta que foi desmantelada nos tempos depois da Segunda Grande Guerra - não é de admirar que os rapazes da S.P.V. (a actual polícia secreta - Sagrada Polícia de Vigilância ) sejam todos uns pelintras!