sábado, 29 de outubro de 2016

A filosofia de Portugal


Olá...

Não sei se ainda há pessoas a seguir-me, mas devo dizer que em cinco, não, dez anos, há muitas coisas que mudam. Este texto é uma crónica, mas também poderia ser um poema. Porque é que digo que poderia ser um poema? Porque há muitas pessoas que não sabem interpretar textos, sejam eles técnicos ou literários. Eu gosto de poesia, especialmente quando é escrita por pessoas que também são professores ou educados naquela velha - mas sempre inovadora - disciplina de Filosofia.
Lêdo Ivo poderia ser um filósofo; ele iria sorrir quando eu respondesse à pergunta "o que é um filósofo". E eu diria que era, acima de tudo, uma pessoa que gosta de pensar, um "amigo do saber" na antiga língua dos Gregos. Há pessoas que, mesmo com uma licenciatura - ou com um doutoramento - que gostam de saber ainda mais, que gostam de fazer perguntas. Ora, o tal "canudo" deve servir para alguma coisa. Eu, quando era pequena, nos meus primeiros anos de leitura, gostava do Lêdo Ivo e do Jorge Amado. Eram uns "tios emprestados" que escreviam livros, e esses livros tinham umas capas muito engraçadas.

Voltando ao presente, gostava de contar-vos como há duas Filosofias muito simples. Não tem nada a ver com um estilo filosófico "optimista", ou com o tal "cinismo" teórico, maçudo, que muitos colegas meus bocejavam ao ler.  Eu estava a tomar o meu café, à espera de ouvir qualquer coisa na Rádio da Antena 2, numa padaria. De repente, por um deslize da minha mão, o Samsung Young , o tal "smartphone", começa a tocar a rádio a "alta-voz". E não é uma voz qualquer que sai através do pequeno chip de rádio. É a voz do "Tio" Lêdo Ivo, a declamar o poema "O Rato na Sacristia". O que aconteceu  quando a voz de Lêdo Ivo - "ledo" no antigo Português-Galaico, significa "feliz", "alegre", pelo que sempre pensei que as pessoas ficassem felizes ao ouvi-lo - pronuncia a frase "O Arcebispo", a empregada, que parece ser dois anos mais velha do que eu, pergunta, num tom muito indignado:

"Porque é que o Arcebispo vem à baila acerca de um rato?"

Eu tento explicar-lhe que o rato não é um rato qualquer, que o poema tem o seu estilo metafórico. Eu, que sempre pensei que as metáforas fossem as figuras de estilo mais fáceis da língua Portuguesa.

A empregada, com o canudo de restauração, começa a dizer que isso não tem jeito de ser, que nenhuma figura do Clero e devotos "Homens de Deus" deveriam ser ridicularizados. Comecei a perguntar-me se um ratito tão pequeno poderia dar uma barafunda, porque a empregada do café tinha levantado a voz no seu sotaque à Porto. Era como se eu tivesse dito que Cristo tinha feito um pacto com o Diabo.

Decidi acabar com a conversa. Não valia a pena gastar o meu Latim, quanto mais o meu Português. Houvera uma falha na comunicação.

Porque é que uma pessoa não pode escrever um poema sobre um rato e uma sacristia? Há pessoas que escrevem sobre mortos-vivos e sobre dragões, e ninguém os censura. Outro exemplo muito caricato desta "Filosofia Portuguesa à antiga" é a questão da  rapariga de seis anos e da Mãe, uma cliente no mesmo cabeleleiro que por acaso, eu frequentei há poucos dias. A menina era engraçada, lia - ou fingia que lia, não sei - um livro. Tinha uns cabelitos louros com uns caracóis "giros", como disse a Dona E. Ora, eu estava com uma t-shirt "quase sem mangas". O "quase sem mangas" é uma expressão, uma vez mais, da cabeleireira. E, por acaso, havia uns meses que eu não depilava as axilas. A Dona E. é tolerante o suficiente para não dar importância. Mas cá está, o futuro da Nação ,com seis anos, a dizer: "Mãe, aquela menina parece um rapaz com os sovacos peludos". Foi como se alguém tivesse dito uma piada qualquer num teatro de revista, ou num sketch de Carnaval. A Mãe e as outras clientes desataram a rir-se. E, para além disso, ainda disse "sim, querida, ela é muito feia". Foi a partir de aí que comecei a pensar. Afinal não há só a filosofia do bem-pensar, de raciocionar e pôr-se no lugar do outro. Há a Filosofia Portuguesa, uma filosofia mesquinha, sexista e rude. Não quero com  isto dizer que detesto as minhas compatriotas, as mulheres portuguesas. Só acho que deveria haver uma Filosofia desde o primeiro ano de escolaridade. Talvez assim, a miúda de seis anos não pensasse "ela é feia". Talvez pensasse "se calhar está ocupada".

A Filosofia também poderia ajudar um sem-número de Mães a pensar: "como é que vou fazer para que ela deixe de ver aquelas telenovelas e séries um pouco estúpidas". Na minha opinião - caluda, pessoas a julgarem-me porque não tenho filhos, e, logo, não tenho direito sequer a uma opinião - há muitas novelas (não estou  a falar de séries americanas, isso é outro assunto) e séries que parecem estar feitas para derreter os cérebros de muito boa-gente. O Bullying, se não é desculpado, é glorificado, de uma forma quase subliminar. Comportamentos de rapazes - ou raparigas - manipuladores, tóxicos são quase encorajados. Se houve um exemplo claro para a minha geração, esse é o Twilight e - cá está, uma novela portuguesa - os Morangos com Açúcar. Sexo sem protecção, comportamentos psicóticos/tóxicos/bullying grave, suicídio...Havia uma forma de narrar isto, mas não através de séries com argumentos de marketing e falaciosos. Não gosto de dizer mal da cultura do meu País, mas, a verdade, é que nunca vi um Pai (ou Mãe) português sem uma educação com uma disciplina de Filosofia que soubesse compreender as séries de hoje em dia, os Avós, o comportamento da pressão alheia. Quando uma série de Pais começou-se a queixar por causa das nossas, tão tradicionais "Praxes", eu comecei a sorrir ironicamente. Claro, querem que eles façam o quê se não têm uma forma de contra-argumentar com este "Bullying institucionalizado"? Detesto a forma como alguns pais dizem "cala-te" em vez de dizerem "porque é que estás a chorar". Uns amigos Coreanos dizem "chega" - "tô" - quando querem disciplinar os filhos. E o engraçado é que na Coreia do Sul, há escolas em que é ensinada aos adolescentes uma forma de serem assertivos e de perguntarem "porque é que estou a fazer isto?"

O meu Pai - ele é licenciado em Filosofia - sempre disse "Catarina, o melhor é estares sozinha do que apanhares um grande susto. Até as raparigas da tua idade podem ser muito más". Ele também trabalhou com pré-adolescentes.

Quando as pessoas perceberem que a velha Filosofia Portuguesa do "quero, posso e mando" não leva a lado nenhum e comecem a pensar "tenho de pensar no outro, tenho de ter orgulho em gostar de mim: não posso ser manipulada, será que isto irá fazer-me bem no futuro", talvez não tenhamos tantos suicídios ou tantos "Desastres no Meco" com pessoas a morrerem por causa de estarem na Praxe. É uma vergonha, mas a Filosofia Portuguesa é, talvez a raíz de muitos males por aqui.