domingo, 23 de março de 2008

Katharina - Pensamentos e Biografia da minha mãe...(parte I)



Mulher: a mais nua das carnes vivas e aquela cujo brilho é o mais suave
De Tifongirl


Começo o meu post antes de ir para Londres com esta citação de Antoine de Saint-Exupéry em honra à minha falecida mãe, que morreu em 1997, e a ela o dedico, com muito amor e carinho da sua filhinha mais nova, a querida bruxinha que, ainda hoje, espera por não ser ameaçada pelo terrível "bruxo maligno" que pode assumir várias formas, e que, até hoje matou tanta gente: o cancer ou cancro...!




Mamã, obrigado por tudo o que me deixaste... Um beijinho.




O olhar tão moderado e soberbo da Katharina fazia-me fantasiar de cenas realmente passadas na vida dela, e como verdadeira bruxa que era, com aquelas mãos tão prestigiosas e que fariam o próprio Hitler tremer de cima abaixo da braguilha.
Era natural que, durante o curto período da sua vida – a mãe foi morta aos setenta e oito anos – como feiticeira negra e alemã, muitos homens da sua época e país natal estivessem aos seus pés. Katharina, em público, raramente usava maquilhagem ou calças, pelo que constituía o estereótipo nazi essencial, sendo virgem, mas, contudo, gostava de namorar muitos e beijar poucos. Por outro lado, os Bruxos também sentiam-se atraídos por ela, uma vez que era muitíssimo semelhante a Eris, o ideal da bruxa no seu todo; inteligente e submissa, culta e elegante, eloquente e bem parecida, a minha mãe punha os olhos de qualquer bruxo fora de órbita. Era uma daquelas senhoras influentes e ricaças que não se deixava enganar por qualquer marmanjo que lhe aparecesse à frente, é por isso que gosto também dela. Era uma mistura de Marlene Dietrich com a Rainha Melnjar, entendes? O meu primo contou-me durante a nossa conversa que, apesar de querer ganhar dinheiro a qualquer custa e preço, a minha mãe não era desonesta e cobarde. Para usar uma palavra alemã no vocabulário germânico do primo, Doch, que significa pelo contrário. Ela era a matrona exemplar dos Von Tifon.
Uma vez que era dois anos mais velho que a própria tia, se podia esperar uma atitude bastante dominadora por parte de Ihre Exzellenz – Sua Excelência, o Duque Willhem Albert Siegfried Couto Von Tifon, herói da Frente Russa, condecorado com a Cruz de Ferro de 1ª Classe pelo próprio Adolf Hitler – quanto à tia. Não senhor, minha querida.
Ele era o predilecto da Tia Kathy, e gostavam muito um do outro como irmãos.
Descobri perspicazmente que, se não tocasse nos pontos negativos da vida da minha mãe durante a conversa, poderia descobrir imensas coisas acerca dela e do meu pai, “o ignorante, tarado e desleixado” do Tomás ou Thomas Alexander McCares, escocês de nascença, um pobre rapaz do campo, com uns parafusos a menos, herdeiro duma grande riqueza e de vastas terras.
A história de Thomas McCares e Katharina Von Tifon é, segundo o meu primo, uma comédia e uma tragédia.
Nasceu no ano de 1904, e já aos dez anos era muito temperamental e extrovertida. Acho que herdei a tendência dela para meter-se em sarilhos e para ser sempre do contra, e também acerca de ter a cabeça quente é verdade.
Era uma mulher muito brincalhona e cheia de surpresas, que, umas vezes estava muito bem-disposta, ora a gritar furiosamente pelos cantos por causa de alguma coisa que tinha corrido mal. Adorava se caricaturar como uma fria, dura e bruxa má loura, mas ela não era nada disso. Em privado, gostava de tocar guitarra e era tão doce e gentil com as crianças como o pó-de-arroz e batom rosa que lhes deixava no rosto.
Imaginei a minha mãe a brincar com a sua própria figura e a fazer vozes para as crianças, enquanto os homens da família e as mulheres destravam às gargalhadas.
Também me ri, tentando aguentar-me de pé, com lágrimas de felicidade a rolarem pela minha cara com a figura ridícula que o primo fazia ao contar aquilo, de pé, na cadeira a imitar numa voz grossa a minha mãe:
- “Vá lá, Coutinho! Não sejas tão mauzinho para a Tia Kathy! Meninos, vamos lá! Andor, andor! Está na hora do chichi cama.”
- Ò Primo Coutinho! – Ri-me, com a barriga a fazer cócegas. – A sério que a Mamã era tão bem-disposta?
- Sim, ias dar-te tão bem com ela… – Suspirou ele. – Vocês as duas poderiam conversar durante horas que se entendiam perfeitamente. Seria ela, provavelmente que dominaria a conversa, porque ela era uma fala-barato. Nasceu uma tagarela, morreu como uma tagarela…
O Primo Coutinho sorriu, também com lágrimas, mas de tristeza…O que é que se passava com ele…?
A Mãe teria alguma coisa escondida dentro das saias?
Com o copo de aguardente segurada pela mão, reparei que esta tremia à medida que engolia a bebida forçosamente.
Com um ar sério, lançou-me um olhar sombrio:
- Enfim: ela era ambiciosa, talvez demasiado para um país controlado por homens, e morreu como uma Cleópatra, suicidou-se!
O meu queixo caiu nesse momento! Como?! E porquê? Realmente, os Bruxos são trágicos por natureza, é sempre a mesma coisa. Sempre que têm tudo na vida, acham-se no direito e privilégio de morrerem duma forma heróica, só porque não tiveram uma vida que não corresponderá ao aceitavelmente ético e honesto. Ainda bem que a Mamã era honesta e não acreditava no Nazismo.
- O quê?! – Exclamei, sarcasticamente. – Como poderia isso ser?
- É o que te estou a dizer, a tua querrida Mamma foi encontrada morta nos arredores de Berlin, com uma pistola prateada encostada à sua orelha a jorrar de sangue, deitada, nua, completamente pálida, mas com um sorriso no rosto. – Declarou num tom sinistro.
Queria chorar, mas a minha natureza insensível preveniu-me de entrar em pânico, servi-me dum copo de aguardente, sem que o primo se importasse com isso, e, num só gole, afundei as minhas mágoas no álcool. Tenho de me habituar às bebidas fortes, afinal, um bruxo não é bruxo se não ser para as bebidas. Soltei um guincho agudo vindo do meu próprio estômago a arder. Está bem, estava um pouco transtornada por aquela notícia, mas o primo, como já devia ter visto o cadáver da minha mãe, apenas acrescentou, bebendo refinadamente a aguardente aos poucos:
- Muito bem, Jessica. Não chores, apenas engole essa tristeza e pena que tens dentro de ti.
Um sorriso cínico bailou-lhe no rosto mal pousou o copo e levantou-se, calmo, como se não fosse nada.
De repente, senti as suas mãos e braços a envolverem-me carinhosamente, qual pai que consola a filha.
Num único instante, senti os seus lábios perto dos meus, e, por uns segundos, pensei que fosse ele o assassino. Sim, porque eu não acreditei muito naquela história de depressão e remorsos. A minha mãe jamais seria tão cobarde ao ponto de se matar com a menos dolorosa e silenciosa arma letal para matar um bruxo adulto.
Senti as suas mãos suadas a penetrarem bem dentro do meu roupão azul-claro, e, naqueles minutos, as mãos, corpo e cara do meu primo mudaram para alguém diferente, um homem maduro, de aspecto nórdico que me puxava egoistamente para perto de si.
Contudo, a voz era a mesma, num sussurrar quase assustador:
- Estou livre, querida Jessica, e tu, também estás, minha prima?
- O que é que está a fazer, primo? – Indaguei, curiosa, ao ver que ele brincava ternamente com os meus caracóis e me levava para o sofá. – Está doido ou quê, passou-se de vez, é?!
O meu primo já não era sim o meu primo, mas sim um bruxo com um amor obscuro e misterioso, quase como se tivesse medo que me perdesse.
Os seus lábios firmes e velhos de homem de quarenta anos fizeram-se sentir, desta vez nas maçãs delicadas do meu rosto, e, enquanto me abraçava provocadoramente, ouvia a sua distante voz:
- Entschuldigung, Jessica. É o meu instinto, tu comprrendes. Quando a morrte surge na mente dum bruxo, seja de que idade for, as suas hormonas ficam mais abertas e logo se dá a transformação amorosa.
- Eu perdoo-o, afinal, o primo deve sentir tanta falta da minha mãe que nem sequer consegue tirá-la da cabeça. – Comentei ironicamente. – Deixe-me em paz!
Se não fosse a Serpente de Fogo a chegar, já se teria dado muita coisa!
Gritou histericamente contra o primo para ele se levantar imediatamente senão era ela quem ficava selvagem. Não queiras saber como é que foi a discussão, as cenas entre a namorada do meu primo e o primo são patéticas.
Adiante, falemos doutras coisas.