terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Sonho de Burlesco (parte II)

Não consegui ver absolutamente mais nada, pois algo de familiar e negro se escondia por detrás daquele espelho. Aquilo não era o próprio Tsesustan, disso tenho a certeza, mas, qualquer dia, desvendarei esse mistério, disso vos garanto!...
Quando acordei, deparei-me com um cenário mais arrepiante do que todos os que já tinha visto nesta noite maluca. Pensei que eram demónios que me tinham raptado, pois tinha os pulsos e pés atados com pesadas correntes de fogo a uma tábua de madeira, produto de uma rústica “reciclagem” por parte dos raptores, mas como consigo dominar o fogo facilmente com a minha magia, não magoava assim tanto.
O meu indefeso corpo, com as roupas rasgadas e descalça (o patrão daquela quadrilha estava a dever-me cinquenta euros pelo vestido) a mostrar um enorme decote no meu avantajado peito com as coxas da perna à mostra, eu estava à mercê de três bruxos, os primeiros a contar da direita tinham as cabeças cobertas por peúgas, cada peúga com quatro buracos para ambos respirarem. O terceiro parecia ser o irmão gémeo do incompetente pé-de-salça do Nälden, só com olhar penetrante e um canino de ouro, com a tatuagem da SPV no braço, uma serpente a atravessar as siglas em caracteres atlantes, e, da forma como se aproximava, este tinha um particular cheiro a talho.
Mais bem parecido, este apontou com o seu dedo para os meus olhos lacrimantes por causa das visões que eu tinha tido e riu-se sadicamente.
- A Bela Adormecida já acordou, foi? – Perguntou ele com um sorriso maldoso.
Não iria permitir aquela ofensa aos meus direitos como bruxa!
Com uns reflexos dignos de uma verdadeira bruxa adulta, concentrei-me num balde de azeite bem quente com os meus olhos a brilhar com um um reflexo qual safiras do mal, fazendo-o levitar lentamente até à altura da cabeça do chefe com o canino de ouro, sorrindo satisfeita.
- Sim, e posso saber o nome do príncipe encantado? – Respondi num tom calmo.
A qualquer momento eu poderia deitar aquele balde sobre a cabeça daquele parvo, portanto, tinha todo o tempo do mundo para ouvir as suas interessantes perguntas.
O Chefe do Canino de Ouro tirou o chapéu de feltro castanho-escuro e fez uma vénia profunda ironicamente, vendo que tinha encontrado uma rapariga difícil e mais fria do que um cubo de gelo.
No entanto, com um gesto rápido, passou o seu distintivo da SPV à frente dos meus olhos e reflectiu-o contra a forte luz dum candeeiro feito especialmente para as interrogações mostrou-me que não só era arrogante, como convencido.
- Nälden, Tenente Gerhard Schweinsteiger Nälden da SPV. – Apresentou-se ele numa forma elegante e militar. – E suponho que a menina seja a Jessica Ilsa Magnetite de Inglaterra, dezassete anos, matriculada no Secundário de Magia Branca do Palácio das Reuniões, de quem o comandante do check in do Aeroporto Atlante tanto me falou.
Proferiu a palavra “Inglaterra” com uma ênfase deliberadamente sarcástica. O típico ódio de os ingleses terem ganhado a guerra estava bem presente, e confesso que pessoalmente também não gosto lá muito de alemães. Mas nunca me descreveria como «Brilhante Estudante Inglesa», tal como não me descreveria como «Ajudante de Museu Anglicana» ou «Estudante Inglesa Anti-social» ou «Estudante Ex-namorada», apesar de ser, ou ter sido a certa altura, todas essas coisas (hoje em dia, não me apanham com muita frequência na igreja).
Com um olhar áspero e sem sentimentos, pegou no meu queixo com um sorriso matreiro, fazendo com que as suas mãos de médico pálidas qual ratazana acariciassem por breves momentos a minha sedosa e suave face.