segunda-feira, 3 de março de 2008

O Dia da Magia Negra...!


31-09-2005

Só reparei que ainda estava a usar aquele anel esquisito e estava a dormir tão bem como nunca. Geralmente, eu costumo dormir muito mal, mas naquele dia, estava certamente bem-disposta e sem sequer pestanejar.
Ora! Que fariam duas horas a mais ou a menos? Bocejei satisfeita, e levantei-me qual rainha dum castelo d’oiro.
O Dia das Magias Negras é feriado nacional, por isso a escola está fechada.
Desliguei o despertador. Um novo dia começara...Estava na altura de descobrir que relação havia com o anel e os indicadores do relógio de pêndulo do átrio.

Às seis da manhã, soaram por toda a Atlântida uma salva de espingardas para acordar toda a gente e convidar todos os Bruxos e Bruxas, Demónios, Cyborgs e Fadas para verem a reconstrução da luxuriosa e espirituosa Cyborg Town de noite e chamar o verdadeiro Mestre da cidade nocturna – a percentagem da população antes da Guerra de Poriavostin era constituída principalmente por estas quatro classes – o Príncipe dos Bruxos, já que o Assassino do Amor está morto, para ser o anfitreão da maior festa a seguir ao igualmente loucos santos populares em Portugal.
É claro que uma vez por ano, nesta noite, não se fala de guerra, nem de diferença de classes, pois estas quatro classes são as mais festivas e alegres de toda a Dimensão Mágica. «...Deve ser espectacular!» Pensei eu ao levantar-me vivamente da cama de uma só vez. « Mal posso esperar por ver a Gueixa Lacrimosa, a mulher demónio que consegue esticar o seu pescoço até a um comprimento indefinido que foi atropelada por um comboio; o temível e terror de Cyborg Town, o Conde Dark Sword, chefe dos Cyborgs; e, principalmente, o Rei dos Bruxos, o governante do Vale da Morte; a maravilhosa Rainha das Fadas, Veridiana II; a Carcereira do Limbo dos Espelhos.........Meu Deus, vai ser mesmo espectacular!»
A gente hoje não está em casa, nem pensar, é, como aqui se diz nos vários provérbios como “ficar em casa é ganhar bolor” , era para “trazer o filho, a filha, a sogra e o cão”, bom ....O Dia das Magias Negras é simplesmente universal, porque “nem nazis, nem bruxos, nem fadas, nem bruxas, nem Cyborgs, nem judeus, nem portugueses, nem negros, nem demónios e nem fantasmas por este mundo perdem esta festança!”
Este dia não se estuda, não se luta, nem se trabuca, apenas se amaluca!
Bom, como podes ver, para mim aquela noite foi de arromba, a melhor festa que já alguma vez fui! E também houve um pouco de aventura, sim, as emoções foram a pique naquela noite. Ouvi falar muito também de que os bruxos gozam com os Cyborgs e as bruxas com as fadas. O mesmo acontece com as fadas e com os Cyborgs. Só se ouve pelas ruas de Cyborg Town o burlesco e música de discoteca nos interiores.
Às sete, toda o Château já estava acordado: ao sair do quarto vi o Nälden a compor e a trautear músicas típicas do Dia das Magias Negras alegremente acompanhado por uma rapariga muito pálida com roube branco e pele transparente de nariz aquilino a cantar desafinadamente muito contente e a pôr o seu cabelo mais desgrenhado e em cima da cara. Era uma dos fantasmas das amantes do tetrabisavô, por sinal, a mais nova de duzentos e noventa e nove anos.
Ele abanava a cabeça à medida que a ouvia atentamente, um pouco desapontado por ela estar habituada a um compasso mais rápido.
- Nein, nein, nein! Fräulein Aiuki, é em Dó maior e não é menor! – Exclamou ele indignado. – Quando chega ao “Ò meu Rei dos Bruxos, levai esta cartinha para o meu rico namoradinho que eu não sou capaz”, não me consegue acompanhar no piano.
A fantasmagórica mulher girou a cabeça várias vezes e chorou copiosamente.
- É porque eu não sei aonde é que vais com as escalas, bruxo duma figa! – Replicou ela.
Fiquei um pouco confusa com aquela cena, aquela alma penada irritante ainda não estava na fonte a dormir?!
Num dia vulgar, teria dado uma enorme descompostura não só a Nälden, como também à minha “tertrabisavó” Aiuki, afinal, sou ou não sou a bruxa mais velha?
Quer dizer, até o primo arranjar uma noiva, sou a mais velha, mas até lá, sou eu que manda aqui no Château, e num dia vulgar, nunca teria permitido que aqueles dois estivessem juntos. Mas este não era um dia vulgar, era um dia em que se ouvia o rufo dos tambores das procissões da SPV à uma da tarde para anunciar a passagem dos espelhos contra a luz do Sol para que os Bruxos presos no Limbo dos Espelhos ouvissem e conseguissem participar no enorme e meio louco carnaval que iria durar até às tantas.
E hoje era um dia em que se conseguia ouvir o Primo Coutinho a ensaiar as suas suites e solos de trombone – pelo que ouvi dizer do Nälden, o Duque Von Tifon estriou com o uniforme na marcha de triunfo das SS quando Hitler tomou conta de toda a Alemanha e ao chegarem debaixo da varanda onde o seu “Führer” saudou-os, em vez de gritar o “Sieg Heil” com os seus camaradas e levantar bem o braço direito, atirou o trombone bem alto e para lá na cabeça da negra procissão de tochas e estandartes com águias e suásticas, gritou “scheisse!” enquanto se queixava do pé porque o trombone lhe tinha acertado no pé, estendendo vigorosamente o braço. Felizmente que ninguém notou a diferença do seu grito famoso, a não ser o meu padrasto, que depois da marcha perguntou se ele estava bem. Que grande barraca. Contudo, ele sente-se ainda orgulhoso por ter dito aquele palavrão em frente do próprio Hitler. Sabes que o Nälden foi nos Anos 20 um aluno brilhante em música de cabaret e em teatro, por isso consegue fazer as músicas mais disparatadas e satíricas que alguma vez eu ouvi! Se fosse menos tímido, poderia substituir o Rei dos Bruxos!
Além disso, ele é ou não é bonito? Não iria perder os seus serviços por causa duma asiática velha qualquer! Sim, estava com ciúmes, e quando uma bruxa ou bruxo está com ciúme, não há nada que o pare!
Pôs os braços cruzados com um olhar cínico e frio que nem o próprio Mestre Samiel Di Euncätzio superaria, fixando com os meus olhos gelados o lindo casal.
- Estou a interromper alguma coisa? – Perguntei num tom sarcástico. – Ou tu não tens mais nada que fazer, Aiuki?
A rapariga desapareceu num fumo branco e voltou para o seu lugar, baixando a cabecinha muito triste. Estava infeliz porque o Nälden poderia quebrar a maldição e eu impedi-o. Enfim, é a vida, ou talvez a morte!
Como sempre, tomei o pequeno-almoço sozinha – não sou lá muito para companhias. Estava uma delícia, e ao ouvir as cantigas disparatadas que se ouvia lá fora vinda dos oficiais da SPV a celebrar o Dia das Bruxas. Pareciam bastante bêbados.
Abanei a cabeça e continuei a comer os meus cereais com leite e cevada. Na mesa, havia uma laranja, mais um pãozinho. Optei pela laranja, e tentei pensar em outra coisa que não o meu Padrasto. Liguei, resignada, com um teclar do botão do comando, a televisão do sistema avançado de cinema. Só estava a dar porcarias nas notícias acerca de como o Capitão-Mor Goldtheeth estava super pomposo por entrar na gala do Dia da Magia Negra que se ia dar no Anel da Serpente. Batiam uma menos um quarto da tarde. Dentro de breves horas, conheceria o General B e os seus planos, uma vez que Sua Malvadez está mesmo decidido a dar o cargo a alguém mais competente do que um velho russo exausto qualquer.
Estou a referir-me, claro ao Kzenah Malagheti, o actual Rei dos Bruxos, que acha justo pormos à mercê daquele sinistro general-não-sei-das-quantas.
A justiça neste país é uma coisa muito bonita, não achas?
Bom, adiante: estava eu sentada a ler um policial, sentada num dos muitos confortáveis cadeirões do átrio, quando um estranho som perturbou a minha repousada leitura:
«click!»
Por instantes, pensei que tinha sido o palerma do meu primo Hans a pregar uma partida idiota e disparatada...Como estava enganada.
Que fiz eu? Simplesmente, ignorei aquele ruído vindo do nada, com esperanças que, se eu não ligasse, aquele burro pararia de me aborrecer com os seus jogos infantis.
Infelizmente, o maldito som ecou mais uma vez pela luxuosa sala após cinco minutos de silêncio e tranquilidade.
A minha leitura era sobre a bruxa feminina e a sua relação com o bruxo masculino, era o tema principal deste fantástico romance era acerca dum assassino que enlouquece pelas suas vítimas masculinas serem seus amantes.
Muito trágico. Detesto dramas, mas não há nada que me intrigue e abra o apetite do que um bom mistério por resolver.