quinta-feira, 3 de março de 2011

Diário da Jessica: 13 de Dezembro de 2005 (Parte II)

“…Era mais do que óbvio: se não fosse a Princesa Sara, eles já podiam estar na bancarrota. Ela tinha tomado conta dos campos, das hortas e de tudo o que incluía a indústria têxtil da família. Tenho de tirar o meu chapéu diante do trabalho que aquela maravilhosa mulher fez com uma cidade quase perdida e na falência. Se não fosse pelos meios de diplomacia, pela sua maneira delicada e sensível de resolver os problemas, talvez eu tivesse conquistado a Cidade Perdida mais cedo…Mas eu estava preso num caixão de gelo…”

Tal como o meu Padrasto me disse, os comunistas, os Nazis, a guerra, tudo aquilo tinha arruinado por completo o ducado.

A minha tia em segundo grau, a Sara, fez todos os possíveis para que os comunistas não saqueassem o ducado depois da guerra, mas era inevitável.

Porém, agora, sem a Sara…Parecia que não havia esperança nenhuma para a família von Tifon. Com os olhos do Destino postos nos três descendentes da Família que ainda podiam reproduzir (Couto, Charlotte, e Katharina) parecia que aquele era o fim de uma longa dinastia de duques alemães.

“…Foi então, que, num dia de Outubro, em que as folhas se levantavam, e eu sentia o frio daquela prisão, mais do que nunca, os ventos (ou melhor, as sílfides, elas tinham sempre pena de mim e vinham falar com o meu caixão, como se eu já estivesse morto, mas eu estava bem acordado, só não me conseguia mexer-me) contaram-me que tinham visto um homem estranho a passear em frente das grades que rodeavam o palácio…

Por mais estranho que pareça, eu nunca conheci Thomas Migntetiyte antes, durante ou depois da guerra. Sim, para mim, ele era um completo mistério. Um mistério que merecia ser resolvido.”

Oh, padrasto, quando eu ouvi esta história pela primeira vez, o meu coração quase chorou de tão emocionado que estava! Uma vez, o Rei dos Bruxos Kasimir Malaghetyev disse: “Um bruxo só se apaixona quando as lágrimas são de cristal, um peixe negro beija uma flor de lótus branca, e a Lua branca parece pintar o céu de dourado!”

Da forma mais impressionante possível, Heydrich tinha chorado lágrimas de cristal no seu caixão, por Sara. E da mesma maneira, Katharina von Tifon (a minha mãe) e o meu pai tinham feito sexo enquanto a Lua cheia e branca parecia um grande holofote sobre um palco dourado.

O Rei dos Bruxos tinha dito aquela frase de uma maneira irónica. Como se fosse impossível que houvesse lágrimas de cristal, peixes a beijarem flores, e uma noite em que o céu estivesse dourado e a lua cheia branca.

Mas estas coisas aconteceram de facto. E eu pergunto-me: “Num mundo onde o amor parece ser quase uma coisa mais inevitável que a morte, mais inevitável que o ar que respiramos, que o sangue que cresce em todas as criaturas, que nasce da árvore da Vida e da Morte, essa coisa mais preciosa, então haverá mesmo Mal em nós, esses que são chamados de Bruxos?”

Não consigo evitar, acho que eu própria estou um pouco romântica. Tão romântica, mas tão romântica, que não sei se vou conseguir terminar a história antes que comece outra vez a chorar.

É por isso mesmo que ouvir música metal é bom nestas ocasiões. Uma pessoa não pode borratar o papel todo com tinta-da-china com tanta choradeira, não é verdade? O meu padrasto bem me diz que eu me devia deixar destas “porcarias”, mas quem não disse que os bruxos mais velhos não gostam de rock ou música da pesada?

Eu tenho a ligeira impressão que a maior parte das músicas e bandas neonazis são financiadas pelo próprio Carrasco em pessoa.

Vou-te contar um segredo: quando era pequena, eu tinha um fraquinho por metalheads, e muitas vezes o Pedro tem de amarrar o cabelo num rabo-de-cavalo para não lhe atrapalhar nos seus momentos de “inspiração”.

Se fosse o meu pai, esse é que era um deus da música! Ironicamente, Thomas Migntetiyte também era um pouco rebelde. Ele adorava o jazz, e quando lhe apetecia “chatear” alguém, lá estava ele com o seu saxofone!

Lá diz o provérbio bellante: “Nunca conheci um feiticeiro que não fosse um músico!” É claro que eu desatava às gargalhadas quando o meu “avô” me contava que “seduzia” as senhoras com os seus talentos musicais.

Eu sei, não sou lá muito bem-educada em fazer pouco do meu próprio pai. Mas não acho que ele fosse do tipo musical. Acho que quando ele pegava num instrumento, toda a gente devia desaparecer da sala.

Acho que o meu pai era mais do tipo que convidava uma senhora para uma caminhada na floresta e, logo quando estavam sozinhos…bem, vocês sabem o que é que acontece quando um bruxo está sozinho com uma mulher indefesa.

Graças aos Deuses que não vivemos nos anos 50 ou 40! Já alguma vez imaginaste usar daquelas saias horrorosas, coloridas e longas que se usava no período jurássico?! Eu estou perfeitamente bem com as minhas calças à militar, as minhas botas, e os meus jeans azuis.

Mas…não achas que eu não estive a jogar as cartas que Heydrich sempre quis que eu jogasse? Uma coisa que eu não sou é estúpida, e a verdade é que me tornei exactamente naquilo que o meu pai não queria que eu me tornasse.

Ao negar a sua própria existência, o facto de ser um feiticeiro (apenas para me proteger da minha família, dele próprio e do Heydrich), o meu pai começou – segundo o próprio Heydrich – a perder os seus poderes. Começou a envelhecer tal como qualquer ser humano comum e o seu aspecto há muito belo e atraente desapareceu, tal como pó numa ampulheta.

No princípio, achei isso um pouco inacreditável. O meu pai continuava sempre com uma juventude impressionante – de cabeça, é claro. Por que de resto, ele era o meu avô, antes de tudo isto começar.

Isto torna-me um pouco depressiva, pensar que sou ambiciosa, fria, cínica e má. Estás a ver no que dá ao contar sobre o passado da minha família? Fico toda fungosa e idiota. Mas isso significa que tenho sentimentos. Se estivesse aqui a escrever, a escrever, a escrever, como se fosse uma máquina, isso queria dizer que era um saco podre sem coração, como a minha mãe, ou pior, como o Heydrich!

Enquanto estou quase a começar a continuar o romance a história do meu pai e da minha mãe, alguém bate à porta.

Oh, é a beta coitadinha e boazinha da filha do amigo do meu padrasto, a Tsuna.

- Posso entrar? – Diz ela, já a abrir a porta, um pouco timidamente, como se nunca tivesse ouvido falar em privacidade, ou como se fosse cega o suficiente para notar o grande círculo vermelho com letras bem gordas e negras “Proibido Entrar” no fundo branco, colado na minha porta.

Ok, tenho de admitir que não sou lá muito bondosa com a minha irmã adoptiva, mas eu estou a escrever, e ninguém me perturba quando eu estou a escrever no meu diário….Ah, quer dizer, quando estou a escrever os meus poemas…Ah não! Que estupidez é essa que tu estás a escrever, Jessica?!

Por causa daquele anjo com olhinhos em bico, estás a baralhar-te toda!

- O que é que é estás para aí a escrever? – Pergunta a rapariguinha de catorze anos. Obviamente que ela não percebe os meus “iletrados gatafunhos”, como diz a minha mãe Katharina.

- Não tem nada a ver contigo! – Respondo eu, com uma cara de poucos amigos, tentando mandá-la embora ao atirar uma das almofadas leopardo que a minha mãe me ofereceu como presente de Natal. E quando me refiro a “almofadas leopardo”, não estou só a falar de almofadas que imitam a pele dos leopardos, mas sim de almofadas que imitam leopardos!

Pode parecer um pouco estranho uma miúda como eu gostar deste tipo de coisas (e nem gosto!) mas a minha mãe simplesmente tinha que me oferecer algum tipo de peluche que se parecesse com um animal feroz.

«Na Bellanária é um sinal de boa sorte ter um felino perto da cama…é para as…para aquelas noites especiais…!»

E, quando ela diz isso, eu acabo por dizer: «Sim, mãe! Eu percebo porque é que a mãe só ficou grávida uma vez!»

- Ai…estás a escrever sobre os símbolos fálicos nos dentes dos leopardos? – A minha irmã é tão inocente! Provavelmente ou foi a Katharina, ou o meu padrasto que lhe contaram sobre aquilo! Caramba, porque é que tinham de pôr uma porcaria daquelas na boca dos pobres animais?

Já não basta estarem mortos… Até parece que estão a fazer outra coisa. Bem…eu acho que a minha irmã não sabe o que a palavra “fálico” significa, ou já tinha entrado em fase de coma por ignorância mínima.

Fico muito envergonhada, e até parece que vou explodir de fúria e dizer o que o “Papá Reini” e a “Mamã” são, mas não tenho coragem para assustar a pequena criatura, tão frágil e tão…pronto, não vou dizer patética ou ridícula, vou dizer…coitadinha.

- Ah…são só coisas…sobre a Mãe e o meu Pai… - Digo, quase tão sinceramente quando como falo com o Pedro.

- Oh, que fofo! – Exclama ela, como se estivesse a ver uma daquelas telenovelas que algumas vezes passa na televisão e que ela e a minha mãe gostam tanto de ver. – A Mamã disse-me que o encontro entre ela e o teu Papá foi super romântico, com velas, a luz da lua cheia, um monte de flores brancas a nascerem no Rio Bênção…

Bem, quem diria! Eu abano a cabeça, admirada…A minha Mãe contou a sua versão à Tsuna?! Claro, a versão do Heydrich era demasiado….Crua! Talvez a Katharina tenha sido sensata ao ponto de não ter referido que o “acontecimento” foi mesmo uma relação sexual!

Com os olhos esbugalhados, eu reclino-me na cadeira e quase que fico espantada por aquilo que a Tsuna conta-me. Claro, a versão das “velas a flutuar no rio Bênção a brilhar com as flores brancas de lótus, as mãos do Thomas e as minhas entrelaçadas juntamente com os nossos corpos perto um do outro, com um aroma a canela e baunilha a pairar no ar, a observar a linda lua no céu de ouro” é muito mais agradável.

Mas aqueles momentos, de acordo com o meu primo, apenas chegaram quando o meu pai, com o seu estranho rosto triangular, o seu aspecto escanzelado de acrobata de circo, e com os seus grandes olhos verdes, decidiu pedir em casamento a minha mãe.