segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Duas caras numa Bruxa.... (Parte I)


O Spiegel, exausto e com o pelo eriçado por causa do nosso dito passeio à Floresta de Cristal, estava a dormir, enroscado na carpete, uma bela sesta infinita. Sortudo.
Não tem o horário preenchido, como eu, por exemplo. O burro do Hans estava a estudar enquanto ouvia música rock-metal no leitor de mp3. E
Será possível eles serem mais arrepiantes e lugúbres que o costume? Não me apetece responder, dá-me um calafrio só de pensar nisso! Quanto ao Tio Seth, estava, todo entretido a ler uma revista dedicado a cartoons internacionais, e, apesar de me considerar deslumbrante no lindo conjunto formal que envergava, ninguém me notava, com as minhas unhas deliberadamente envernizadas de azul-cinza escuro e polvilhadas de pequeno pó prateado verdadeiro calçadas numas suaves luvas de seda pretas para mulher postos de forma provocadora nos meus lábios carnudos vermelhos a brilharem como sensuais diamantes fazia com qualquer homem ficasse paralisado a olhar todo babado para aquele decote desde que descobria desde a ponta dos ombros até quase a chegar ao centro do peito do disfarce da bruxa linda e superficial que cobria a adolescente insegura e tímida. Aquilo é que eram garra de gatinha, mas, por dentro, achava que estaria a exagerar por uma simples saída de noite para beber um batido super gelado sozinha com um dos meus amigos.
Cmo é que ele reagiria...? «Será que valerá a pena? Já tive tantos amigos especiais, muito melhores e mais sexys que o Pedro, para quê ralar-me com mais um cromo de caderneta santinho como ele...?» Eu sabia que, em tempos, por causa da incrível cegueira do meu avô, eu tinha sido uma menina muito, muito, muito marota.
Já tive montes de namorados, e todos eles concluíram que eu era como uma bomba relógio que nunca se sabe quando vai explodir e deixar fragmentos de corações despedaçados por todos os lados. E isso é mais um dos lados trágicos da minha história, nenhum homem que me conhece amorosamente não fica com alguma marca ou lição para contar aos seus netos quando for velho. Confesso que nessa noite tinha (e ainda tenho) um medo de assustar o Pedro com as minhas.....Digamos loucuras.
Só rezava a Deus que – desta vez – não ficasse a ver navios à noite com um enorme desgosto no meu pobre coraçãozinho!
Subitamente, abanei a cabeça e ri-me do drama que estava a fazer, apercebendo-me do quão pessimistas aqueles pensamentos eram.
«Que estúpida!» Pensei eu para os meus botões. «Eu estou uma brasa com este vestido novo e ainda me lamento? Acorda, Jessica Magnetite von Tifon: aquele menino está na tua palma da mãozinha. Sim, ele, a partir desta noite, só vai ter olhos para mim....»
Andava toda contente e confiante em mim própria, mergulhada nos meus pensamentos glamorosos e cheios de estilo, quando um ser irritante e com miolos de galinha me intrepelou.
Acordei para a realidade, e vi o estafermo do adido do meu primo a fechar a porta fortemente, quase como já soubesse o que eu pretendia fazer.
Sorrindo com ar de pateta, ele perguntou num tom afeminado:
- Fräulein Jessica! Para onde é que vai assim toda Luís XVI?
Eu, com a mostarda a subir ao nariz – já ia chegar atrasada ao meu primeiro encontro com o Pedrinho por causa daquele palerma – pus os braços suaves cruzados, e, com o sapato de salto alto direito azul-marinho de pele a bater impacientemente na mármore polida, olhei-o com ódio.
- É que deves ter muito a ver com o que eu faço ou deixo de fazer, Nälden. – Comentei sarcasticamente. – Porque é que não vais procurar o pequenino e oco amendoim que é o teu cérebro e deixa-me em paz, sim?
Mas o teimoso e idiota rapaz de vinte e dois anos estava “pregado” à porta, nada (infelizmente) o faria sair dali.
Apenas ficou ali, de nariz empinado e com os calcanhares juntos qual sentinela duma fortaleza a defender a morada do seu senhor.
Com a espingarda dum lado e de braços caídos, baixou-se à minha insignificante altura de um metro e sessenta e cinco, com um sorriso, orgulhoso por me enfrentar, disse num tom pedante:
- Só por foi mal-educada comigo, agora é que não saio mesmo daqui!
A essa resposta, levantei bem alto a perna bonita e magra debaixo do meu vestido índigo sem alças justo a realçar as minhas ancas e seios, justamente à altura que ele estava, num grande equilíbrio e calma com um sorriso sádico e nervoso.
Oh, que mania! Temos logo de preparar as nossas armas secretas e pesadas com tipos como o Nälden. Como ele não se interessa por mulheres, só mesmo uma coisa muito sensual e picante é que o faz obedecer às minhas ordens.
O tenente, menos corajoso do que há minutos atrás, engoliu em seco, e, continuando em sentido, corou um pouco.
Mesmo assim, não se deixou intimidar pelo meu escandaloso vestido e permaneceu tão duro quanto uma pedra.
Mexi pacientemente nos pequenos símbolos e amuletos atlantes afrodísiacos de diamantes e prata que trazia no pescoço e suspirei satisfeita. Já estava à espera que ele fosse um osso duro de roer, afinal, os bruxos Alemães e os da SPV são treinados para resistirem especialmente às tentativas de sedução das agentes femeninas da Resistência e tornarem-se em homens implacáveis e sem coração. Porém, decerto que haveria uma maneira de o convencer a me deixar passar.
Actualmente, não me orgulho das minhas qualidades obscuras de induzir os homens a fazerem o que eu quero, mas, quando se trata do meu verdadeiro e único amor, não há nada que eu faça para obtê-lo.
Olhando para o solene e severo Nälden, mais quieto e silencioso do que um soldado lá da Guarda Real do Palácio de Buckingham, fiz um beicinho falso e, numa voz de bebé, implorei:
- Ò Otti...Tu és o único....único....amiguinho que me compreende....Serias capaz de não fazer um favorzinho à tua melhor amiguinha? Deixa-me passar.
Respirando bem fundo, ele continuou a ignorar-me friamente durante uns minutos, sem nunca demonstrar nem um só sinal de fraqueza carnal.
No entanto, por receio ou por talvez impaciência, ele abriu calmamente as portas, muito chateado, já a imaginar a descompostura que apanharia quando se soubesse que eu tinha ido a lado desconhecido à socapa.
Antes de eu fechar tranquilamente as portas, ainda se olhou para baixo, e lançou um olhar de pedra.
- Pronto! Pronto! Pronto! – Exclamou Nälden, com dores de cabeça. – A menina ganhou desta vez, mas não se esqueça: um dia encontrará alguém tão cruel e insensível como a Fräulein, e quando isso acontecer, já não vai rir-se num tom jovial....
Só para contrariar o seu aviso e para este não ter a última palavra, sorri em frente para o insinuoso tenente.
- Ah! – Ri-me. – Sempre queria ver isso....Não, Nälden, até te pagava para ver esse filme rasca.
Dizendo isto, fechei violentamente a porta na cara do estúpido e desatei a rir-me cada vez mais alto ao ponto das risadas trocistas se tornarem em gargalhadas maléficas, tal e qual uma bruxa malvada ao andar em direcção aos portões muito contente.