quarta-feira, 24 de março de 2010

Especial Aniversário - O Medo...! (2 de Março de 1949)

O cabelo preto ondulava sobre as orelhas de Sara, à medida que ela deixava os portões do palácio. Mas isso era o que menos importava a ela. Nälden, mesmo sendo o advogado da família e amigo de confiança da Duquesa novo efeminado ao abrir as portas da limusina um pouco chocado, com as sobrancelhas franzidas. Ele poderia ser muito boa pessoa e muito compreensível, que ela jurava que ele tinha ficado com os cabelos em pé ao vê-la, vestida com um ar muito provocativo. Sara apenas trazia uma comprida gabardina de couro preta, juntamente com um kameez – calças justas, mas ao mesmo tempo cheio de árabe design em cetim – que foi combinava com a túnica que era de um azul celeste. O chapéu de bruxa, juntamente com uma prata estrela cadente a cair num veludo brilhante cónico dava-lhe um ar maroto.

- Ah... O quê...? - O piloto alemão arregalou os olhos de espanto. - O que é que se passa consigo, Fräulein Sara?! O mundo caiu de pernas para o ar ou sou eu que estou a sonhar? Ai credo, rimei!

- As perguntas ficam para depois, Nälden. – Disse ela, ao apertar o cinto no banco de trás, enquanto que uma segunda rapariga entrava da porta direita.

Azumi – alegria – era assim o que o nome de uma das filhas do embaixador da tribo dos Meniturt representava. Ela era uma conhecida há pouco tempo de Sara, contudo, a jovem duquesa já gostava da rapariga de humor sarcástico como se fosse sua irmã.

Sendo uma rapariga esperta, mas pouco conversadora, Azumi tinha ficado sem o pai nem a mãe muito cedo. Os olhos dela eram de um estranho azul brilhante, e a pele sardenta e amarela quase que denunciava o facto de ser filha de demónios. Tinha um nariz pequeno e em forma de lâmina, coberto por um pequeno lenço que usava sempre. O lenço, púrpura e verde-escuro, axadrezado, era de um veludo suave e sedoso, comprido, fazendo com que por vezes o sangue azul da jovem rapariga com uma boca completamente desfigurada ficasse transparente sobre o tecido. A Sara nunca tinha medo dos demónios de origem japonesa, e eles retribuíam tal coragem com uma grande lealdade. E, embora a asma fosse só uma mentira esfarrapada, era uma mentira necessária para a sobrevivência num mundo em que aberrações como ela nunca tinham sido aceites. Mesmo ao seu lado, Azumi suspirou melancolicamente e deu um vislumbre para o mar, aquele mar tão azul quanto os próprios olhos.

- É um prazer ver-vos de novo, Sra. Dona Duquesa… – Azumi baixou levemente a cabeça numa grave vénia, fazendo os possíveis para que o seu lenço não caísse.

A Sara soltou uma leve risada e, a seguir, deu uma festa nas costas da nova amiga. As mulheres demónios tinham um sentido de humor um pouco retorcido, mas ela nunca tinha pensado que a jovem Kuchisake-Onna fosse uma dessas poucas criaturas que conseguisse encontrar um sorriso em qualquer altura, tanto má, como boa.

- Muito bom dia para ti também, Azumi. – O perfume escorregava de forma graciosa dos dedos da princesa Von Tifon, ao agradecer o facto da amiga lhe ter aberto o frasco. Ela tinha de estar ao menos um pouco arranjada. – Mas ainda não é oficial…Já não te esqueceste que primeiro tenho de me casar para ser Duquesa da Cidade Perdida?

A rapariga de boca cortada da orelha esquerda até à direita limitou-se a abanar ligeiramente a cabeça, ao fechar com um toque desajeitado, a tampa do perfume, com um cuidado desmesurado para não fazer com que os maxilares se desprendessem um do outro, como muitas vezes acontecia nas poucas vezes em que tentava falar.

- Não é preciso dares-me boleia, mesmo assim, quiseste que eu fosse contigo, quando eu podia muito bem correr a distância daqui até à Cidade dos Deuses numa questão de minutos. – Sussurrou ela, na sua voz rouca e fraca, tão sibilante como uma brisa de Inverno. Ela nunca tido a necessidade para falar alto, a sua presença falava por si própria. As pessoas que trabalhavam no Château e eram humanas até pensavam que ela era muda, ou que simplesmente era demasiado fria e mal-educada para responder a qualquer palavra que fosse. Fazia parte da natureza demoníaca de Azumi ser mais silenciosa do que uma serpente piton do amazonas, e ai de quem tentasse magoar a Princesa. A mulher demónio era muito mais assustadora que qualquer bruxo, e apesar de ser até mais pequena que a própria Sara, nem os demónios mais experientes se metiam com a filha do embaixador dos Meniturt. Apesar de tudo isto, quando falava e estava perto da jovem, a rapariga demoníaca conseguia ser muito simpática, e falava muito. Por vezes até demais para o gosto de Sara. Mas isso não era coisa de mal. A princesa até gostava assim, de amigos sinceros e honestos nas palavras que diziam e nas acções que tomavam.