segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Amor Perigoso (Parte 2)

Agora vou falar-te do Pedro, como não tenho mais nada que fazer.
Acho que não há rapaz mais amigável e simpático do que ele, é claro que algumas vezes pode ser chato, mas é sempre um amigo para todas as ocasiões. Conhecemo-nos mesmo antes das aulas começarem, e a partir de aí, trocámos ideias um com o outro.
Partilhamos o almoço e conversamos animadamente, sempre que podemos, até acho que sou mais amiga dele, do que com todas as minhas amigas!
Sempre pensámos em ir a casa um do outro, ou vir um dormir à casa do outro, mas nunca conseguimos fazê-lo, e a razão é muito simples: ele é um pobre cyborg, sobrinho de um professor lá do PR (Palácio das Reuniões), e eu sou de uma família rica e famosa de bruxos. Imagina o choque das duas famílias se algum de nós lhe perguntássemos para convidar o inimigo para vir dormir a nossa casa. O Dr. Tezcatlipoca Dardo é um fervente adepto do MFC, e tu já sabes como a minha família está envolvida na guerra até ao pescoço.
Quando está com os subordinados, o meu primo faz logo um escândalo por causa da minha relação com o Pedro. Estava eu sozinha com ele, a tomarmos o pequeno-almoço, ele dirigiu-se para mim, olhou-me com sinceridade e disse num tom sério:
- Jessica, eu sei que tu gostas dele e ele de ti, mas imagina se o teu padrasto vos visse juntos…? Eu posso ser um pouco rígido, mas até acho que não faz mal nenhum andares com aquele cyborg. Agora….O teu padrasto era um verdadeiro bruxo, e dos mais austeros que já conheci!
Aí, eu pus a minha mão na mesa revoltada, lançando um ar confiante e valente enquanto comia os cereais com leite.
- Ora! – Exclamei de boca cheia. – Eu não tenho medo duma pessoa que está no Limbo dos Espelhos , e ainda por cima, morta! Para mim isso entra por uma orelha e sai pela outra!
O meu primo riu-se, bebeu o seu café matinal, e, espreguiçando satisfeito qual grande leão nos seus domínios, pousou a chávena suavemente no prato.
Que estaria ele a pensar de mim…? Será que ele duvidava da minha coragem, ou estaria a fazer aquilo apenas para o meu bem…?
- Eu sei! Eu sei que és valente. – Indagou num tom sarcástico. – Contudo, não te esqueças que aquele malvado do teu padrasto é um feiticeirro muito poderoso, ele poderia muito bem vigiar-te através da sua sombra.
Com um sorriso malicioso, acrescentou:
- Quanto ao jovem Junge Dardo, se o teu padrasto o apanhasse, o coitado do rapaz já estarria nos anjinhos!
Olhei o primo com uma mistura de desprezo e vergonha, engolindo de uma só vez os cereais, e fiquei de boca aberta com a sua resposta tão fria.
Ele nunca é assim tão cínico, muito menos sarcástico! Se ele estivesse normal, provavelmente me daria um enorme raspanete, com longo sermão incluído.
Que haveria de mal com ele…? Se calhar estava a fazer aquele teatro todo apenas para me separar do Pedro…
Levantei-me rapidamente indignada da cadeira e suspirei um pouco triste com a atitude dele.
- Oh, Primo Coutinho, não diga coisas dessas! – Disse chateada. – O Pedro sabe defender-se muito bem, e tem muitos amigos no MFC que o apoiam.
Dito isto, encaminhei-me de nariz empinado para o átrio, para depois ir fazer os TPC, e estudar um pouco, ficando com o dia livre para poder tocar piano.
Queria lá saber do primo e das suas mudanças constantes de humor, além disso, havia a piscina particular cá do Château, não iria perder tempo com velhos bruxos que são resmungões à noite e falsos de manhã.
É preciso dizer-te que ele, desde a primeira sexta-feira das aulas em que o meu amigo colorido espreitou pelas grades do outro lado do enorme portão a ver se eu estava em casa para me levar ao cinema, não simpatizou com a cara do jovem.
Outro dia, ao descobrir que o Pedro me tinha mandado uma caixa de bombons com um bilhetinho a dizer “gostava de poder dar-te um doce beijinho no teu rosto!”, passou-se completamente ao jantar.
- O raio do miúdo ainda mas paga! – Dizia, furibundo, entre dentes enquanto massacrava a carne com os talheres, imaginando tratar-se da carne do pobre cyborg.
A Serpente de Fogo ainda quis derreter o ambiente ao atirar-se ao pescoço do irritado general, pondo o seu ar mais de cadelinha abandonada e envolvendo a sua longa trança preta sobre o ombro dele.
Ela sabia como o seu “querido Coutinho” era de um temperamento….explosivo, e decerto, tanto a rainha atlante como ninguém na mesa queria ouvir mais uma das famosas birras do Excelentíssimo Duque e General Willhem Couto von Tifon, famoso herói da Frente Russa na Grande Guerra, e condecorado com a medalha Cruz de Ferro de 1ª classe por Adolf Hitler.
Sorrindo falsamente, deu-lhe qual língua de serpente a cheirar um possível almoço, um beijo no pescoço.
- Oh, bebé! – Exclamou num tom carinhoso. – São idades…O coitadinho está completamente apanhado pela Jessica! Olha os vizinhos, por favor.
O general empurrou-a de uma forma tão bruta que até um touro seria um cordeirinho com aquela violência.
Quão animal é a discriminação entre classes!
- Querro lá saber dos vizinhos! A guerra é muito mais importante! – Respondeu o Primo, elevando o tom. – Se aquele…Aquele rato de rua imundo aparrece mais uma vez que seja em minha casa; mando decapitá-lo!
Nessa altura, apareceu o Spiegel por detrás das botas pretas do seu cruel dono, massajou-as como se concordasse com ele, e com o pequeno focinho empinado saltou para cima e pôs o seu majestoso rabo peludo nas elegantes calças Armandi castanhos-escuros.
O chefe da família sorriu ao ver o seu gato branco no colo, e deu satisfeito, umas festinhas no adorado persa.
- Esse plebeu não merrece a nossa atenção. – Comentou ainda com a cabeça quente. – Não acha, meu caro?
Toda a família sabe que o primo e Spiegel são completamente inseparáveis, depois do Nälden, é aquela bola de pêlo irritante quem se certifica onde vamos.
É um idiota lambe-botas, tanto no sentido figurado como na realidade, e alguns colaboradores da SPV já foram caricaturados na forma deste convencido felino.
Logo que me vê ou a mim ou às minhas irmãs a sair de casa, dá um audível miado de alarme agudo, para que, dez minutos depois, o Primo Coutinho já esteja no nosso encalço ou o Fritz, ou Skánvasse nos perguntem com um sorrisos arrogantes “Aonde é que as meninas pensam que vão?”
Como queria, mais uma vez agradar ao primo, o horrível gato branco soltou um “miau” longo e afirmativo, deixando-se acarinhar pelas festas.
Detesto esse gato horripilento tanto que até me apetecia era dar-lhe um pontapé no rabo felpudo. E disse isso mesmo a Tsuna, que riu baxinho. O bruxo chefe, já enraivecido com aquele mexerico todo só por causa dum maldito rapaz demasiado inteligente para seu gosto e que nunca conseguiria apanhar ou fazer alguma coisa contra ele, soltou uma risada anormal e maníaca.
Era óbvio que já tinha perdido a paciência com a falinha mansa, e é óbvio que queria conhecer esse rapaz e, de uma forma discreta, tentar livrar-se daquela peste para assim não chamar a atenção da imprensa mais....Digamos mais atrevida, como a News Zone, que adora publicar colunas, mesmo páginas inteiras só acerca da crueldade e rigidez com que o primo faz sobressair o seu poder sobre o povo atlante.
Infelizmente, o seu excitante mau-humour não passou, e, sorrindo com um brilho psicótico nos olhos, bateu com tanta força na mesa que esta quase se rachou em duas, provocando uma pequena falha na madeira de alabastro do antigo móvel.
- Minha prima adorada, minha liebe mulher. – Repreendeu entredentes. – Apenas estou a dizer isto para vos prrotegerr do mundo perigoso que é lá forra.
Tsuna riu-se baixinho e nervosa, qual passarinho a chilrear, pondo a mão na boca, abafando os seus risinhos. Ela discordava dessa opinião antiquada e exagerada do primo, mas como não queria arranjar sarilhos, não disse nem uma única palavra.
«O primo é tão autoritário e rígido que qualquer dia incha que nem um balão e estoira, aí é que não restará nada de nada do pobrezinho Primo Coutinho!» Pensou ela a sorrir e a revirar os olhos divertida com aquela situação.
O que fez Horus e Hans também se rirem, tapando igualmente a boca e conversando em voz baixa. Eram mais velhos, por isso não tinham medo que ele lhes desse uma enorme estalada. O primo aqui não é considerado como um pai ou avô, mas sim como o irmão mais velho.
Debruçei-me sobre os ombros de Hans, fazendo os meus cabelos pretos e encaracolados com nuances vermelhas a caírem sobre os seus joelhos.
- Meu Deus, detesto política! – Exclamou ela a bocejar. – É tão chata....
O primo começou de repente a dar murros obstinados na mesa, muito irritado, e a olhar para todos os lados.
- SILÊNCIO! – Avisou ele, levantando a voz. – Só cá me faltava mais esta: para além de levianas, são mexeriqueiras! Isto é uma casa séria, eu não admito barulho!
Eu, como estava um pouco indignada com aquela afirmação, decidi participar também no aceso debate. Detesto quando ele fica com cara de mau ou se arma em ditador machista
Revirei os olhos intencionalmente qual grande actriz muito espantada por aquele comportamento bruto da parte do General von Tifon e levantei-me, ao acabar a minha peça de fruta, maracujá.
- Claro, e suponho que o uso da força e da violência sejam os melhores instrumentos para nos fazer calar, não é priminho? – Insinuei.
No preciso momento em que acabei a frase, o prato de sopa que estava diante do lugar do nosso respeitado general alemão despedaçou-se em mil pedaços. Spiegel ficou eriçado até à cauda e saiu o mais depressa possível da sala antes que aqui dentro o tempo ficasse mais “entroviscado” e bufou contra mim, lançando-me um olhar desprezo tão arrepiante que nem um tigre dentes-de-sabre seria capaz de o fazer.
Um homem alto e levantado na casa dos quarenta de casaco e gravata azuis-escuros com uma medalha da imponente e os olhos azuis muito abertos e o rosto completamente vermelho e inchado olhou severamente para mim.
Dirigiu-se num passo nervoso e acelarado em direcção a mim, agarrou-me firmemente pelo braço, e ergueu a sua mão pesada e forte directamente para a minha cara.
Iria bater-me....?! Naquelas discussões à mesa ele nunca chegava a esse ponto, mas agora parecia que sim.
- Raparriga ingrrata e imperrtinente! Eu a acolhê-la com a maior das delicadezas e ela a fazer-se fina, não é? – Vociferou. – Mas não faz mal, ai daquele canalha cyborg se o apanho! Vingo-me das suas suas tropelias e prego-lhe uma bofetada que ele nunca mais esquece, e arranjo um lugarr bem na frrente parra verres o espectáculo!
Dito isto, acariciou-me um pouco o queixo qual afecto paternal e beijou o meu rosto com um brilho de maldade nos olhos. Voltou calmo para o seu lugar como se nada tivesse acontecido, e fez cuidadosamente de novo a gravata que tinha se desfeito.
Tem a mania que consegueu manter-se mais frio que uma pedra!
Não tardou que a nossa distinta rainha da Atlântida também se sentisse ignorada e furiosa atirou o seu prato ao chão, desfazendo-se a mil bocados, tal e qual o seu coraçãozinho de bruxa.
- Era o que você precisava que eu lhe desse, seu urso! – Ripostou a Serpente de Fogo a soluçar e quase a gritar.
Ao ouvir insultuosa afronta à sua pessoa, o primo pegou no prato qual tigre irado prestes a apanhar a presa, já com a mortarda a subir-lhe ao nariz, e com os olhos a flamejar de raiva.
- Uma bofetada?! Tu? – Exclamou atónito. – Sempre querria ver isso!
Toda a gente na mesa olhava para aquela discussão com uma grande espanto para aquela enorme confusão, excepto o Tio Set, que continuava sentado, olhando-os com uma experiência e desprezo amargos.
- Se concentrassem mais na inspecção que o Agente Social da SPV do departamento do tubarão do General B vai fazer aqui em casa e menos em palermices de família, talvez o Rei dos Bruxos não estivesse tão interessado em nós. – Disse com muita razão.
Aí intervi, um pouco indiferente à conversa:
- Mas então a Serpente de Fogo não tem total poder sobre a SPV?
O primo aproximou-se lentamente da sua amante e, debruçando-se qual lobo alfa para a sua loba, deu-lhe um beijo carinhoso na testa da mão da Serpente de Fogo, segurando-a firmemente com as mãos fortes e um pouco gordas, e sorriu para mim com ar maroto.
- Querida prrima, que rapariguinha esperta que tu és! – Exclamou, sarcasticamente. – É óbvio que o meu amorzinho não deixa nada a ninguém como quem joga no Euromilhões.
A seguir, olhou para a sua amada com ar frio.
- Tu não deixaste o caso do Testamento de Neptuno àquele Filho de Tsesustan do General B, pois não? Sabias que eu tinha máxima prioridade em ser eu próprio a liderar esse caso, e mesmo assim, desobedeceste-me?!
Ela acenou positivamente, um pouco envergonhada.
Mais uma vez, o primo bateu com a mão na mesa, irritado e exclamou em voz alta:
- És mesmo irresponsável!
Eu, revirei os olhos, comentei a rir-me:
- Falou o Herr “General Não-Consigo-Apertar-Os-cordões-por-isso-meu-amor-não-te-importas-de-ajudar-me? ”...
A família toda desatou a rir às gargalhadas com aquela indirecta, e até o primo e o seu monstro raivoso tiveram de fazer um esforço para sorrirem.
Se consegui perceber o que era isso do “Testamento de Neptuno”....? Infelizmente, não, mas depois daquela discussão acesa, ficámos a saber tantas coisas!