domingo, 13 de abril de 2008

Relógios e Pegadas do meu Padrasto (Parte I de II)


Não tenho paciência para escrever acerca da minha família, afinal uma miúda tem de ter a sua privacidade, não achas?

Por agora, vou falar das minhas aventuras, se não te importas.

Reparei que o pêndulo do enorme relógio cor-de-vinho, feito de madeira de carvalho resistente e forte, com aproximadamente três metros de altura, tinha parado de balançar.
Havia, decerto, uma peça qualquer que, sem querer, ficara presa.
A grande águia, empoleirada no cimo do relógio olhava para mim como se perguntasse «Porque não vês o que há de errado com estas rodas de aço perto do pêndulo?»
A curiosidade fervilhava na minha cabeça como se esta última fosse uma panela e a primeira um caldo de brócolos a escaldar. O que me fez ficar com fome, mas como, se ainda tinha comido, há uma hora atrás?!
«Este dia está a ser muito estranho...» Pensei com o sobrolho carregado e muito desconfiada. «Ò Diabo, Jessica... Então queres ver que é o meu Padrasto a tramar mais uma das suas...?»
Felizmente que sei um pouco de mecânica e o funcionamento de um relógio. Ao abrir a portinha que dava acesso ao interior do relógio, reparei que alguém tinha forçado sem êxito a fechadura mágica da qual só o Nälden tem a chave mestra.
Pelo menos com um pé de cabra, conseguiriam arrombar o interior daquela antiguidade numa questão de segundos, mas o nosso ladrão infiltrado, fosse ele quem fosse, tinha deixado uma lima enferrujada e um arame com um cabelo louro na cabeceira perto do relógio. Das três uma: ou era a primeira vez que roubara alguma coisa em toda a sua vida ou as marcas de verniz vermelho estalado que já tinham caído no meu armário da roupa justificavam uma elevada falta de escrúpulos e dinheiro.
De qualquer forma, estava algo preso nas rodas dentadas: um papel a4 dobrado oito vezes com um cheiro fresco a hortelã-pimenta.
A príncipio, fiquei admirada, aquele papel enorme apenas tinha um conjunto estranho de algarismos, o mais bizarro possível, à excepção duma morada em letra timbrada e com uma caligrafia cuidada, dum estilo quase académico a dizer:

03 VT3 13 66 62

A entregar a
Praça Papoilas de Verão,
Junto à fonte dos Imortais

Nome do Atum Enlatado
Código: 13 30 13 MOV


Era só isso, mais nada. Aquela salada de letras e números era mais amarga do que salada de fruta com sal.
Aquela conversa toda de comida deixou-me com a água na boca, mas nem por isso dei-me por vencida. Tinha de saber como se moviam as peças daquele complexo “jogo de xadrez”.
Eu sabia lá que números eram aqueles, e só há uma praça com o nome Papoilas de Verão. Na Cidade dos Deuses, afinal, os Deuses não podem morrer. Com certeza, treze e meia deveriam ser horas, e os outros dois números é que não sabia o que significavam.
Aquelas últimas iniciais MOV...Que significariam?
Pensei, pensei, pensei...E matutei até que o meu cérebro explodisse, mas nada.
As únicas pistas que eu tinha aqui conduziam para um encontro do ladrão agendado para a uma e meia da tarde naquele dia.
Uma coisa era certa: tinha de me despachar para desmascarar esse espião duma figa, porque se ele pensava que podia rir-se da poderosa família alemã Von Tifon, estava muito enganado!
Ia eu pedir ao incapaz do subordinado do meu primo para me dar boleia quando chego ao seu quartinho idiota e nem vivalma!
Onde teria parado aquele boneco articulado, aquela...Como é que hei-de pôr isto duma forma não-ofensiva? Ah, sim! Aquela marioneta de corda germânica que só sabe repetir «Oh, Mein Gott, oh, mein Gott! Francamente!» e nem outra palavrinha sequer.
Tentei procurá-lo por todo os cantos do Château, mas nem sinal daquela miserável barata alemã ruiva de olhos azuis.
Já a perder a paciência, dei uma olhadela ao “parque de estacionamento” perto dos magníficos jardins do palácio.
Para o meu espanto e surpresa, o “Tanquezinho 4x4 de grande cilindrada” estava mais quieto do que uma fada hipnotizada por um bruxo.
Contudo, havia mais um papel no porta-luvas, estofado de pele de zebra – tal como todo o resto do interior – acidentalmente aberto e a deixar, como por conveniência ou distracção da parte de Nälden. Tal como observara das últimas vezes que viera no carro do alemão, o seu estranho comportamento e personalidade eram assinados em cada coisa que fosse sua.
Pendurado debaixo do retrovisor, havia um dado de peluche cor-de-rosa e perfumado do famoso after-shave parisiense Diore Homme com o qual vejo o subordinado e advogado da Família Von Tifon brincar quando há uma bicha fenomenal na suposta via-rápida para o Palácio das Reuniões.
Eu já não gostava de advogados antes de ir para a Atlântida, agora, por causa daquela florzinha-de-estufa alemã, abomino-os!
«Que paneleiro desagradável!» Pensei ao chegar o banho de vapor que se passava ali dentro às minhas pobres narinas.