segunda-feira, 28 de maio de 2007

O convite de gigantes...

Quanto à escola – que isto de falar de coisas tristes não é lá muito fixe para o nosso espírito – tivemos um fantástico duelo entre mim e a Sara. Outra vez, e, como sempre, ficámos empatadas. Se queres que te diga, nós, as mulheres, não damos lá muita importância à comcorrência na guerra e nos jogos, mas quando se trata de homens, até se estala o verniz! Mas como se diz cá na Atlântida: “Ganha a amizade do adversário, aparecimento de um cyborg na casa de um bruxo quando este faz o aniversário!” Ou seja: a igualdade nunca fez mal a ninguém. As médias estão espectaculares cá em mim e na Sara. Portanto, não temos razões nenhumas para discutir.
O problema é que, enquanto estávamos a tomar o almoço, como fazemos todos os dias na cantina, veio um gang de bruxos para aí com dezoito e dezanove anos para a nossa mesa, e é engraçado, pois estes rufias com os cabelos espetados com gel até às orelhas e sem maneiras – ao contrário dos bruxos mais velhos – não costumam ir almoçar a sítios tão “insignificantes e sem categoria nenhuma” como eles o classificam, não senhor! Suas Senhorias preferem ir “Ao Cavalheiro” ou ao Anel da Serpente para tomarem as suas sagradas refeições. Eram um grupo de seis ou sete musculados e altos como sei lá o quê, fumando sem ligarem às regras de que era proíbido fumar no Palácio das Reuniões.
Com as correntes de metal, girando, pondo os chicotes de pele preta na mesa, tirando as gabardinas de cabedal, e sorrindo para mim, para a Junnifer, para a Sara, para a Patrícia, e para a Maria, sorrindo sadicamente.
- Eis que chegámos ao lugar das damas, rapazes. – Disse um pondo o braço sobre Maria, que logo lhe deu a mão a torcer. – E são fortes, pelo que vejo. Elas não precisam de Maybelline pois já são rainhas da festa!
Que inoportunos! Embora estivessem impressionados pela nossa beleza, também estavam igualmente com más intenções.
Não há nada mais irritante que um melga magricela louro burro que não sabe quando desistir, valha-nos Deus!
- Pronto, eu fico com a chinesinha e vós podeis escolher a que mais vos convém, meus caros rapazes. – Disse outro aproximando os seus lábios e fechando os olhos para molestamente beijar a pobre coitada da Junnifer, que já andava a suar, estremeçendo por todos os lados.
Ora bem, a festa já estava a começar a aquecer, se não fosse o Pedro e os amigos dele, a defenderem-nos daqueles estúpidos bruxos tarados. É claro que eu e a Sara já íamos dizer das poucas e boas aos bruxos, mas deixámos isso para os peritos.
Ao verem-nos em apuros, mal acabaram de tirar a comida, eles correrram para junto de nós, empunhando as armas, com um olhar de desprrezo para os bruxos.
O Pedro, que é muito ciumento, foi o primeiro a chegar em nosso auxílio, empunhando o seu canudo letal de metal, olhando os seus adversários com valentia.
- Não têm lata, seus estúpidos bruxos de uma merda? Pirem-se, toca a bazar daqui!
Os bruxos, em vez de se irem embora, ficaram ali parados durante para aí quinze minutos, falando connosco, embora não os estivéssemos a ligar nenhuma. E, discretamente puseram, sem ninguém ver, com as suas mãos ambiciosas, bilhetes quaisquer nas nossas saias enquanto tentavam pôr as mãos nas nossas pernas. Julgam o quê, aqueles convencidos idiotas?
Bom, sabia lá o que eles tinham posto nos nossos bolsos, mas, fosse o que fosse, não era coisa boa, disso tinha a certeza.
Sei muito bem que nós – Bruxos – não somos de fiar, e, embora sermos aqueles que mantêm os Demónios numa certa distância segura, na Fronteira, onde aqueles pobres desgraçados e condenados devem ficar, também somos de uma terrível reputação.
Mas, que faria se ao menos ouvíssemos à vergonhosa e hipócrita que é a nossa classe, portanto, na minha cabeça, vinham à tona imagens de convites expensivos, salões de gala iluminados com candelabros excêntricos à luz azul-escura, e pessoas vestidas de preto, a beberem champanhe, e praticarem actos de orgia abomináveis e bizarros, a divertirem-se como nunca, como dirgidos por um transe de um único feiticeiro, um demónio – e desta vez não me refiro à classe dos demónios – possesso de loucura perversa, tocando em acordes infernais um violino, e observando com um sorriso cínico as acrobacias mortais que artistas faziam perante o senhor daquela casa.
Seria que estaria enganada, ou aqueles seis queríam-nos levar para o covil de um bruxo ainda mais velho e poderoso do que eles…?
As minhas suspeitas eram essas, e poderia muito bem estar certa, afinal, quando fechavam as portas rotativas da cantina atrás de si, eles estavam com um ar de triunfo e malvadez nos seus rostos disformes.
Haveria algum departamento chanfrado nas SPV em especial que gostaria de me ver espetada numa parede de caça de algum implacável Assassino do Amor…?
Se calhar seria isso mesmo que eles tencionavam fazer à minha mãe…Nem acredito que existam pessoas tão más…! É por isso que eu tenho de pôr esta carapaça de sarcasmo para não chorar, porque à noite, tenho pesadelos terríveis, e só me apatece chorar, mas sei que não posso, quem me dera ter uma alma para partilhar estes pensamentos tão tristes, e é por essa mesma razão que escrevo, é por essa mesma razão, que nunca pertencerei a nenhum homem, é por isso que nunca confiarei realmente em alguém. Mesmo na minha família, não sei se estou segura, portanto, tenho que esquecer essa desgraça toda da Guerra Civil, e tenho um medo de pelar se por acaso os boatos acerca da minha mãe ter sido uma prostituta ao serviço do meu padrasto serem verdadeiros.
Todas as noites rezo que não. Todas as noites, vejo-me ao espelho, e, ou vejo uma óptima rapariga com um espírito fogoso que teve demonstrações de coragem comparáveis a muitas das heroínas que conseguiram resistir aos avanços dos homens, ou vejo uma escanzelada de parva, sem passado – sem pais – e sem futuro.
Por falar nos homens, esses são todos iguais, tanto um bruxo como um cyborg, e a tentação faz-nos, como uma vez fez Eva, a ser enganada pela terrível serpente e a sua língua viperina. Onde é que eu errei…? É a pergunta que dirijo a Deus sempre que me encontro a meio da noite, e quando sinto quão pequena e fraca a minha fé tem sido, agradeço que pelo menos me tenha salvo de todos os erros e diabruras que cometo.
Será que alguma vez terei juízo suficiente para não ser assim tão sincera e atiradiça, mas o problema é este, minha amiga: não consigo confiar em nenhum homem, e a morte da minha mãe causada por um homem malvado deverá ser a razão. Terei a pontaria para acertar no homem bom, naquele que será o meu companheiro para toda a minha vida na cama, e, sempre que penso em encontrar pelo menos um tipo fixe, lembro-me sempre da linda ópera de Carmen, onde o Don José faz tudo pela sua amada cigana infiel, mas no fim, ele torna-se num ignóbil e louco assassino ao matar um dos amantes da rapariga, e de seguida, matando-a de seguida, apenas por amor…Isso põe-me mesmo triste, quando vi pela primeira vez essa ópera, chorei tanto no final quando o título trágico era tocado, e via a pobre insensata a ser-lhe espetada a adaga no peito feminino, e o ex-soldado a agarrá-la nos braços, já desfalecida, clamando com lágrimas no rosto “Carmen, minha Carmen adorada!” Valha-me Deus, o que os homens fazem por nós, e qualquer classe que ele seja, é sempre um tolo no que se refere ao amor…E nós, mulheres, caímos na esparrela de enganá-lo ou sermos enganadas. No caso de Madame Butterfly, os meus olhos quase que ficaram vermelhos de raiva depois de ter visto a Cio Cio San a ser trocada por uma americana qualquer que o malvado encontrara enquanto partira de barco. Tão ingénua, a pobrezinha, com um bebé e tudo! E aquele malandro deixara-a quase sem nada! Se ao menos houvesse um homem que me salvasse de mim própria.
Depois há aquela lenda que se uma mulher passar uma noite na cama de um bruxo vai tornar-se tão fria e sarcástica como ele, mas uma vez que eu já sou sarcástica e um pouco fria, achei que não fazia mal nenhum ir ver o que é que aqueles admiradores nos tinham dado de “presente”. Mas isso só seria depois das aulas, quando tudo estivesse mais calmo, sem fazer nenhum escândalo ou coisa parecida.
Seria assim tão mau para a mim uma única noite rodeada de homens, e entre eles encontrar aquele que a minha alma, solitária entre tantos sarilhos e desventuras por que passei, se deleitava a imaginar e a pintar com cores ocultas, ele, o meu padrasto, tão discreto e tão zeloso, aproximou-se da pobre bruxa deprimida, e acendeu-me, despertando-me para um secreto amor…Será isto tudo obra dele…? O que é que estou eu a pensar, que rapariga tola e idiota és tu, Jessica! Não podes ceder à escuridão nem aos profundos abismos da volúpia. Tu és uma mulher forte! Sim, tens razão, pareces mais uma velha a queixar-te quando devias aproveitar a noite…!

Um comentário:

Anônimo disse...

Demoram muito as aulas nesse mundo que habitas? Esse "presente"está a roer-me de curiosidade!Curioso é também que tanto aí como aqui"um homem é um tolo no que se refere ao amor".Mas tu és forte,isso não duvido!e,como se diz por aqui:dá cabo deles!!(linguagem de simples humanos...)