Foi engraçado. A
Yüian gostava imenso de mim enquanto um irmão mais velho e um homem que a
ajudava na aprendizagem de andar a cavalo. Ela nunca andara de cavalo. E eu!
Eu! Eu estava ansioso para mostrar-lhe o quão divertido era sentir o vento a
roçar a cara.
Ela correu num casaco de pele de búfalo, escuro. Os brincos de pena de quetzal estavam abafados pela massa de cabelos negros que lhe caía até a uma cintura, infantil.
- Jovem Senhor! - Ela arfou, o cachecol de alpaca com o padrão Aosbeltzi nortenho escuro, de um azul quase índigo. O escorpião negro estilizado no padrão do cachecol contrastava com o casaco de peles velho e as botas de neve de pele de urso.
Embora já estivéssemos nos meados de Março a neve caía, suavemente pelas árvores.
Sorri, um pouco envergonhado. Estendi a mão que segurava o casaco de pele de lobo Nortenho. Eu encomendara o casaco num impulso. Isto era uma loucura! Eu faço sempre as coisas com um plano, premeditadas. Não sou um homem de emoções. No entanto, o rapaz louro de cabelo apanhado num puxo estava a oferecer três camadas de kimono com um casaco de pele à menina de treze anos.
- Pensei que não podías apreciar o passeio sem um casaco de peles. Ainda está frio.
- Senhor Von Tifon! Não era preciso! - Disse ela, no seu Onisamatzeka pouco fluente, as maçãs morenas, quase acastanhadas, a corarem num tom vermelho, como se tratassem de morangos.
- Yüian...-
Soltei uma risada maliciosa. Tentei disfarçar a preocupação e o ciúme. - Porque
é que eu não iria ficar preocupado contigo? Podem aparecer todo o tipo de
criaturas por aí.
- Nenhum yaojing iria conseguir aproximar-se de mim. - Ela disse convicta. Revelou um pequeno arco com tamanho suficiente para que ela conseguisse segurar. - Ainda sou uma descendente do Clã do Escorpião Negro.
De seguida,
apeou-se no cavalo e olhou para mim com um ar convidativo.
Subi para cima do meu cavalo.
"Tanta confiança para uma menina tão inexperiente!" Pensei ouvir na minha cabeça.
- Yüian...Já alguma vez ouviste falar dos Sussurros Di Euncätzio?
O rosto sorridente da rapariga de treze anos tornou-se sério
- O suficiente para saber que é uma "doença" sem cura. A minha irmãzinha tem o mesmo problema, ela começou a ter sonhos há uns meses atrás.
- Há uns meses?!
De um momento para o outro, a ideia que o novo Clã do Escorpião Negro descendía do...Que aquele maldito clã descendía do Kato Ryuketsu não parecía ser tão ridícula! De repente, um nó estava a prender-me a garganta. Se aquela rapariguinha era uma Cy-bata - e uma descendente do traidor do Ryuketsu - ela seria muito mais forte assim que atingisse a maioridade. A ideia de ter de enfrentar uma feiticeira com o sangue de Kato Ryuketsu fez com que eu ficasse a tremer! Não me agradava nada ter de lidar com alguém como Miyaku, ou a Misato.
- Meu senhor?! Não se preocupe...Eu não herdei aquela doença, ou pelo menos, eu nunca ouvi uma voz ou um coro de vozes!
- Que tipo de inferno isso seria se tu conseguisses sentir as forças dos nossos antepassados. Isso significaria que tu tinhas um pouco das almas deles!
- Oh! Isso---! Isso é horrível!
- Eu ainda não atingi a maioridade humana, Yüian. Mas posso dizer-te : a tua irmã será uma mais-valia para a tua aldeia. É como a velha canção do Kato Hibiki "que serve ter uma cor diferente de um exosqueleto, meu Senhor? Um filho de Aschkazhak'rat continua a ser um filho de Aschkazhak'rat."
Eu sentia-me obrigado a contar a imensa quantidade de energia que o sangue Di Euncätzio poderia dar a um Cy-bata, quanto mais a uma descendente do Kato Ryuketsu. Quanto mais olhava para aqueles olhinhos verdes e as sobrancelhas arqueadas numa expressão de alarme, mais forte se tornava o desejo de proteger, de ensinar a menina.
- Como
assim? - Perguntou com um ar esperançoso.
- Eu podía contar-te como Kato Hibiki conseguiu dominar os Sussurros. Mas é mais divertido passar pelo lugar!
- Ah...Isso não
é um pouco perigoso? - Ela estremeceu um pouco.
Eu sabía o porquê. O Kato Hibiki, ao tentar livrar-se dos Sussurros Di Euncätzio, criou uma enorme fenda na terra onde o mar se encontrava com uma falésia, a vinte quilómetros leste do meu castelo. Muitos dos habitantes de Shunamari que passavam por aquela falésia em férias ou numa viagem de negócios diziam-se tontos. Ao descansarem perto da falésia, eles começavam a ter pesadelos.
Todas as noites, eu sonhava com o dia em que poderia trazer o meu Pai até à falésia. O mar iria engoli-lo, e aí, todas as minhas ânsias, todos os medos seriam varridos, como as vagas varrem a costa, implacáveis. Mas eu não iria contar isto à pobre Yüian. Ela não precisava de saber acerca disso.
Sorrateiramente, fiz com que os cavalos partissem na direcção da falésia. Não porque tivesse intenções de matar aquela alminha inocente! Não; a morte à beira da falésia, aquela queda trágica estava reservada para o velho. Eu; eu...Eu gostava de observar a falésia. Não há outra maneira de o descrever. Eu sentía-me fascinado.
Yüian começou a assobiar, para distrair-se do barulho, da chiadeira infernal que algumas janelas fazíam quando o vento gélido passava por elas! Abriam-se e fechavam-se! Abriam-se e fechavam-se, com um chicotear feroz.
- Não gastes a tua voz... Ainda está frio.
- Desculpa. Nunca pensei que Vossa Alteza era dono e senhor da minha pessoa! - Respondeu a Yüian num tom de desafio.
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