domingo, 13 de julho de 2008

A última canção...


De uma forma ou de outra, a pequena Princesa Sara substituiu aquela víbora venenosa, e cantou até melhor que ela, toda a gente a aplaudiu pela sua linda voz, inclusive a própria e única Serpente de Fogo, que resmungava entre dentes palavras como “aquela judia estúpida” ou “bastardinha duma figa”.
A inocência e timbre angelical vindo da fadinha de dezasseis anos combinado pelo som sobrenatural do Nälden ao piano era quase como um bálsamo para os ouvidos de qualquer um. A sua vozinha, meia sussurrada e suave, relaxava e fazia as delícias de todos os que a ouviam, e, por uns breves minutos, toda a Atlântida acalmou-se para escutar aquele prodígio musical.
Até o coro composto pelas fantasmas e bruxas, criadas da Serpente de Fogo, pararam as suas vozes estridentes e cómicas para ouvir aquele sonsinho espantoso.
A letra, originalmente escrita por Samiel, unida com a orquestra e o talento da jovem, dava uma divina sensação de paz e harmonia lindíssima!
Lembrava a voz da minha mãe a cantar em Alemão a famosa canção “Lili Marlene”, e num tom embalador, Sara embalava humildemente os Bruxos presentes com a sua voz de anjo a cantar a versão da melodia atlante na língua germânica quase fluentemente.
Depois dos longos aplausos, “bis”, “bravos”, e gritos de todas as classes lá na fora na rua que estavam a ver a nossa tímida menina a cantar a última canção cantada pela maravilhosa amante do Assassino do Amor, surgiu, tão misteriosamente como desapareceu, o nosso anfitrião por detrás das costas da rapariga, que o olhava muito assustada e imóvel, sem saber o que dizer. Era natural, uma pequena fada judia vinda duma zona campestre como a Floresta de Cristal não estava acostumada às luzes citadinas e tecnologias do novo milénio. Era também normal que a ingénua menina não se sentisse nada à vontade diante das câmaras e achasse um pouco incómodo aquele barulho e agitação toda da grande metrópole atlante.
Pelo contrário, o “General B” batia palmas e esboçando aquele sorriso tão característico da sua personalidade que não inspirava confiança, contente por encontrar aquela jovem “lira viva” tão bonita.
Baixando-se para ver o que o destino lhe trouxera, ele soprou o fumo da sua boquilha com uma arrogância desprezível para a rapariga, transformando-a numa pequena serpente azul a sibilar num tom interesseiro.
Via-se logo que o Goldtheeth é um mulherengo, mas agora já estava a exagerar, quando a fumarada tocou levemente qual carícia fria no rosto delicado de Sara, fazendo com que ela tossisse abruptamente.
Seria mesmo o Chefe da SPV que estaria por detrás daquela fantasia bizarra e excêntrica...?
Enfiando o pau do microfone quase perto da boca da rapariga, ele olhou para o seu amado público com ar meio terno, meio perverso.
- Sim senhor! – Exclamou ele a rir-se. – Mais uma salva de palmas para a....Oh! Claro está, hoje estou mesmo distraído: wie heiβen Sie, minha jóia? Como é que a menina se chama?
A jovem, sem saber o que fazer, corou tanto quanto um tomate mesmo vermelho, e, encolhida, conseguiu apenas gaguejar:
- Sara....
A Serpente de Fogo, já um pouco recuperada da entorse, deitada num sofá, esboçou um sorriso mesquinho.
Virando-se para ela, olhou-a de alto a baixo e lançou-lhe um olhar rancoroso, como se quisesse que aquela menina nunca mais fosse feliz.
- Oh....Se ela não é amorosa...! – Interrompeu num tom trocista. – Mas...Poderá uma judiazinha sem pimenta e triste como essa rapariguinha mal vestida cativar milhares de admiradores como eu? Acho que não, queridíssimo público.
Depois soltou uma risada diabólica digna da mais pior e ciumenta de todas as bruxas, aliás, se houvesse uma eleição para Rainha das Bruxas, a Serpente de Fogo seria a escolhida. Como se aquilo que ela é disse tivesse piada....
Aquela mulher é mesmo malvada, para tentar humilhar uma pobre rapariga de dezasseis anos e vingar-se duma coisa que aquele anjo nem sequer fez.
A pequena rapariga suspirou muito chateada e cruzando os braços, decidiu não fazer caso quanto àquela cobra, a Sara nunca foi lá grande adepta da violência, tanto física como das palavras. Ela sabe muito bem que pessoas como a venenosa da Serpente de Fogo não merecem a atenção de absolutamente ninguém, por isso, ignorou-a simplesmente.
Apetecia-me dizer umas quantas àquela...Já nem tenho adjectivos para descrever aquela horrorosa.
Ninguém se mete com os meus amigos, muito menos com a minha melhor amiga Sara que me acolheu se olhar para as diferenças sociais ou nacionais ou raciais.
Então, olhando-a com um sorriso tão sarcástico quanto anúncio a uma companhia de seguros, levantei a mão ousadamente, exibindo as minhas unhas limpinhas e pintadas de um verniz roxo.
- Já que gosta tanto de julgar as coisas, porque é que não nos fala do dinheiro que milagrosamente apareceu para a organização desta gala? – Perguntei num tom frio.
Ao que a Serpente de Fogo respondeu, mantendo o veneno na língua e com aquele sorriso falso:
- Queridíssima Sra. Duquesa Von Tifon, todos os senhores e senhoras nesta sala sabem que o dinheiro dado pelos mesmos e comida remete para os meus pobrezinhos meninos lá longe no Afeganistão...
- Sim....Vossa Alteza, disso toda a Atlântida está farta de o saber – Disse uma voz no meio dos convidados. – Mas como é que explica os impostos cobrados às nossas crianças atlantes apenas por não saberem ler nem escrever?
A mulher virou-se colericamente para todos os lados, como um cão-de-caça raivoso, nem acreditando o que aquele convidado indesejado se atrevera a dizer.
Com os olhos lacrimantes de uma forma quase demoníaca, e à beira dum ataque exaustivo de histeria, ela olha com ar incriminatório e ameaçador para as câmaras, que, felizmente para a nossa política exterior, já tinham sido desligadas pelos soldados da SPV.
- Quem disse isso? – Interrogou ela num tom penoso. – O estúpido que apareça agora, senão eu nem sei o que faço!
Com Nälden, o Primo Coutinho e Tsuna sob vigilância, todos os olhos se centraram chocados em Serpente de Fogo. Infelizmente, os dela escolheram-me a mim e eu pus as graçolas de lado, sentindo que o drama ainda não tinha acabado.
Perante vários segundos desconfortáveis, limitou-se a olhar, lembrando-se sem dúvida de que eu a vira perto do Château Von Tifon, a Rainha e Presidente da República Nacional Atlante, crédula, tola, vendida – fraca.
Para a mulher que se vê como a Madre Superiora do Anticristo do Mestre Samiel, tudo aquilo era demasiado. Chegando-se muito próximo de mim, tão perto que eu conseguia sentir o seu Channel nº5 no seu rosto maquilhado e pestanejando furiosamente, com a boca num rito de desprezo, deu-me um discreto pontapé na canela com a ponta do sapato de salto alto.
Gemi de dor, mas mantive-me imóvel, quase em sentido.
- Estragou tudo, sua londrina idiota! – Disse ela, tremendo. – Tudo. Está a ouvir?
Sorri entre dentes e gemi friamente:
- Foi apenas uma demonstração dos poderes da minha família, mais nada.
Acho que ela até era capaz de me pontapear novamente, se não fosse a oportuna intervenção do General B, ou do Capitão-Mor Goldtheeth, ou fosse lá quem fosse aquele homem.
- Posso certamente comprovar isso. – Disse ele. – Nestas circunstâncias, talvez fosse melhor guardarmos as conversas para Dezembro, mais ou menos, pelo menos, até ter oportunidade de se recompor, Vossa Majestade. A descoberta da probabilidade da irmãzinha, num grupo tão baixo da sociedade de Sua Alteza como este, é certamente um profundo choque para ela. E para todos nós, evidentemente.
Ouviu-se na sala um murmúrio de concordância a esta observação, e a Serpente de Fogo pareceu recuperado o controlo de si mesma. Corando um pouco e esboçando um sorriso, um tanto envergonhada, torceu-se e ajeitou o longo rabo-de-cavalo preto, abanando brevemente a cabeça.
- Tem toda a razão, General B. – murmurou ela. – Um choque terrível.
Virou-se novamente para o seu “queridíssimo público” e povo, e, já com as câmaras ligadas, retomou o discurso, mais calma, mas ainda com algumas lágrimas a estragar o seu rímel.
- Tenho que apresentar as minhas sinceras desculpas, meu querido povo. Não só pelo falhanço que foi esta gala, como também pelas coisas horríveis que vos fiz passar, mas...tudo isso é passado.
Dizendo isto, lançou um carinhoso beijo para o seu “querido povo” e acrescentou:
- Começaremos, tal como mandam as tradições e leis de meu pai, uma nova Atlântida, uma....Atlântida livre. Ainda bem que este dia acabou, que eu... Graças a Deus não sofri qualquer dano colateral e....vamos dormir, porque eu tenho o meu pezinho todo torcido...
Com isto, deu meia volta e andou solenemente para fora da sala, acompanhada de várias das suas damas de companhia a coxear e grunhir coisas como «Porquê?!» ou «Só a mim, só a mim!» ou até mesmo «Maldita a hora em que eu concordei beneficiar esta ideia estapafúrdia!»

Um comentário:

Anônimo disse...

Simplesmente muito bom. A descrição dos personagens está "10". Espero o desenlace.