quinta-feira, 2 de junho de 2011

O Baile da Festa das Bandeiras (Parte II)

A Cidade dos Deuses é uma cidade pitoresca. Da primeira vez que a vi, pensei que tinha voltado ao passado. Mas Nälden rapidamente me explicou que era uma cidade como qualquer outra, com os seus pontos modernos e as suas ruas ainda mais antigas, excelentemente bem conservadas, com jardins magnificos na Primavera e sítios refrescantes no Verão como fontes, arcos, escadinhas, esplanadas e outros sítios tão simpáticos que seria um pecado não passar por eles. No centro histórico, correm dois riachos que rasgam com as suas espantosas correntes, selvagens como um bando de cavalos brancos cobertos de espumas as colinas sobre as quais a cidade foi construída, há milhares de anos atrás. As praças e as ruas mais largas ficam no centro, mais abaixo, perto da praia. Aqui não há ravinas ou falésias. Os bairros são das mais variadas nacionalidades possíveis: no começo do Outono, estava ansiosa por os verm, tanto o árabe como Chinatown, o bairro onde Samiel Di Euncätzio tinha crescido há centenas de anos atrás. Fica muito perto da floresta, à beira da zona mais a Nordeste, onde o terreno é mais regular e as estradas não são assim tão modernas. Se entrássemos pelo sul, veríamos auto-estradas muitissimo desenvolvidas e bem indicadas. No entanto, a minha família tinha ido à faléncia depois da guerra, e os comunistas não se tinham dado ao trabalho de desenvolver ou construir casas entre a fronteira da floresta que separava a Cidade Perdida e a Cidade dos Deuses. Há pinheiros bravos, oliveiras, figueiras, ciprestes, e o ar é tão puro como nos tempos em que estas estradas eram a única hipótese para os viajantes. Obviamente, a casa do Assassino do Amor tinha sido demolida, mas as casas tipicamente japonesas, com as suas pontas encurvadas, outrora pertences de senhores bruxos e nobres guerreiros humanos, ainda continuavam de pé. Os Bellantes orgulham-se muito da aliança Bellante-Nipónica, que perdura desde o ínicio do século doze, e os leões de pedra de dois metros ao pé dos portões da velha estrada de há sessenta anos atrás, são provas disso. Agora, com as pedras da calçada molhadas, vê-se por vezes uma rapariguinha de calções, pele morena e amarela, olhinhos negros, a espreitar com os seus longos cabelos apanhados numa trança habilmente bem feita, com um walkman nos ouvidos, um sorriso despreocupado a brilhar-se nas faces redondas, enquanto deixa que a terra e a natureza façam o seu trabalho, durante o Inverno. Os agricultores aqui têm pouco a fazer durante o Inverno, e como hoje é o primeiro dia do Festival das Bandeiras, quase ninguém trabalha. O pai dela, um homem de estatura média, com o corpo cicatrizado e desenvolvido devido às austeridades na vida do campo, inclina-se quando passa o carro. Tem uns jeans quase gastos, e usa umas sandálias de plástico, que possivelmente já devem ter vinte anos! Embora esta gente seja muito pobre, eu fico muito contente ao vê-los. Antigamente, vivia aqui gente muito rica: guerreiros de elite, feiticeiros, mercadores de sucesso, músicos, escritores famosos... Mas isso foi antes do Tratado da Magia Universal. O que aconteceu foi que, depois de tantas guerras, tantos desastres, os bruxos ficaram proibidos de usarem a Magia para magoarem os inocentes. Isto não é uma Losjafhden, mas as pessoas de descendência oriental, com as poucas coisas que têm a não serem as suas casas, a comida, um forno de água quente, as paredes de tijolo simples e gasto, o musgo a crescer perto dos pântanos, à beira dos maracujazeiros, faz-me pensar que os Japoneses nunca saíram bem vistos à beira dos bellantes, a partir da altura em que os Europeus começaram a vir para as ilhas bellantes. Mas esta gente sempre viveu com uma vida simples, não achas?
Por outro lado, os Chineses lucram ainda muito com as suas vendas, o seu bairro ainda é próspero depois de centenas de anos. É engraçado, pois Sara e Tsuna contam-me isto como se elas próprias o tivessem vivido. Segue-se o bairro Árabe, mais próximo da cidade, mas mais se parece com uns subúrbios ocidentais. Os prédios, altos e bem construídos, mostram uma realidade completamente diferente da vida rural Japonesa, e existem algumas mesquitas por aqui, perto da praia, nuns rochedos bem fortes. É aqui que normalmente os mercadores se instalam, e aí, vê-se que as aparências enganam: as pessoas no Sul vivem muito bem para apenas viverem da agricultura, dos negócios ou do comércio tradicional e da pesca...Para dizer a verdade, o multiculturalismo, a troca de experiências, enriquece a cidade. Por isso é que se diz quando se passa pela Rua dos Carniceiros (uma rua grande e larga, onde a maior parte dos feiristas instala as suas tendas) que a economia tem duas faces: a parte rural, a tradicional e a moderna. Mesmo à beira, há prédios de cerca de duzentos metros de altura, todos eles com vidros, varandas, paredes, campainhas, computadores, telefones, internet... Enfim, há os orientais pobres e os orientais ricos. E depois há os tradicionais, que usam quimonos, saris, e outras vestes como aqueles xailes da América Central, as saias compridas, as sandálias, os pés descalços, as maneiras muito hospitaleiras. As pessoas da classe média são igualmente simpáticas.

Embora eu não goste lá muito da maneira como as raparigas bellantes se exibem com os seus casacos, as suas saias apertadas e justas, os sorrisos desprezíveis com que se atiram aos feirantes, irónicas, a maneira de falar, os cabelos encaracolados ou macios penteados a Europeias....Uma vez, vi um rapaz bellante de cabelos castanhos alourados, encaracolados, um pouco gordo de cara, com o walkman nos ouvidos (já dá para notar que as pessoas cá nesta ilha gostam de todo o tipo de música) uma t-shirt branca e jeans imundos, mas com uma mala de couro toda fantástica, nada a condizer com os ténis pretinhos e a pastilha elástica irritante, sempre a estalar naqueles dentes tortos, mas brancos. Após algum tempo, começo a pensar que os adolescentes bellantes - ou as pessoas da minha idade - não têm gosto nenhum. Seguem o estilo americano ou das grandes capitais europeias, sem serem originais. Quer dizer, há combinar várias roupas como uma t-shirt púrpura com um casaco de couro azul-escuro, umas calças pretas e umas botas pretas, com um batom vermelho e o cabelo ruivo ondulado, sem maquilhagem nenhuma. Agora, esta gente não tem estilo nenhum!

Mesmo assim, lá fui eu, com uma cara de poucos amigos, acompanhada pela Sara, que sorria brevemente para as pessoas com quem se cruzava na rua. É preciso dizer, toda a gente na Bellanária a conhece - e toda a gente na Bellanária conhece os Von Tifon. Na altura em que passavámos pelo Templo da Senhora Shamanarta, o Nälden pôs uma canção dos Scissor Sisters e dei-me comigo própria a trautear a música, enquanto passávamos pelas barracas em que normalmente, a Festa popular das Bandeiras se celebra. Há muitos souvenirs nestas barracas, desde as canecas em forma de mocho, até a uma coisa tão ridícula como um amuleto de couro de serpente. As pessoas normalmente não são bellantes de gema. Mas enfim, é engraçado ver um paquistanês a tentar falar bellante. O pai da Sara era paquistanês. Aqui, nesta praça aberta perto do palácio da Senhora Shamanarta, onde as flores de jasmim decoram a estátua da deusa e há duas laranjeiras a guardar o palácio, há gente de todos os continentes. Pareceu-me ver um casal de turistas americanos de férias com umas calças levezinhas e t-shirts, mas acho que foi só uma impressão minha. Na verdade, não está tão frio nesta cidade como em Cyborg Town ou na Cidade Perdida. O tempo só está um pouco nublado. No topo, consegue-se ver a torre onde há a varanda do palácio. A serena estátua em pedra da Senhora Shamanarta está no meio da praça, como que a vigiar tudo e todos, com o seu olhar calmo e gentil, as suas mãos delicadas e o seu belissimo sorriso, com os cabelos negros anelados, a vestimenta humilde e branca, o pesado terço de contas de madeira ao pescoço, e a tiara de bronze com uma colorida pena de pavão na cabeça. Lá, perto dela, há um quiosque cor vermelho, provavelmente dirigido por um ucraniano, que prega como se houvesse missa. Ele venda revistas cor-de-rosa, gomas de todas as cores, alguns jornais na língua Nahuatl, uns periódicos Japoneses, uma revista Chinesa para as senhoras, uma revista de carros escrita em Cirilico, uma revista de miúdos em Alemão, alguns quebra-cabeças em Inglês (whooo-woo! Já não vou passar uma seca enquanto esperamos pelas entradas no átrio!) , e algumas bebidas. A Sara diz-me que, na Primavera e no Verão, ele costuma vender limonada, coca-cola, e alguns gelados, para fazer concorrência à casa de chá italiana mesmo à beira, no edíficio de arquitectura romana.
Mesmo à beira, há um teatro onde há, frequentemente, concertos, óperas, ballets , e isto retoma-nos a França e às capitais Europeias. Por vezes, no Inverno, há umas comédias em Japonês, e apercebo-me que as pessoas cá na Bellanária falam muitas línguas.


«Seja aonde for, curvamo-nos quando vemos alguém superior. Mas nós, como somos Von Tifon, só devemos inclinar a cabeça quando cumprimentamos alguém. Os homens costumavam beijar as mãos das senhoras nobres. » E uma data de coisas que a minha mãe já tinha explicado, mas num tom menos compreensível e mais agressivo.


Depois de passarmos pelo porto da Cidade dos Deuses, chegamos finalmente a Suryadevnahutbal, onde já uma centena de bandeiras azuis-escuras com mochos prateados voam ao sabor do vento.

Quando estacionou o carro à beira dos enormes portões de ferro com pontas afiadas e espinhosas, Nälden olhou, com um misto de admiração, respeito, espanto e medo para aquele que é chamado do "Distrito Sagrado". Três fadas de prata esculpidas nos portões protegiam as entradas. Estavam tatuadas com orações para guardar a Família Real. Naquele momento, pensei se serviriam de alguma coisa se o General B quisesse mesmo ir ao baile sem ser convidado. Não fiquei admirada quando reparei que não haviam guardas a fazer guarda nenhuma, apenas uns porteiros vestidos à civil, com túnicas púrpura e um medalhão de uma adaga em prata e jade. Porém, as botas e as espadas indicavam que pertenciam à SPV, a polícia secreta. Pois, como se isso fosse impedir o General B...ele é da SPV!

O jardim que rodeia os paços, palácios e átrios do palácio Dristin Weltar é fabuloso! É como se tivéssemos entrado numa ópera grega, e as pinturas de fresco nos enchessem de uma sensação barroca, em que só faltava o cravo tocar para nos sentirmos noutro mundo. Há várias pinturas a decorar os muros do jardim, repleto de pinheiros, salgueiros, sobreiros, chorões e tílias. Perguntei-me como é que seriam se os lagos estivessem gelados, e o solo coberto de neve. De certeza algo magnifíco. Nos lagos vulcânicos, os nenúfares e as flores de lótus continuavam florescidas, verdes e belas, naquele ambiente cinzento e majestoso, oferecido pelas colunas gregas da entrada principal.

Passado pouco tempo, a Serpente dee Fogo, a rainha da Bellanária veio receber-nos num vestido todo ele azul-escuro, com o cabelo negro apanhado num apanhado que fazia um nó em forma de caracol do lado direito superior da cabeça da nossa rainha, que trazia a coroa de ouro imperial na testa. Ela caminhou pé ante pé nos sapatos de salto-alto prateados, ocultos por dentro da saia comprida e justa de gala que fazia o seu corpo de mulher ainda mais sensual, parecendo muito nova para ser a figura imperial àqual muitos bellantes se ajoelhavam quando ela passava no seu carro quando ia à rua. Caminhava numa passadeira de veludo vermelha, para não molhar os pés. Os seus maliciosos e atiradiços olhos cor de avelã0 cintilavam sobre as luzes elétricas dos holofotes e das luzes, cuidadosamente postas perto das colunas jónicas de mármore branco do palácio. O nariz, o pescoço, a cara - com excepção dos lábios, esses pintados de vermelho vivo de sangue - estavam cobertos em base bege, para se parecer ainda mais latina. As unhas compridas e vermelhas acenaram na nossa direcção com um ar muito orgulhoso e exagerado. A expressão no rosto dela era de puro êxtase, ao acelerar o passo, com a sua carteirinha de pele de cobra prateada a tiracolo.

- Sara, Jessica, Tsuna, queridas! - Ela exclamou, num tom quase histérico, ao abraçar-nos com um toque superificial. Ela dirigiu um olhar quase de relance para a nossa amiga mais velha. - É tão bom ver-vos...já que andam tão metidas nas vossas coisas que quase nunca saem comigo!

Eu revirei discretamente os olhos. A prima em segundo grau (a Sara é filha da minha tia-avó) não merece ser tratada com aquelas indirectas. Ela já passou por imensas coisas para que a Serpente de Fogo lhe chame de florzinha de estufa. Vai ser uma noite fantástica. Pensei com ironia.

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