quarta-feira, 6 de junho de 2012

Um café com canela às sete

Olá, daqui Jessica Von Tifon, a bruxa que vos contou as histórias da família mais louca do mundo - a seguir aos Addams, a sério, a minha família é um manicómio!

Quando penso que toda a gente vê-me como uma rapariga super simpática, amiga dos outros e com um humor muito refinado, ninguém diz: "Lá vem a neta do Duque Von Tifon..." ou "Olha, cuidado com a bruxa!" A minha família é que me conhece... É verdade é que sim, posso ser um pouco mázinha quando quero. Mas hei, a minha mãe era uma leoa com os homens, o meu avô era um pouco excêntrico (se bem que até acho que podia dar-me muito bem com ele)...Não me podem culpar por ser assim. Uma vez, um colega meu e a minha pessoa estávamos a conversar calmamente. Quando eu lhe digo que as raparigas Bellantes são simpáticas, ele diz-me assim, com toda a naturalidade do mundo, como se soubesse perfeitamente como é que são todas as mulheres bellantes, sejam elas humanas ou bruxas:

"Cá para mim as miúdas são todas umas piegas..."

Ai, valha-me santa pachorra, senão fosse a minha paciência de santa - que apesar de ser uma bruxa, ainda tenho uns nervos de aço, digo-te - eu juro que lhe dizia quem eram as piegas! Dava-lhe um murro no sítio que eu cá sei que ele perdia logo a vontade de repetir a graça. Porém, uma vez que os meus lindos olhos verdes (que nisso, são iguaizinhos aos do meu avô) não sabem mentir, o franganote lá disse, um pouco assustado:

- Sem ofensa, Jessica! Tu não és assim, tu até és muito fixe...

- Podias inventar uma desculpa qualquer para dizeres que estás com medo de mim, Thaiko! - Disse eu num tom desconfiado, muito mais amargo que o café que me fora servido. 

O Thaiko, que apesar de ser mais velho que eu, com um ar de quem preferia estar à chuva do que estar a ouvir os meus comentários sinceros, tentou desviar a conversa para algo menos embaraçoso:

-  Então...ouvi dizer que acabaste com o Pedro...porque é que fizeste isso? - Perguntou num tom um pouco curioso, como se tivesse pena do cyborg.

- Não foi por causa do Fixtanea ou do meu padrasto, se é isso que estás a pensar. - Bebi um pouco do café, pensativa. À noite, continuo a perguntar-me a mim mesma porque raio teria feito tal coisa, mas quando via o Pedro agarrado à Sara, muito apaixonado por ela, não conseguia ter pena dele. Dela, com certeza que tinha, aquela rapariga já nasceu ingénua! - Além disso, ele desiludiu-me e os tipos que desiludem-me não merecem o meu amor.

O café do coitado do Thaiko já estava frio de tanto ele mexer nervosamente com a colher.

 - Ah...então não te importas com o que possa acontecer com ele?

- Cá por mim ele até podia ser atropelado por um carro da SPV... - Comentei enquanto sorvia calmamente o café com canela.

Eu até podia dizer isso com a maior das indiferenças, mas no fundo, sabia que estava a chorar por dentro. Também aquele palerma não merece que eu esteja a deitar ranho por tudo o que é sítio. Estava um dia de chuva, húmido como eu sei lá o quê. Tal e qual como em Londres...Não sei porquê, mas sempre que estou triste, vem-me à memória os dias cinzentos em que estava sozinha em Londres.

 Numa das janelas enevoadas e turvas com a chuva gelada, vi dois olhos azuis a espreitar. O Thaiko tremeu ao ver o que eu vi, mas eu não tremi. Tinha saudades do meu avô - isto é, do meu pai - e realmente, agora que sei que o Fixtanea era realmente o meu avô (Adrian Demetrius Von Tifon) disfarçado, não consigo odiá-lo. Quando cheguei à Bellanária e ouvi falar sobre ele, não deixava de pensar: "Deve ter sido um homem incrivelmente poderoso!" Depois, tenho tantas perguntas para lhe fazer...

Estou a falar como se fosse a Sara não é? Mas isso de eu ser curiosa já é de família.
O meu avô caminhou calmamente no café um pouco...Como é que eu hei-de dizer isto de uma forma simpática? Ah sim, era um café um pouco rasca. Enfim, os amigos da Sara nunca podem ter bom gosto. O cáfé chamava-se Doçaria Madrid, e, exceptuando os bolos, o café vinha sempre queimado. Mas é um daqueles lugares em que uma pessoa vai e nem a chuva parece assim tão deprimente, com o ar velho e o cheiro a anúncios dos Anos 20 com Art Novae esparramados pela parede dourada.

Estava a usar uns sapatos italianos pretos, com um sobretudo preto, e um cachecol bem elegante. Definitivamente não estava com cara de quem estava contente por me encontrar num sítio daqueles. Ao fechar o guarda-chuva (para alívio do dono do café, que era mais supersticioso do que a nossa vizinha de Merlonogrado, uma velha mas tão velha que a canção Portuguesa "Era uma velha que morava numa ilha..." faz com que eu desate às gargalhadas sempre que a ouço) ele pediu o mesmo que eu: um café preto com canela. O dono lá acenou aos tremeliques que sim, Vossa Alteza, é para já! As pessoas com mais de setenta anos ainda se lembram do homem cuja voz na rádio lhes fazia um calafrio na espinha.  E pensar que o meu avô é muito mais velho que os humanos e consegue andar àquela chuva sem soltar um único espirro!

Sentou-se à minha frente, enquanto o Thaiko retirava-se discretamente com um ar de quem não queria ser olhado de lado pelos clientes. Eu tiro o casaco e quando toda a gente vê a marca do falcão dourado com os três fogos-fátuos no meu pulso direito, é como se caísse um silêncio de cortar à faca sempre que vou a algum sítio!

Até pareciam bóis a olharem para um palácio...

Lançei um olhar um pouco carrancudo para os outros clientes.

- Que foi? Nunca viram um homem a tomar café com a neta?! - Perguntei com um ar muito indignado.

E de imediato os outros clientes pararam de olhar e retomaram ao que estavam a fazer. Revirei os olhos, aborrecida com uma das mãos na colher, brincando um pouco com a ressonância da chávena de vidro. 

- Palermas... - Murmurei entre dentes.


O meu avô soltou uma fungadela divertida, enquanto agradecia com um acenar cortês pelo café à empregada Lituana.

- Lembras-me a tua mãe…

- Mas porque raio é que lhe lembro a maluca da minha mãe? – Perguntei, admirada com a pergunta.

Ao sorver um pouco do café com o mindinho esticado, ele esboçou um sorriso ao dizer em Alemão:

- Du kommst auf meine Mutter…Bist du jörzenig wegen dieses idiöten shy-bata?

Tendo a esquecer-me que o meu avô não sabe falar assim tão bem Inglês quanto o Alemão, o que por vezes é um bocado chato. Não consigo perceber metade do que ele diz em Alemão por causa do sotaque de Shunamari e quando fala, é quase num sussurro. A minha mãe também tem esse sotaque, mas o Inglês dela tem um sotaque Americano fluente.   

Conformada, encolhi os ombros.

- Se está a falar daquele palerma do Pedro, então não, não estou chateada! – Respondi num tom muito rude e zangado. – E se quer que lhe diga o senhor não tem nada que me seguir para onde quer que vá…

Ao pegar na minha mão ele começou a falar em Bellante do Norte:

- Estava preocupado contigo, saíres assim sozinha de madrugada! Pensei que tinhas perdoado aquilo.

Ri-me, como se não acreditasse no tom amável dele. E não acredito mesmo, eu sei perfeitamente que o meu avô esconde sempre qualquer coisa por detrás de uma voz viril, grave e autoritária que por vezes é sedutora.








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