domingo, 23 de setembro de 2018

Páginas dum Diário Secreto

Tudo bem? Houve um hiato muito grande - não gosto de escrever em Português, mas já estou activa.  Vou ver se consigo adicionar uns botões de partilha de Facebook e Twitter para vocês partilharem as minhas histórias.  



Olá, Jessica Von Tifon por aqui.

Encontrei um diário poeirento no quarto onde o meu Avô costumava dormir com a Vovó Abir.  É uma pena que esteja escrito com carácteres Ku-naira. As páginas são muito bonitas, com um aroma penetrante a bambu e a incenso. Tinha um aroma a incenso e a baunilha preta. Estremeci um pouco ao pegar no velho diário. Algumas das páginas pareciam ser feitas de gelo.  Eu não devía estar a ler isto, uma vozinha começou a me chamar, a convencer-me. Eu sei que eu não devía fazer tal coisa. .  
Porém, o meu Pai nunca me falou sobre o Avô.

Era uma meia-noite que apavorava, e, entre pequenos reflexos de flocos de neve, abandonados, eu olhava. Olhava, ora para o livro, ora para os meus cabelos, o único reflexo de calor que vinha da lareira do meu avô. 

A Mãe não vai desconfiar se eu dar uma olhadela, não é? Afinal de contas, eu não sei ler Ku-naira. A maior parte das partículas gramaticais nos Kanji pareciam ser demasiado arcaicas para eu perceber.   No entanto, assim que eu comecei a tentar ler um poema, as palavras se rearranjaram, carácteres outrora muito complexos para mim começaram a mudar, a tal ponto que o discurso com Kanji verticais se reorganizou para se parecer com a minha língua, com o Schangrunnmarck. 

" Duvido que alguém possa compreender estas palavras
Tão simples, mas tão complexas..." 

Dei um salto, com um pequeno grito a nascer na garganta. Acolhi-me, amedrontada, aconchegada com a manta. Os meus cabelos cor de sangue olharam para o livro, ora para a janela arcaica, gótica, em forma de espada. 

Um rumor triste, vagaroso de pinheiros e cisprestes a dançar, ecooava das cortinas grossas, tingidas numa cor tinta e mórbida. 

Com a vela como companhia, eu retomei a leitura. 

"Ah, este jardim tem uma cor diferente, 
É uma cor de Primavera, 
Era uma radiante luz, luz radiante
Entre estas divagações a flor de Inverno estivera
Aqui, presente, presente! 
Das sakura em flor e das outras flores, não menos majestosas,
Como poderia eu, sentir-me apático, indiferente?  
Mas eu estou. Eu estou. Porque a minha Mãe não está aqui comigo. " 

Uma ponta de tristeza fez com que eu suspirasse perante estas linhas. Não sabía o que fazer perante esta confissão tão intíma. 


Fazía-me lembrar um poema sobre o Nykk, uma criatura de lagos e rios da minha terra, da terra do meu Pai.   

A princípio, pensei que estaria a sonhar. O velho diário do Avô só podia estar escrito em Ku-naira e nada mais.

A Bisavó Yui...A Bisavó Yui não parecia ser uma criatura tão má assim quando está nos quadros.

"No meu jardim, há um cipreste com uma altura de cento e trinta metros. Durante uns anos , pensei que pudesse mandar alguém cortá-lo. Mas aquela árvore não cede, nem com a mais afiada das lâminas. 

A árvore deve ter mais de oitocentos anos, e, em pequeno, eu adorava esconder-me debaixo dela." 

Eu consigo ver a árvore, mas agora está coberta de neve. É muito maior do que a que o meu Avô fala. Deve ter mais de duzentos metros. Agiganta-se no meio das cerejeiras, nuas, escuras. No entanto, eu continuo a ler.

"---uma vez, uma pequena rapariga com cabelos escuros, cor de obsidiana e um sorriso infantil, começou a brincar no meio das magnólias. Uma pedra de jade em forma de círculo com um buraquinho estava pendurado ao pescoço da pequena. Algumas penas de quetzal adornavam-lhe uns brincos cor de cobre. 

Ela era tão bonita, com os olhos verdes e a pele escura, morena.  

Eu nessa altura era um rapaz de doze anos. Tentei avisar a menina para que ela não perturbasse as antigas árvores. Ora, algumas destas árvores tinham sido plantadas pelas Cy-bata Ai, Ayako e Akiko. As minhas antepassadas com sangue de demónio aranha gostavam muito das árvores de cerejeira. No entanto, muito do ódio que elas agora nutriam pela família Von Tifon contaminara os espíritos das árvores. Se a menina Aosbeltzi não tivesse cuidado, os Yokai do jardim podiam fazer com que ela se perdesse. 

Apanhei uma vela para que a escuridão trazida pelos ciúmes dos fantasmas de Ai, Ayako e Akiko não me engolissem. 

« Por favor...» Disse numa voz tímida.  

A menina continuava a admirar as cerejeiras, as flores de ameixoeira, as amendoeiras, as peónias e as magnólias. 

« Afasta-te das cerejeiras! »  Gritei num tom alarmado em Ku-naira.   

Finalmente, como se eu tivesse quebrado um feitiço, a rapariga olhou para mim. 

Embora ela provavelmente não soubesse falar Ku-naira, ela olhou para mim com uma expressão curiosa, assustada. Nunca um olhar cor de avelã me emocionou tanto como aquele. Ela correu directamente para a varanda onde eu estava. Ela estava a tremer. Abracei-a inconscientemente. Não porque ela fazia-me lembrar da Lorelei, mas sim porque ela tinha a sua própria luz. Não houve uma única palavra trocada entre mim e a rapariga. Ela limitou-se a chorar e a estreitar-me no abraço. Ela não me conhecía de lado nenhum. 

Quem era ela para estar a tocar-me de uma forma tão impudente? No entanto, eu apercebi-me que as cerejeiras tinham um pouco de inveja da menina do Sul de Shunamari. A maior parte das criadas sempre me disse que eu tinha as mãos gélidas, mesmo que usasse luvas. No entanto, ali estava uma pequena de nove anos, a procurar calor numa pessoa que não era nem humana, nem yokai.

Brinquei um pouco com o pendente de jade com uma serpente gravada no interior. Ela devía gostar muito do pendente para levá-lo até ao meu palácio, até aos meus jardins. Por uns momentos, a rapariga Aosbeltzi deixara de ser uma camponesa ignorante e eu deixara de ser o filho esquisito de uma mulher que todos os homens de Shunamari temiam. Eu era apenas um rapaz num kimono azul-escuro e cabelos louros escuros apanhados num rabo-de-cavalo, e ela, uma menina com uma túnica turquesa. Eu sabía que ela era de uma classe inferior à minha, mas não deixava de ser uma nobre.   Nenhuma rapariga qualquer Aosbeltzi usaria um pendente de jade de uma maneira insolente.

« Cheiras tão bem...» Falei, o meu rosto branco a centímetros do dela. 

Por uns momentos, o meu coração - algo que eu tinha como certeza nunca ter existido - começou a bater. E uma cor parecida com a das cerejeiras apareceu no meu rosto pálido. 

Uma voz interrompeu aquele momento: 

« Adrian Demetrius!  Adrian! » Era a minha Mãe. 

Despedi-me com um pequeno sorriso e um beijo na palma das mãos da pequena princesa Aosbeltzi. 









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