quarta-feira, 6 de junho de 2007

O acendedor de candeeiros sorridente (Parte I)

Acontece que de meia em meia-hora, as lâmpadas têm de ser substituídas à noite, para que não se apaguem, caso contrário, os espíritos e fantasmas demoníacos puderiam fazer o que quisessem da nossa casa. Esta complicada tarefa é multiplicada por trezentas aborrecidas e temidas vezes, já que existem ao todo trezentos candeeiros aqui no Château e uma vez que os tectos dos corredores são muito altos, e as lâmpadas encontram-se aproximadamente a dois metros e dez centímetros acima do chão, é preciso ser-se muito alto para rodar a lâmpada, retirá-la do suporte e trocá-la por uma nova. Finda a tarefa de vigiar o calmo sono num andar, e entre outros trabalhos fastidiosos e perigosos, o de trocar lâmpadas no Château é um dos mais imporantes do vigilante da noite, por outras palavras, o Nälden é o único que tem a (infeliz) sorte de trocar cem lâmpadas num andar antes que os demónios venham, o que acontece pontualmente às 24:00 no primeiro andar, às 24:30 no segundo, à uma no terceiro, à uma e meia no quarto, e, por fim, às duas da manhã no quinto; – Sem falar no rés-do-chão às onze e meia, e no sótão às duas e meia da madrugada – num certo andar, antes da hora indicada, correr o mais depressa possível até à escadaria em caracol no canto inferior direito do corredor, e, depois de ter subido cem escadas até ao quinto andar, ele tem de andar com a maior cautela para não acordar o Primo Coutinho que como já te disse, dorme no quinto andar, chegar ao enorme quarto do general alemão, encontrar o quadro-eléctrico de toda a casa às escuras que se encontra precisamente por detrás da cama do primo, mesmo em cima da cabeça do general a ressonar, sonhando profundamente com a improvável vitória da Alemanha na Grande Guerra, e aí, o pobre do tenente tenta apalpar desajeitadamente com os olhos fechados a parede para ligar os candeeiros da casa toda, o que já levou a vários acidentes em relação da privacidade do nosso querido primo.
Não conseguia dormir, com pesadelos terríveis acerca do meu padrasto, com sonhos em que o meu padrasto era um bruxo terrível e impiedoso, que me fazia a vida negra, ao me forçar a beijá-lo, e a não resistir aos seus avanços maníacos. Foi a suar de medo, que, com os joelhos delicados descobertos, e a segurar na lanterna com a mão trémula que andei de pés descalços na mármore fria, em bicos de pés, para não acordar ninguém, e ir buscar lá em baixo à cozinha um copo de leite quente.
Precisava mesmo de algo para me fazer adormecer, uma vez que ler nem sequer me fez pregar olho, portanto, tive a ideia de beber qualquer coisa quentinha, e assim continuar o meu sono de beleza em paz.
Queria esquecer aquele bruxo de uma vez por todas, e não seria uma insónia que me iria impedir de fazê-lo. E ao abrir as portas com cuidado para não ter o azar de ver algum demónio, reparei que era só Nälden com uma lanterna na boca mesmo à beira da parede, empoleirado num escadote, pregando com toda a sua força num martelo na mão esquerda, muito irritado, segurando com a mão direita um fio prateado um quadro muito grande em tamanho real de possivelmente um antepassado meu.
Com as sobrancelhas levantadas de mau-humor, os olhos azuis claros arregalados de ira, e despenteado com o roupão cor-de-rosa com cinturão azul-celeste vestido, e, fumando um cigarro, juntamente com a lanterna na boca, martelava como se quisesse que toda a casa soubesse que ele estava a pregar bem o quadro.
- Velhaco e porco insensível! – Ralhou ele entre dentes. – Mantém-te firme. Eu te ensinarei maneiras de não pregares truques machistas a mim. Não queremos fantasmas neste velho ninho de corujas e venenosas falsas.
Porquê tanta fúria? Não percebia porque é que estava com tanta pressa, as luzes já tinham sido trocadas e ligadas, não havia necessidade de fazer cenas, afinal, eram três e meia, e as pessoas estavam a dormir!
Ajeitando o meu roupão normal japonês, andei em direcção do outro lado do corredor, e com um olhar vazio, sem perceber nada, para quem é que ele estava a dar o sermão, pus as minhas mãos nas ancas, curiosa, e ordenei num tom sério:
- Deixa em paz o quadro do honrado antepassado!
Ele, deixando cair a lanterna, fez desaparecer com uma magia o cigarro, e, sorrindo ironicamente, olhou para mim um pouco chateado, mas com uma vontade de se rir da sua própria situação, com um sorriso de orelha em orelha, virando a cabeça oval para mim, com os olhos de ursinho de peluche grandes e pondo num armário o martelo, mas ainda com o quadro num dos braços, respondeu num tom solene, no entanto divertido:
- Eh, ao velho cavalheiro alemão ofereço toda a minha devoção; mas ensinar boas maneiras ao seu criado não significa faltar ao respeito a um superior.

O Nälden, mesmo que não tendo dormido toda a noite, continuava o mesmo rapaz de vinte e cinco anos: sempre alegre e vivaz, e alegre, sempre banindo as dores e desgostos, troçando e chasqueando de cada catástrofe que acontecia, e o mais interessante é que ele consegue sempre ver o lado positivo das coisas. É a personificação do copo meio-cheio. Depois a sua mariquice faz com que qualquer um desate às gargalhadas. Ele é mesmo porreiro.

Um comentário:

Felipe Dib Boufflers disse...

vlw oela visita bno meu moça!
voltarei aqui tb ;*